segunda-feira, 1 de julho de 2013

"Caixa 2 é crime e tem que ter cassação de mandato"

Entrevista


Octávio Costa (ocosta@ejesa.com.br)
01/07/13 09:12

Presidente nacional da OAB, Marcus Vinicius Furtado afirmou que a corrupção dos homens públicos nasce exatamente nas eleições.
Na semana passada,a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) voltou a mostrar o peso de sua tradição em defesa da democracia.
Recebido em audiência pela presidente Dilma Rousseff , o presidente nacional da OAB, Marcus Vinicius Furtado, conseguiu demovê-la da ideia de uma Constituinte restrita, argumentando que esse mecanismo só é válido em caso de ruptura institucional.
Mas endossou a proposta de realização de um plebiscito para encaminhar ao Congresso os pontos essenciais da reforma política. Ele afirmou ao Brasil Econômico que a corrupção dos homens públicos no país nasce exatamente nos vícios do processo eleitoral. E apontou o remédio: "O Caixa 2 é crime e deve ser punido rigorosamente, com a prisão e a cassação do mandato".
Qual foi o argumento que o senhor usou para demover a presidente Dilma Rousseff da ideia de convocar uma Constituinte restrita sobre a reforma política?
Em primeiro lugar, é preciso esclarecer que a presidente deixou claro que não estava no âmago da sua proposta fazer ou não uma Constituinte. O que mais importava a ela era realizar o plebiscito, a consulta popular. Então demonstramos para ela que, se o principal objetivo era fazer o plebiscito, o mais adequado seria consultar o povo diretamente sobre qual a reforma política que o povo quer, e não convocar um plebiscito para que o povo delegasse a um órgão constituinte a efetivação dessa vontade popular. Seria bem mais interessante canalizar a energia que seria utilizada no debate sobre a convocação da Constituinte para a consulta direta ao povo. Qual a reforma política que ele quer? Nosso argumento foi esse, o argumento da efetividade, e o argumento da celeridade na aprovação da reforma. Isso foi o que mais convenceu a presidente. Mas também pusemos na mesa o argumento de que uma Constituinte só pode ser instalada em momento de instabilidade ou ruptura institucional.

Por que se aplica apenas a essas situações?
Porque é algo muito perigoso, é um cheque em branco no sentido do poder de alargamento da competência que toda Constituinte possui por princípio. Uma Constituinte, embora convocada para determinada matéria, tem como característica ou princípio a capacidade ou o poder de ampliar a sua competência. Por exemplo, a Constituinte poderia dispor sobre os direitos e garantias individuais. Poderia concluir que limitar a liberdade de expressão é importante para uma política mais adequada no Brasil. E propor mudanças a partir da tese de pertinência temática de diversos pontos da Constituição. Com isso, você colocaria as garantias e os direitos em risco. Por isso que toda Constituição - e a Constituição brasileira não foge à regra - prevê a possibilidade da convocação de Assembleia Constituinte em casos de mudança institucional.
O senhor acha que o povo tem informação suficiente para decidir num plebiscito se o ideal para nosso país é o voto distrital misto ou o voto em lista? Não são temas muito complexos para submeter a uma decisão plebiscitária?
A ideia é que se faça uma campanha de esclarecimento em cadeia de rádio e televisão, como foi feito, em 1993, no plebiscito sobre os temas Monarquia e República, Parlamentarismo e Presidencialismo. Isso também será feito agora com espaço para diferentes frentes de opinião. As frentes temáticas a favor do sistema A e do sistema B poderão apresentar suas ideias e propostas no rádio e na TV, esclarecendo a população. O povo brasileiro já votou sobre um tema muito mais complexo, como o caso do sistema de governo.

Há também o problema da corrida contra o tempo. Se o plebiscito for realizado em outubro, não haverá tempo hábil para que a reforma política seja aplicada já na eleição de 2014.
Certo, mas, para respeitar a anualidade em mudanças de legislação eleitoral, nós propusemos ao governo que o plebiscito seja realizado ainda no mês de agosto. Assim, haverá prazo para que o Congresso Nacional, no mês de setembro, possa legislar e implementar a resposta plebiscitária. Nossa sugestão foi recebida com simpatia. Quer dizer, a realização do plebiscito no mês de agosto foi avaliada como interessante pela presidente da República e pelos demais presentes na reunião. Não posso anunciar uma decisão de governo, mas nossa proposta de calendário pode ser adotada pelo governo. Plebiscito em agosto e tramitação da reforma política no Congresso em setembro. Com a pressão de um plebiscito popular, há o sentimento de que o Congresso Nacional irá agilizar seus trabalhos.

Há outro ponto importante: quem vai definir as perguntas a serem feitas aos eleitores? O Executivo ou o Legislativo?
Essa é uma decisão do Congresso Nacional, que vai deliberar junto com a presidente da República e seus ministros. No caso da pergunta do plebiscito de divisão do Estado do Pará, a pergunta foi feita pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). É interessante que a pergunta fique no âmbito do TSE, porque o Tribunal saberá fazer perguntas claras. Não queremos uma linguagem técnica e jurídica, mas uma linguagem que seja acessível a todos os brasileiros. E que expresse todas as opções em debate sobre os vários temas.

A OAB iniciou uma campanha por eleições limpas. Um dos itens que o senhor defende é o financiamento público nas campanhas?
No nosso projeto, predomina o financiamento democrático porque vai além do financiamento público. Prevê também o financiamento por pessoas físicas e exclui a contribuição por parte de empresas. A doação das pessoas físicas teria o limite de R$ 700, mas, no debate, pode ser ampliado ou diminuído. Propusemos algo próximo ao salário mínimo. Importante é que haja um limite estabelecido, para que se evite que alguém com condições financeiras elevadas possa desvirtuar as eleições.
Alguns especialistas afirmam que o financiamento público não impedirá a utilização de caixa 2. O senhor concorda com essa opinião?

A questão deve ser tratada da seguinte forma: o atual sistema eleitoral brasileiro estimula o caixa 2; no novo sistema, o caixa 2 não será decisivo nas eleições, como é hoje. As pessoas de bem, que querem ingressar ou continuar na política, não necessitarão vender as suas almas para seguir na política, não necessitarão fazer negociatas para receber caixa 2. O sistema atual quase que não deixa opção, salvo honrosas exceções. Em segundo lugar, chega o momento numa campanha eleitoral que dinheiro a mais não tem caráter tão decisivo. Hoje, no Brasil, quem tem caixa 2 faz grandes campanhas e os outros não têm campanha alguma. Daí, quem tem o caixa 2 acaba sendo o único que aparece na propaganda política com as suas propostas e ideias. Com o financiamento democrático, todos terão o mínimo de competitividade, terão o direito a participar. E a população identificará aqueles que estão exercendo a campanha de forma multimilionária, ou de forma desproporcional. A população irá desconfiar desses políticos.
E o que pode ser feito para coibir o caixa 2?
A gente passa a prever no nosso projeto de lei, como crime, as despesas não contabilizadas de campanha - ou seja, o caixa 2. Hoje, o caixa 2 eleitoral é tão estimulado no Brasil que acaba virando argumento de defesa, de prática penal. No nosso projeto, ele passa a ser crime, apenado com três a oito anos de prisão. Nós queremos que, em verdade, o caixa 2 passe a ser crime e resulte na cassação de mandato. Além do que, como nós vamos na segunda proposta diminuir o número de candidaturas, será efetiva a fiscalização por parte da Justiça Eleitoral.

Há quem diga que a reforma política não era bandeira das manifestações de rua. Falava-se de outras questões, como a qualidade dos transportes, da saúde e da educação. E, de repente, a reforma política teria sido posta em primeiríssimo plano, para desviar dos outros temas. O senhor concorda?

Não concordo. O combate à corrupção é uma das principais bandeiras das manifestações. E quem entende do sistema político no Brasil sabe que o cerne da corrupção administrativa está na corrupção eleitoral. A relação incestuosa e indevida entre empresas e candidatos na campanha eleitoral acaba por repercutir na administração pública. De outro lado, os administradores públicos acabam se submetendo a práticas indevidas na relação com empresas para fazer caixa de campanha para as eleições seguintes. Ou se acaba com essa bola de neve fazendo uma reforma política, ou estaremos sempre combatendo as consequências do sistema hoje existente, e não a causa. Fazer a reforma política significa combater a causa da corrupção no Brasil. Ou pelo menos criar um sistema que não estimule a corrupção.
A OAB tem posição em relação ao sistema de voto - voto distrital, voto em lista, distrital misto? 
A primeira posição é que entendemos que não se deve alterar a Constituição da República. Portanto, nenhuma mudança de sistema deve implicar em alteração do marco constitucional, já que a Constituinte foi descartada. Nosso entendimento é de que devemos implementar com modificações na lei.

Mas qual seria a proposta?

Manter o sistema proporcional de eleição. Ou seja, não implantar o sistema distrital, mas um sistema proporcional diferente do que é hoje. Da forma que temos o sistema proporcional hoje, o cidadão que vota no Tiririca elege também três, quatro, cinco outros candidatos nos quais o cidadão não quis votar. É preciso criar um sistema que acabe com esse tipo de efeito. Não vai aqui qualquer crítica ao deputado federal Tiririca, que foi eleito legitimamente. O exemplo serve apenas para simbolizar que o povo votou nele e elegeu outros tantos que não sabia que estava elegendo. O que existe hoje é uma relação obscura, não é algo transparente. Por isso que nós chamamos nossa proposta de voto transparente.
E como vai funcionar?
A eleição para o Congresso seria em dois turnos. No primeiro, o voto iria apenas para a legenda dos partidos. Então, o partido teria que mostrar suas propostas, ideias, convencer que merece o voto. Mas nesse primeiro turno não seria definido quem são os eleitos, apenas quantas vagas cada partido teria. No segundo turno seriam votados os candidatos dos partidos. Digamos que um partido consiga no primeiro turno quatro vagas de deputado federal, mas quem seriam esses eleitos? Isso seria decidido no segundo turno, quando a população elegeria diretamente os quatro deputados, e não a máquina partidária.

A OAB apoia a decisão do Congresso de transformar a corrupção em crime hediondo?
Compreendemos que ela objetiva dar resposta à reclamação da sociedade, mas nós temos segurança de que essa ideia não terá grandes consequências no combate à corrupção. Quer dizer, o Brasil precisa mesmo é da aplicação das leis penais existentes. Precisamos combater a impunidade e aplicar a lei. O agravamento das penas não costuma resultar em grandes ganhos no combate à criminalidade. De todo modo, a Ordem não se opõe, ela apenas não compreende que essa medida por si só vá trazer grandes êxitos no combate à criminalidade.

Quando o senhor fala que o agravamento das penas não resultam em grande ganhos...

A corrupção no Brasil já é crime, certo? A questão não está no tamanho da pena do crime de corrupção. A questão está na aplicação da pena hoje existente. Quantos são os que hoje são condenados por esse tipo de crime? Muito poucos. Você tem muitas acusações, muitas denúncias, mas pouca condenação. Então, talvez o mais adequado fosse estimular que os processos de crime de corrupção fossem julgados com celeridade, criando turmas específicas. Ou seja, a aplicação da pena existente é mais eficaz para o combate ao crime do que o agravamento da pena. Isso é menos uma opinião política e mais uma constatação técnica de quem estuda o combate ao crime. Mas a Ordem também não se opõe a que a corrupção se torne crime hediondo.
O que mais foi apresentado à presidente Dilma?
Nós propusemos à presidente, e ela acolheu também, que fosse criada no âmbito da Presidência da República uma comissão para a elaboração do Código de Defesa dos Usuários de Serviços Públicos. Isso é muito importante para que o usuário tenha com quem reclamar, para que o cidadão tenha como dar vazão a suas insatisfações em relação ao atendimento dos serviços públicos no Brasil.

Mas qual é a posição da OAB em relação às demandas populares?
A Ordem é apenas uma instituição que tenta dar vazão institucional às reivindicações, dar concretude aos cartazes, à sociedade, mas sem se portar como dona da verdade. A OAB tenta ler a vontade da sociedade para dar vazão institucional e canalizar essa energia em favor de mudanças estruturais no Brasil.
Semana passada o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, propôs uma coisa que existe nos Estados Unidos, o recall para políticos, quando se vota para decidir se o político deve continuar com seu mandato, ou não. O senhor concorda com essa proposta?
A OAB tem uma posição muito firme. Inclusive, apresentamos ao Congresso Nacional, há cerca de quatro anos, um projeto de lei de iniciativa de nosso jurista Fabio Konder Comparato, que amplia a participação da população na vida política. E na proposta da OAB está justamente o recall, ela trata do plebiscito, do referendo e alarga as possibilidades de consulta da população. Faz parte do ideário político da OAB a defesa do recall.
O senhor falou desse projeto da OAB que está no Congresso há quatro anos. Isso acontece com muitos outros projetos. Agora, vários temas estão sendo tratados com uma urgência urgentíssima, por pressão das ruas. Está havendo exagero nessa reação? Um certo açodamento?

Eu verifico que o que está acontecendo hoje deveria acontecer sempre. Ou seja, o Congresso Nacional, a Presidência da República, os entes governamentais, os representantes do povo, devem estar atentos, constantemente, às reclamações populares e tratarem com urgência as indicações da sociedade. Isso deveria ser uma constante em nosso país, essa urgência com que os temas são tratados nesses dias. Todos são temas urgentes e necessários. A população espera há muito tempo essa resposta por parte de seus representantes. E agora ela tem se manifestado e o mínimo que seus representantes podem fazer é, justamente, ouvir o recado das ruas e tentar dar vazão e concretude às exigências da sociedade. E, claro, fazer isso com equilíbrio, sem demagogia, sem por em risco a democracia brasileira, sem abalar a nossa normalidade institucional.
O plebiscito, em si, é uma resposta suficiente para o anseio por democracia direta, pela participação direta da população nas decisões?

Com certeza. Se vocês bem lembrarem, no Brasil não se discute mais sobre a questão de armas de fogo. Porque foi feita uma consulta popular. Também não se discute mais se nós teremos presidencialismo ou parlamentarismo. Foi feita a consulta popular. O plebiscito tem uma função pacificadora da nação, porque a maioria vai dizer qual o sistema que ela quer. Quando a maioria decidir, a questão será implementada e nós teremos o sistema que a população quis. Já se disse que para os males da democracia, a única cura é mais democracia. E mais democracia significa participação popular. Quanto mais diretamente o povo exercer a sua vontade, mais democrática a decisão.
Ainda em relação à reforma política, fala-se em candidaturas avulsas na eleição do ano que vem, por fora dos partidos. A OAB aprova?
As grandes democracias do mundo se estabilizam por conta da existência de partidos. A questão, hoje, do fosso de legitimidade, do déficit de legitimidade existente entre os partidos e a população, decorre do fato de que os partidos se afastaram por demais do povo e acabaram, por mais das vezes, prestando conta aos empresários que financiam suas campanhas. Esse é o ponto. Nós apostamos que, com a reforma política, poderemos ter partidos que de fato apresentem programas e defendam suas ideias. Candidatura avulsa aponta para um sentido contrário do sistema partidário. A experiência da história do mundo demonstra que a existência de partidos representativos, sérios e estruturados, é importante para a estabilidade da democracia.
Como a OAB viu a ação da polícia nesses dias de manifestações de rua?

Em primeiro lugar, a OAB defendeu a liberdade de manifestação. Em segundo, participamos de uma reunião no Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, no qual a OAB ocupa a Vice-Presidência, por força de lei. A presidente é a ministra Maria do Rosário. Lá eu tive a oportunidade de participar da elaboração da resolução que proibiu o uso de armas de fogo para reprimir manifestações. Também conclamamos todos os governadores para que proibissem o uso de balas de borracha contra os manifestantes. Defendemos a tese de que para lidar com as manifestações não se pode ter a mesma tática da polícia que enfrenta criminosos ou bandidos. É óbvio que pessoas que fazem vandalismo e saques são criminosos e devem ser tratados com todo o rigor da lei. Mas essas pessoas significam uma ínfima minoria dos milhares de manifestantes que foram às ruas.

Qual a proposta da OAB para o ressarcimento por danos?

A Ordem entende que a lei civil brasileira prevê o ressarcimento por danos e também que a pessoa responda na área penal pelos danos causados.
O novo ministro do STF, Luís Roberto Barroso, afirma que a Justiça no Brasil ainda é uma justiça dos ricos. O senhor concorda?

Ele tem plena razão. Infelizmente, a Justiça tem muitos obstáculos econômicos. Ela é muito cara, inacessível à maior parte da população. Não deveria haver custos judiciais porque é um serviço essencial. A Justiça deveria ser completamente gratuita, principalmente para os necessitados. Entendemos que as defensorias públicas são pessimamente estruturadas na maior parte do país, os pobres acabam desassistidos. Entendemos também que o Juizado Especial de Pequenas Causas faz esforço no sentido do acolhimento das pessoas pobres, mas há muito o que se fazer para que a Justiça não seja só da elite, mas de toda a população.

Rui Barbosa dizia que "justiça que tarda é injustiça". Há como tornar mais célere a Justiça no Brasil?

A OAB defende o cumprimento de um princípio constitucional que é o da razoável duração do processo. Temos que ter processos mais céleres no Brasil, sem contrariar o direito de defesa, para evitar injustiças, mas temos que ter um processo menos burocratizado do que hoje. Por isso, é importante que se discuta e se vote o novo Código de Processo Civil. Assim poderemos ter um processo de resultados, com a conclusão o mais rapidamente possível. A Justiça mais rápida significa a pacificação social o quanto antes.

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