domingo, 28 de julho de 2013

OS INTELECTUAIS E A ESFERA PÚBLICA

domingo, 28 de julho de 2013

Por Emir Sader
“O governo Lula surpreendeu aos intelectuais, que ficaram desarmados sobre como reagir. Estavam despreparados para encarar um governo que se propunha a enfrentar a herança neoliberal nas condições realmente existentes.

A primeira atitude foi a mais tradicional nos intelectuais de esquerda: a deníncia de “traição” do Lula, que haveria herdado e mantido o governo neoliberal de FHC e seu programa. A nomeação da equipe econômica seria a prova irrefutável do crime.

Essa concepção foi adotada desde um primeiro momento pelos intelectuais da ultraesquerda, com seus esquemas pré-fabricados de que todo partido “social democrata”, quando chega ao governo, “trai” a classe trabalhadora e se assume como governo “burguês”, de direita, que apenas administra a crise capitalista, enganando a classe trabalhadora. Só viram no governo Lula a “confirmação” do que sempre – eles e seus antepassados políticos – previam.

A eles se juntaram os que acompanhavam, com bastante desconfiança, a vitória do PT e, diante da primeira circunstância, se distanciaram, com denúncias similares às mencionadas acima, sem nenhuma criatividade. O PT teria se aburguesado, se distanciado de suas bases tradicionais, se adequado à herança recebida e fazia um governo de continuidade com o governo de FHC. Houve até mesmo economistas que tentaram provar que não teria existido sequer “herança maldita” que demandasse políticas específicas para herdá-las, que tudo eram mentiras do governo Lula para justificar medidas econômicas conservadoras.

Na crise de 2005, intelectuais da extrema esquerda aderiram ao coro de denúncias da direita contra o governo Lula. Abandonaram qualquer crítica à política econômica e se centraram em que a “traição” teria ganhado contornos morais, com a corrupção grassando em todo o governo Lula.

Perderam o norte do mundo contemporâneo, em que o capitalismo assumiu o modelo neoliberal, que busca a mercantilização de tudo. Se somaram ao liberalismo, na sua crítica ao Estado, de que as denúncias de corrupção são um capítulo.

Terminaram fazendo da crítica ao governo Lula e ao PT seu objetivo fundamental, aliados à direita – em particular a seus espaços midiáticos – e terminando grotescamente, assim, sua trajetória intelectual.

Seguem nesse lugar, sem revelar nenhuma capacidade de análise e compreensão do Brasil e da América Latina contemporâneas, com o que não captam a natureza e o estado atual da luta pela superação do modelo neoliberal.

Os intelectuais de direita, que se haviam reanimado com os governos Collor, Itamar e FHC, revigorados pelo fim da URSS e, com ela, o fracasso do Estado, se mobilizaram no apoio às versões brasileiras do projeto neoliberal, de forma eufórica. Conseguiam retomar a ofensiva diante da esquerda, com um projeto que se pretendia “modernizador” e desqualificava a esquerda como “pré-histórica”.

Uniram-se intelectuais tradicionais da direita – vários deles que haviam estado com a ditadura –, mais intelectuais tucanos e economistas acadêmicos, em torno da liderança de FHC. Tiveram o gosto de derrotar o Lula e o PT duas vezes, pretendiam ter chegado ao poder por 20 anos e ter derrotado de vez a esquerda.

Naufragaram com o fracasso do governo FHC. Nem foram capazes de fazer um balanço da experiência desse governo e diagnosticar a derrota do candidato de continuísmo – que, na própria distância em relação ao governo de FHC, confessava sua derrota.

A intelectualidade de esquerda que não se rendeu à fácil versão da “traição” do governo Lula manteve seu apoio ao governo e ao PT, mas em geral sem teorizar as razões desse apoio. Haviam ficado na defensiva diante dos caminhos inesperados adotados pelo governo Lula e as acusações de corrupção levantadas contra ele. Se passava a uma situação claramente de defensiva diante da ofensiva da direita e da ultraesquerda.

Foi o enfrentamento dessa crise pelo governo Lula e a vitória eleitoral de 2006 – que revelava as novas bases populares que as políticas sociais tinham conquistado para o governo e para a esquerda – que projetaram uma nova imagem do governo. A ideia de que, pela primeira vez, mesmo se por caminhos inesperados e até mesmo reprovados pela esquerda – como os elementos conservadores da política econômica –, a fisionomia social do país tinha mudado, de forma significativa, e pela primeira vez a esquerda tinha uma base realmente popular, voltou a sensibilizar a setores da intelectualidade da esquerda. 

O apoio ao governo veio, sobretudo, das conquistas sociais dos setores populares e, em menor medida, da política externa soberana do governo. A confiança na figura do Lula comandou essa retomada de apoio dos intelectuais de esquerda ao governo.

Mas sem ainda teorizar as razões do sucesso do governo. É esse processo que precisa ser dinamizado, para retomar uma interação entre o pensamento crítico e os governos do PT, que tinha sido deixada de lado. O pensamento social necessita rearticular-se com os processos políticos contemporâneos – o brasileiro e o latino-americano – e os governos e os partidos de esquerda precisam da oxigenação do pensamento crítico.

Essa retomada deve se centrar no balanço da luta pela superação do modelo neoliberal e nos traços fundamentais de uma sociedade fundada na esfera pública, na universalização dos direitos, na democratização radical da economia, da política e da vida cultural.”

FONTE: escrito por Emir Sader no site “Carta Maior” (http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=1&post_id=1290).

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