Por Miguel do Rosário, no blog Cafezinho:
A entrevista do consultor Mario Rosa já foi reproduzida em vários sites. Eu tinha que dar um título mais impactante, e ao mesmo tempo mais verdadeiro, porque é disso que se trata. Rosa faz uma denúncia óbvia, que está a vista de todos.
Imagina se o Ministério do Desenvolvimento “vazasse” informações sobre comércio exterior apenas para jornalistas que falassem bem do governo? Não seria um escândalo? Não seria considerado corrupção?
A Lava Jato usa informações públicas para corromper jornalistas. Estes só continuam a receber furos, e um furo é a moeda mais valiosa do jornalismo, caso eles continuem a servir à narrativa do Estado, ou melhor, à narrativa da própria Lava Jato.
Ou seja, é propina.
Uma propina muito maior e muito mais imoral que os milhões que Lucio Funaro diz ter dado a Eduardo Cunha para que este “comprasse” o impeachment.
Mas com o mesmo objetivo: a Lava Jato foi uma operação montada para derrubar o governo Dilma e empossar um outro regime, de ordem neoliberal, servil aos interesses das corporações norte-americanas.
Por isso a operação e, sobretudo, Sergio Moro, recebem tantos prêmios nos Estados Unidos.
Só não entendo porque Donald Trump ainda não recebeu Moro no salão oval da Casa Branca, e ainda não lhe entregou uma medalha de heroi da pátria, depois de tudo que o juiz fez em prol da “terra dos livres e lar dos bravos”.
A Lava Jato girou, desde o início, em volta de propinas.
Todos os prêmios que recebeu, por exemplo, são propina. E os “furos” da Lava Jato idem.
A Lava Jato é a ação judicial mais corruptora e corrompida da história do país.
***
No Conjur
O novo chapa-branca
“A custo zero para a imprensa, cobertura da ‘lava jato’ só reproduz discurso do Estado”
POR MÁRCIO CHAER, MARCOS DE VASCONCELLOS E FERNANDO MARTINES
Tradição dos lares brasileiros, a telenovela ganhou nova forma e horários. Agora, o cenário é bem mais simples: uma bancada com um ou dois apresentadores. E a exibição é de manhã, depois do almoço, às 20h30 e de madrugada. No enredo imutável, âncoras e repórteres mostram como a República está sempre por um fio. Os picos de audiência apontam que a fórmula agrada ao público.
Ganhador do prêmio Esso quando jornalista, o atual consultor de crises Mário Rosa constata que o público não quer mais saber quem matou Odete Roitman. Ele quer ouvir os áudios das conversas privadas do presidente. Ou ver vídeos de parlamentares pegando malas de dinheiro. O ponto alto da adrenalina agora é durante o noticiário.
Na análise de Rosa, essa dinâmica da produção jornalística tem motivações financeiras. Em um momento de crise econômica e disputa por atenção de um público ávido por smartphones a imprensa se vê tendo acesso a um material com alto potencial de audiência.
A fonte é o Estado, mesmo que as denúncias também sejam contra ele – o Estado são vários. Ministério Público Federal e Polícia Federal gastam milhões de sua verba para produzir áudios, vídeos e fotos comprometedores. Esse material é repassado a algum dos jornalistas que formam o círculo de proximidade. Mas alguém já disse que não existe almoço grátis. E nesse caso, o preço é a lealdade.
O Ibope está garantido. Mas é preciso que a denúncia seja publicada da forma que foi entregue, caso contrário, será exilado do grupo que furos jornalísticos prontos para o consumo a custo zero. Também está no contrato que além do filé, o músculo também deve ser ingerido. Para continuar recebendo notícias de impacto, o jornalista deve também publicar teses e devaneios de vez em quando. Para fortalecer as acusações.
Colocar os jornalistas para realmente investigar os fatos levantados nos processos, fazer o jornalismo que se aprende nos filmes e nas aulas, lembra Rosa, custa caro.
A visão de Mário Rosa vem dos três lados do balcão. Já foi repórter, é consultor de crises e foi alvo de investigações. Com sua experiência junto às engrenagens da imprensa, Mario Rosa ajuda empresários e políticos a navegarem no tumultuoso mar do escracho público. De Léo Pinheiro a Ricardo Teixeira, de Fernando Henrique Cardoso a Lula, passando por Paulo Coelho. Recorre ao consultor quem vê sua imagem ser atacada publicamente.
Em junho de 2016, a visão de Mario Rosa sobre seu próprio trabalho mudou. Ele acordou com a Polícia Federal batendo na sua porta. Busca e apreensão. Era investigado por ter um contrato com a empresa de Carolina Oliveira, mulher do governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel. O chefe do Executivo mineiro é investigado na operação apelidada de acrônimo.
Não parou aí. A PF fez busca e apreensão em mais de dez empresas com as quais Rosa tinha contrato. Seu nome apareceu no noticiário. O casamento acabou e muitos negócios foram perdidos.
A tentativa de cura veio pela escrita. Rosa lançou recentemente o livro Entre a Glória e a Vergonha, no qual conta seus 25 anos como consultor das pessoas mais poderosas do país, no momento em que estão mais fragilizadas.
Em visita à redação da ConJur, logo antes do suicídio do reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier de Olivo, o jornalista comentou os efeitos deletérios da escalada do punitivismo no noticiário nacional.
Leia a entrevista:
ConJur – Neste momento, o senhor acredita que seja possível algum veículo grande atuar criticamente com distanciamento em relação ao fenômeno dos escândalos políticos nos noticiários?
POR MÁRCIO CHAER, MARCOS DE VASCONCELLOS E FERNANDO MARTINES
Tradição dos lares brasileiros, a telenovela ganhou nova forma e horários. Agora, o cenário é bem mais simples: uma bancada com um ou dois apresentadores. E a exibição é de manhã, depois do almoço, às 20h30 e de madrugada. No enredo imutável, âncoras e repórteres mostram como a República está sempre por um fio. Os picos de audiência apontam que a fórmula agrada ao público.
Ganhador do prêmio Esso quando jornalista, o atual consultor de crises Mário Rosa constata que o público não quer mais saber quem matou Odete Roitman. Ele quer ouvir os áudios das conversas privadas do presidente. Ou ver vídeos de parlamentares pegando malas de dinheiro. O ponto alto da adrenalina agora é durante o noticiário.
Na análise de Rosa, essa dinâmica da produção jornalística tem motivações financeiras. Em um momento de crise econômica e disputa por atenção de um público ávido por smartphones a imprensa se vê tendo acesso a um material com alto potencial de audiência.
A fonte é o Estado, mesmo que as denúncias também sejam contra ele – o Estado são vários. Ministério Público Federal e Polícia Federal gastam milhões de sua verba para produzir áudios, vídeos e fotos comprometedores. Esse material é repassado a algum dos jornalistas que formam o círculo de proximidade. Mas alguém já disse que não existe almoço grátis. E nesse caso, o preço é a lealdade.
O Ibope está garantido. Mas é preciso que a denúncia seja publicada da forma que foi entregue, caso contrário, será exilado do grupo que furos jornalísticos prontos para o consumo a custo zero. Também está no contrato que além do filé, o músculo também deve ser ingerido. Para continuar recebendo notícias de impacto, o jornalista deve também publicar teses e devaneios de vez em quando. Para fortalecer as acusações.
Colocar os jornalistas para realmente investigar os fatos levantados nos processos, fazer o jornalismo que se aprende nos filmes e nas aulas, lembra Rosa, custa caro.
A visão de Mário Rosa vem dos três lados do balcão. Já foi repórter, é consultor de crises e foi alvo de investigações. Com sua experiência junto às engrenagens da imprensa, Mario Rosa ajuda empresários e políticos a navegarem no tumultuoso mar do escracho público. De Léo Pinheiro a Ricardo Teixeira, de Fernando Henrique Cardoso a Lula, passando por Paulo Coelho. Recorre ao consultor quem vê sua imagem ser atacada publicamente.
Em junho de 2016, a visão de Mario Rosa sobre seu próprio trabalho mudou. Ele acordou com a Polícia Federal batendo na sua porta. Busca e apreensão. Era investigado por ter um contrato com a empresa de Carolina Oliveira, mulher do governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel. O chefe do Executivo mineiro é investigado na operação apelidada de acrônimo.
Não parou aí. A PF fez busca e apreensão em mais de dez empresas com as quais Rosa tinha contrato. Seu nome apareceu no noticiário. O casamento acabou e muitos negócios foram perdidos.
A tentativa de cura veio pela escrita. Rosa lançou recentemente o livro Entre a Glória e a Vergonha, no qual conta seus 25 anos como consultor das pessoas mais poderosas do país, no momento em que estão mais fragilizadas.
Em visita à redação da ConJur, logo antes do suicídio do reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier de Olivo, o jornalista comentou os efeitos deletérios da escalada do punitivismo no noticiário nacional.
Leia a entrevista:
ConJur – Neste momento, o senhor acredita que seja possível algum veículo grande atuar criticamente com distanciamento em relação ao fenômeno dos escândalos políticos nos noticiários?
Mario Rosa – A questão é que se trata de um monopólio. Tivemos a
crise do petróleo duas vezes, nos anos 1970 e nos anos 1980, e quem é
que podia atuar criticamente contra a OPEP [Organização dos Países
Exportadores de Petróleo]? Se você era dependente do petróleo, você
tinha que aceitar o preço da OPEP. Hoje em dia, falando de informação, a
OPEP é o Estado brasileiro. É a instância que detém o monopólio das
informações e controla o fluxo de como elas são liberadas e a questão da
exclusividade. Alguns veículos com menor relevância no cenário global
das comunicações podem se dar ao luxo de remar contra a maré, mas a
grande mídia não consegue ficar de fora. Ela tem que entrar nesse jogo e
isso significa se submeter à essa regra de disputar a exclusividade de
informações de furos, de nomes, da nova acusação, do novo vídeo, do novo
áudio, do novo papel — essa gincana é interminável. O monopólio impõe
as regras, essa é a característica dos monopólios. E hoje nós temos um
monopólio de informações por parte do Estado brasileiro, e uma imprensa
dependente. Qual o resultado disso? Uma imprensa que não pode fazer
outra coisa a não ser aceitar as regras.
ConJur – Como funciona essa dinâmica que move a imprensa?
ConJur – Como funciona essa dinâmica que move a imprensa?
Mario Rosa – A imprensa se tornou dependente de uma mecânica de muita
adrenalina nas manchetes e nos telejornais. Em um momento de
fragilização da audiência e de busca de alternativas para lidar com
novos veículos, essa crise de escândalos políticos vem retardando um
pouco a perda de influência relativa, que naturalmente seria mais
acelerada. Todo dia parece que o fim do mundo vai acontecer e todo dia
alguma revelação bombástica vai acontecer. Isso vem obscurecendo a
realidade do país que é muito maior, muito mais ampla, muito mais
complexa do que o noticiário policial da política. Nós conseguimos uma
coisa notável: produzir telejornais mais engenhosos do que as
telenovelas.
ConJur – No que se sustenta esse modo de atuar dos veículos jornalísticos?
ConJur – No que se sustenta esse modo de atuar dos veículos jornalísticos?
Mario Rosa – Esse é um tipo de jornalismo que, economicamente, num
momento de crise econômica dos veículos de comunicação, oferece uma
alternativa que é imbatível. Custa zero para ser feito e atrai uma
audiência gigantesca. A emissora não gasta nada para ter acesso a um
depoimento de um delator, gasta zero para ter uma foto de R$ 51 milhões
escondidos em um apartamento qualquer e não gasta nada para ter acesso a
algum tipo de áudio.
ConJur – Mas, isso não foi sempre assim? O que é que tem de diferente agora?
ConJur – Mas, isso não foi sempre assim? O que é que tem de diferente agora?
Mario Rosa – Agora é uma produção industrializada. Nós estamos vendo uma pandemia de escândalos. Prova disso é que metade dos telejornais hoje é mostrando as denúncias e a outra metade é lendo as notas dos acusados. Virou um rádio. Só que é importante entender que o conteúdo é gratuito para os disseminadores, mas a sociedade paga isso.
ConJur – Então o tom do noticiário tem motivação econômica?
Mario Rosa – Se a cobertura da “lava jato” custasse R$ 5 milhões por
dia, ela não seria feita. Alguns anos atrás, para produzir uma grande
reportagem, era necessário deslocar um repórter, gastar com recursos,
combustível passagem aérea, diárias para o cinegrafista, transmissão dos
dados. Hoje tudo é dado de graça. Basta gravar uma passagem em um lugar
próximo da emissora e editar. Está feito um VT de altíssimo impacto e
talvez exclusivo, sem gastar nada. Como é que substitui um VT que pode
ser bombástico e que não gasta nada por um outro que tem que gastar
muito e que pode ter menos audiência? Então, os detentores desses
conteúdos passaram a deter um monopólio de uma informação subsidiada ou
praticamente gratuita, que pode ter impacto sobre a audiência das
televisões e as manchetes dos jornais e num momento de fragilidade
econômica, torna os veículos dependentes e quase que suseranos.
ConJur – A imprensa brasileira já atuou de forma diferente?
ConJur – A imprensa brasileira já atuou de forma diferente?
Mario Rosa – A imprensa dos anos 1970, que combateu a ditadura no
Brasil, desconfiava do Estado. Fez um grande capítulo da história do
jornalismo brasileiro justamente no enfrentamento e no questionamento,
buscando as frestas. Inclusive grandes capítulos foram feitos naquele
momento, com a publicação de receitas de bolo e toda aquela história que
quem é do jornalismo conhece. Justamente nos pequenos enfrentamentos
silenciosos, no dia a dia das redações em relação aos poderosos, vinha à
tona aquela velha frase que “o jornalismo é feito para afligir os
poderosos e dar poder aos aflitos”. Agora, em nome de combater a
corrupção na política, a cobertura é absolutamente chapa branca. O
jornalismo basicamente tem feito uma cobertura oficialista com base em
documentos oficiais, gravações oficiais, vazamentos oficiais, offs
oficiais.
ConJur – Não há mais investigação no jornalismo?
ConJur – Não há mais investigação no jornalismo?
Mario Rosa – O jornalismo da “lava jato” é um jornalismo protocolado,
com carimbo. Não podia ser mais lusitano, é um jornalismo cartorial,
que vem com número de protocolo, que reproduz o discurso do Estado. Só
que como a imprensa se preparou a duvidar do Estado quando o Estado era o
Executivo, sobretudo durante a ditadura, ela parece que nunca
desconfiou do Estado em sua face de Judiciário ou de Ministério Público.
ConJur – Qual o risco para a sociedade de um jornalismo feito dessa forma?
ConJur – Qual o risco para a sociedade de um jornalismo feito dessa forma?
Mario Rosa – Amadurecer é sempre mais triste. Descobre-se que o Papai
Noel não existe… Tem uma série de perdas, mas há outras recompensas.
Esse jornalismo chapa branca que nós estamos vivendo, se tivesse sido
praticado na época do delegado [Sérgio] Fleury [torturador da ditadura
militar], teria conseguido vilanizar uma série de inocentes. Ele tentava
emplacar que as mortes tinham ocorrido em trocas de tiros, mas as
redações reagiam. Nós agora estamos vendo serem publicados os releases
do delegado Fleury.
ConJur – Muito do noticiário é sobre delitos que realmente aconteceram. Mas também é noticiada muita cortina de fumaça, coisas que, de crime, não têm nada. Esse erro é consciente ou inconsciente?
ConJur – Muito do noticiário é sobre delitos que realmente aconteceram. Mas também é noticiada muita cortina de fumaça, coisas que, de crime, não têm nada. Esse erro é consciente ou inconsciente?
Mario Rosa – Aqui temos que voltar ao monopólio. Quando todos querem
comprar um determinado carro, a distribuidora fecha acordos de mandar 30
carros do modelo desejado para a concessionária, mas desde que o pacote
inclua também quatro outros modelos que têm pouca saída. As reportagens
vindas das fontes oficiais têm a mesma lógica. Como tem 30 matérias que
são muito desejadas, isso abre margem para que seis fantasias, seis
elucubrações, seis hipóteses, seis depravações, seis ilusões, sejam
repassadas também. A imprensa, muitas vezes, ou não sabe distinguir uma
coisa da outra, ou simplesmente entuba, porque não está fazendo
jornalismo, mas agindo como mera distribuidora.
ConJur – Então a imprensa se fez refém?
ConJur – Então a imprensa se fez refém?
Mario Rosa – O poder de barganha da concessionária com a indústria é
muito pequeno. Na nossa conversa, a indústria são aqueles que produzem o
conteúdo original, que são as gravações e os áudios e tudo. Então a
imprensa tem que aceitar as regras da indústria e daí em diante tem que
distribuir do jeito que ela pode. É nesse espaço que a cidadania vai ser
afetada.
ConJur – E essa visão será sempre a predominante?
ConJur – E essa visão será sempre a predominante?
Mario Rosa – Acho que no futuro vai haver uma revisão. Se você
chegasse em 1973 e começasse a falar para as pessoas que estavam
acontecendo muitos abusos, que havia muita tortura, e que muita gente
estava sofrendo, muitos estranhariam, mesmo sendo a visão que temos hoje
daquele tempo. Tivemos o milagre econômico, mas novelas e filmes sempre
retratam o período de uma forma tensa e triste, com as perseguições.
Talvez a novela, daqui a 30 anos, não retrate esse ufanismo denuncista,
mas sim as vidas destruídas por ele.
ConJur – Mas é uma fórmula de sucesso colocar na “força tarefa” a Polícia, o Ministério Público, o juiz e o jornalista. Acha que isso se esgota tão cedo?
ConJur – Mas é uma fórmula de sucesso colocar na “força tarefa” a Polícia, o Ministério Público, o juiz e o jornalista. Acha que isso se esgota tão cedo?
Mario Rosa – Não, porque um quer a permanência do outro. Por isso que
tem esse tabu de que não se pode mexer com a “lava jato”. Com todo o
respeito aos membros da “lava jato”, que são pessoas admiráveis em todos
os aspectos, mas se houver um terremoto em Curitiba, o Brasil vai
voltar ao padrão africano de miséria moral? Nós dependemos de 20
pessoas? Temos muita gente no Ministério Público e muitos magistrados
que estão prontos para assumir qualquer função e partir do ponto em que
está e aprofundar.
ConJur – O protagonismo do Judiciário é um problema?
ConJur – O protagonismo do Judiciário é um problema?
Mario Rosa – Acho que tem dois extremos. Têm profissões em que a fama
revela muito. O jogador de futebol, quando não é famoso, é porque
certamente não está fazendo alguma coisa direito. E o juiz, quando é
famoso demais, certamente não está fazendo alguma coisa direito. O
jogador é para ser muito famoso e juiz é para ser pouquíssimo famoso.
Nós já tivemos um tempo em que os ministros da Fazenda eram muito
famosos, já tivemos um tempo em que os ministros do Exército eram muito
famosos. Hoje, ninguém sabe nem como é o rosto do ministro do Exército
[Cafezinho: Rosa queria dizer ministro da Defesa], graças a Deus, e isso
não é porque o ministro do Exército hoje seja ruim, é porque a
democracia está boa. Então, quando nós começamos a ver juízes muito
famosos, é porque nós estamos com algum tipo de falha no nosso sistema.
ConJur – O senhor tem como clientes pessoas que fizeram delações. Como é para o empresário esse processo de delatar?
ConJur – O senhor tem como clientes pessoas que fizeram delações. Como é para o empresário esse processo de delatar?
Mario Rosa – Antes da “lava jato”, ele se reunia com autoridades do
Estado para obter vantagens pessoais e empresariais em um ambiente onde
não havia exatamente muita transparência e as regras não eram muito
claras. Esse era o ambiente onde ele negociava com autoridades. No caso,
pagando propina. Hoje, quando ele vai fazer uma colaboração, ele se
senta com autoridades do Estado para obter vantagens pessoais e
empresariais em um ambiente onde não há muita transparência e as regras
não são muito claras. É a mesma coisa, só que agora, em vez de ele pagar
propina, é exigido que faça gravações de vídeo e declarações. “Uns que
pedem dinheiro, outros pedem vídeo”, eles pensam.
ConJur – A falta de critérios é um problema?
ConJur – A falta de critérios é um problema?
Mario Rosa – Não consigo — e acho que ninguém consegue — entender por
que um fulano consegue tal benefício, com tal colaboração, pagando
determinada multa. É tudo muito subjetivo. Não foi essa subjetividade
que levou aos preços superfaturados, a contratos, a formação de cartéis,
a tudo isso?
ConJur – Qual é a margem de manobra de uma pessoa que é pendurada nesse pau de arara da opinião pública, e que não encontra socorro nem no Judiciário e nem na imprensa?
ConJur – Qual é a margem de manobra de uma pessoa que é pendurada nesse pau de arara da opinião pública, e que não encontra socorro nem no Judiciário e nem na imprensa?
Mario Rosa – A professora Lilia Moritz Schwarcz fez um livro
maravilhoso chamado A Longa Viagem da Biblioteca dos Reis. É sobre o
esforço muito grande no meio da fuga de Lisboa, em 1808, para trazer a
biblioteca real, que era um símbolo do conhecimento. Mas, ela começa o
livro num determinado momento mostrando que no ano de 1750 Portugal foi o
último país a abolir a inquisição. Narra os episódios de como, na
época, em geral aos domingos, as pessoas iam com suas melhores roupas
para a praça ver as pessoas serem queimadas. Somos herdeiros dessa
espetacularização da destruição do alheio, e de uma sensação mista de
prazer e de depuração, nós viemos disso, isso nos antecedeu.
ConJur – O prazer pela humilhação pública está maior do que a vontade de corrigir os problemas?
ConJur – O prazer pela humilhação pública está maior do que a vontade de corrigir os problemas?
Mario Rosa – É importante notar que toda vez que houve uma mudança na
tecnologia, houve uma mudança na ética. A agricultura acabou com o
canibalismo, pois não era mais necessário devorar pessoas para se
alimentar. Foi uma revolução na moral, pois se podia preservar o valor
ético da vida, como consequência de um avanço tecnológico. Depois veio o
James Watt [que inovou a máquina a vapor], que foi o verdadeiro
libertador dos escravos. Começou a Revolução Industrial e foi criada a
necessidade de pessoas livres para consumir. A Inglaterra começa então a
coibir o tráfico negreiro. Então, a Revolução Industrial criou um
ambiente propício à valorização do valor ético da liberdade. Neste
momento, estamos vivendo uma revolução, que tem no seu epicentro a
própria tecnologia. É evidente que estamos vivendo uma mudança de
comportamento e de ética. Uma parte dessa pandemia de escândalos é que
uma grande parte dos nossos líderes continuou se comportando, vamos
dizer assim, com os condicionamentos analógicos. Somos a primeira
geração a sair do analógico para o digital, não tivemos uma que nos
antecedeu. As próximas vão aprender com os nossos erros. Os dados
digitais nunca são privados e ainda estamos vendo qual ética se
desenvolverá a partir disso.
ConJur – Por conta dessa guinada ética da opinião pública, os seus clientes passaram a chegar mais fragilizados?
ConJur – Por conta dessa guinada ética da opinião pública, os seus clientes passaram a chegar mais fragilizados?
Mario Rosa – Sim, pois a prisão muda tudo. Eu tive clientes que foram presos, já tive situações de assinar o contrato em um dia e o cliente ser preso dois dias depois. Tive situações também de conversões morais súbitas que me chamaram a atenção. Eu senti que meu primeiro cliente a fazer delação tinha “se convertido” quando ele falou: “Mário, a minha família ajudou a construir o Brasil durante 50 anos e, agora, nós vamos ajudar a construir por outros meios”. Pronto, estava totalmente coerente a incoerência que ele estava fazendo. Conseguiu uma justificativa moral e construiu a coerência da incoerência dele numa frase.
ConJur – E sua experiência de ter virado alvo de alguma ira da opinião pública?
Mario Rosa – Graças a Deus eu pude passar por um escândalo e ser
vítima de uma execraçãozinha para poder também ter um pouco menos de
arrogância e petulância que eu tinha no passado. Eu agradeço muito ao
destino de eu ter podido ter tido esta oportunidade, para conseguir
sintonizar essa frequência.
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