José Álvaro de Lima Cardoso.
Para os
povos dos países sul-americanos, o golpe no Brasil representa um atraso
dramático, pela importância quase que natural que tem o país na Região. Com 48% da área total da América do Sul e praticamente
metade da população da Região, tudo de importante que acontece no Brasil, em
política, economia ou sociedade, tem um peso enorme na América do Sul. Um
dos maiores equívocos das forças populares no Brasil, assim como dos governos
anteriores ao golpe, foi supor que o imperialismo norte-americano iria observar
de braços cruzados o desenvolvimento de governos com vocação popular no Brasil,
ainda que resultados de coalizões com o empresariado e forças conservadoras. A
própria agressividade do imperialismo, em relação aos governos legitimamente
eleitos da Venezuela, era uma amostra eloquente (e bastante recente) de que
qualquer desvio da linha estabelecida pelo imperialismo, iria despertar forte
oposição do capital internacional e dos Estados Unidos.
Um dos marcos importantes das demonstrações
de independência foi a discussão e a votação da lei de Partilha em 2010, que
instituiu regras mais soberanas no marco regulatório de exploração do petróleo,
nos poços do pré-sal no Brasil. A aprovação foi feita contra a vontade das
multinacionais do petróleo, especialmente as norte-americanas, como revelam as
informações acerca das movimentações de bastidores dos executivos das petrolíferas.
Segundo divulgação do site WikiLeaks, em 2009 o então pré-candidato à
Presidência, José Serra, prometeu à representante da Chevron, que iria alterar
as regras da Lei, em benefício das multinacionais, caso vencesse as eleições.
Como
em se tratando de petróleo, poucas coisas acontecem por acaso, Serra virou
ministro do governo ilegítimo, e uma das primeiras ações dos golpistas foi,
aproveitando o conteúdo de um projeto de Serra no Senado, castrar a lei de Partilha,
no que ela tinha de essencial: a) desobrigaram a Petrobras de atuar com
exclusividade de operação nos campos do pré-sal; b) reduziram as exigências de
conteúdo local; c) recentemente ampliaram para 20 anos o Repetro - regime
aduaneiro especial, que permite a importação de equipamentos específicos para
serem utilizados diretamente nas atividades de pesquisa e lavra.
Está em curso a
crise mais grave da história do capitalismo, com queda da taxa de lucro, financeirização
e rápida inovação tecnológica, com o advento da quarta revolução industrial.
Neste cenário as multinacionais e os países ricos agem para deixar livres os acessos
para as fontes de matérias primas, em todo o mundo. Governos com algum grau de soberania,
representam um obstáculo a essa estratégia e à liberdade que as multinacionais almejam
para a realização de seus lucros.
O
Brasil, e a América do Sul, são ricos em petróleo, água, nióbio, ferro, etc.,
além de toda a biodiversidade da Amazônia. Daí o interesse do grande capital em
financiar grupos de direita e a extrema
direita em toda a América Latina. Dedicando, claro, neste momento, uma “atenção
especial” à Venezuela, que, detentora da maior jazida de petróleo, água, vários
minerais e uma das maiores reservas de Coltan[1]
do mundo, se recusa, com muito destemor, a se postar de joelhos para o Império
do Norte.
No Brasil os operadores do golpe, além de
estarem destruindo os mecanismos de que o Estado dispunha para promover a
recuperação da economia (por exemplo, o BNDES), estão vendendo o que podem, e
de forma muito rápida. É o caso do leilão recente das empresas elétricas de
Minas Gerais, vendida por R$ 12,1 bilhões, valor equivalente a 2% do que o
Brasil gasta com serviços da dívida pública anualmente. O imperialismo tem
projeto estratégico, mas não os seus prepostos, os que operam o golpe no
Brasil. Os R$ 12,1 bilhões não irão para investimentos em infraestrutura ou
qualquer outra ação estratégica, mas vão imediatamente ajudar a cobrir o rombo
do déficit público, de R$ 159 bilhões, o maior da história. Ou seja, vendem o
almoço para poder jantar.
O déficit púbico no Brasil, como se sabe,
decorre fundamentalmente do pagamento dos serviços da dívida pública que, em 12
meses, segundo o último dado divulgado, alcançaram R$ 432,2 bilhões, impressionantes quase 7% do PIB. O Brasil é o pais que
mais gasta com serviços da dívida do mundo. E a narrativa do governo e
dos empresários é de que o culpado pelo déficit público são os gastos sociais e
os salários do funcionalismo público. Narrativa essa devidamente empurrada
goela abaixo da sociedade.
Somente a espinha dorsal das medidas golpistas, o
cerne do golpe (EC da Morte, terceirização sem limites, destruição da
Petrobrás, contrarreforma trabalhista, e a liquidação da seguridade social), já
representará uma das maiores transferências de riqueza dos trabalhadores para
as burguesias nacionais e internacionais, já ocorrido na história. É difícil
imaginar que, conforme tais medidas forem minando as condições de vida da maioria
da população, não irá haver reação popular. Afinal, além de serem políticas que
empobrecerão dramaticamente o povo, elas vêm do governo mais entreguista e
impopular da história. Neste contexto o risco de golpe militar, visando
liquidar por completo a democracia e conter uma eventual reação popular, é
bastante concreto. A história do Brasil nos ensina que este é um perigo que não
deve ser subestimado.
*Economista.
[1] Mineral composto principalmente por
outros dois minerais, columbite e
tantalite. Da columbite é possível
extrair o nióbio, e da tantalite extrai-se o tântalo. O Coltan. é muito utilizado
na maioria dos eletrônicos portáteis, fundamentais para o avanço de todos os
tipos de tecnologias.
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