*Jose Álvaro
de Lima Cardoso.
No 21.08 o Ministério das Minas e Energia
anunciou a privatização da Eletrobrás, a maior empresa de geração de
energia da América Latina. No dia 23, por decreto, o governo extinguiu a
Renca (Reserva Nacional de Cobre e Associados), localizada nos Estados do
Pará e Amapá, e a área agora passa a ser liberada a exploração de minérios pela
iniciativa privada. A área compreende quase 4 milhões de hectares e é rica
principalmente em ouro, mas possui também tântalo, minério de ferro, níquel e
manganês. A Renca foi criada em 1984, no final do regime militar, mantida deste
então como posse da União. Na área, que é equivalente ao território da
Dinamarca, apesar da existência de vários outros minerais, era explorado apenas
cobre (por uma questão de preservação), e através de monopólio do Estado. Com
a extinção da Reserva e a liberação da mineração aumentam muito os riscos de
conflitos na região, e toda a biodiversidade da área ficará em grave risco.
O
desmonte impressiona pela velocidade e abrangência, mesmo se tratando do
governo mais entreguista e corrupto da história. O pacote completo de liquidação
do país, divulgado no dia 24, anunciou a privatização da Casa da Moeda, 14
aeroportos, 15 terminais em portos, a Casemg, a Docas do Espírito Santo, a
Lotex, a Ceasa-Minas, 11 linhas de transmissão de energia, trechos de rodovias.
O
pacote prevê a venda de 57 empresas e ativos públicos, além de
vários outros blocos de exploração petrolífera. A explicação
para a pressa do governo em tomar decisões dessa envergadura de forma atabalhoada,
não tem nada de ideológica. Com as medidas o governo golpista pretende fazer
caixa para cobrir o maior rombo fiscal da história.
As
medidas aprofundam o ataque ao Estado brasileiro. Estão desarticulando toda a
estrutura produtiva que o Brasil construiu ao longo de décadas, desde Getúlio, fundamental
para garantir uma base nacional, mesmo que com limitações. Essa estrutura havia
sobrevivido ao primeiro desastre neoliberal na década de 1990, comandada por
FHC, que representou uma verdadeira nuvem de gafanhotos sobre a economia brasileira.
Se a correlação de forças permitir, vão vender também a Petrobrás, como
pretendiam nos anos de 1990, empresa, aliás, que já estão desmontando sem
alarde, para facilitar o processo de venda.
O desmonte que FHC iniciou na década de
1990 no setor elétrico público, que, até então, entregava a energia mais barata
do mundo, está sendo aprofundado com as medidas do governo golpista. Segundo os
especialistas da área, com a privatização do sistema, o preço da energia deve
disparar, com reflexos nos preços de toda a cadeia produtiva. Nesse contexto, o
Brasil, que sofre um problema crônico de desindustrialização desde a década de
1990, verá sua indústria perder ainda mais espaço. Ao privatizar e
internacionalizar a estrutura produtiva que entrega insumos fundamentais para a
produção e o desenvolvimento a preços competitivos, os golpistas inviabilizam a
retomada do crescimento. Historicamente no Brasil, quem puxa o investimento no
setor privado é o investimento realizado pelas estatais. Além de representar
uma queima impressionante de patrimônio público, a privatização da Eletrobrás
representa uma renúncia a qualquer objetivo de soberania energética do Brasil,
o que mostra a natureza antinacional e subserviente deste governo.
O desesperador
neste processo de desmonte do Estado brasileiro (que estão fazendo em todas as áreas)
é que além de canalhice, há um total despreparo na condução das questões. À
exemplo do que vem ocorrendo em todas as áreas, não é apenas um problema de corrupção,
mas há um completo desconhecimento dos problemas nacionais. Isso fica muito evidente
nas manifestações públicas do ministro da Fazenda que, em regra, não sabe do
que está falando. No caso da questão energética, este problema é gravíssimo. Não
há qualquer medida para resolver os grandes problemas do setor. Como os
golpistas não entendem do assunto, estão sendo orientados por tubarões,
consultores ligados às empresas privadas no setor, que passam a dar as tintas
das políticas, que só interessam ao capital, contra os interesses de mais de 200
milhões de brasileiros.
Conforme
as análises dos especialistas, o setor elétrico no mundo atravessa uma transição
importante, que vai exigir muita ação estratégica, em função da disseminação
das energias renováveis. Os desafios, que são grandiosos, estão muito além da compreensão
dos golpistas do governo, que se limitam a fazer a apologia do setor privado. As
empresas privadas dos países dominantes, por sua vez, agradecem a generosa oportunidade
de negócios com os ativos públicos brasileiros.
No mundo
todo a energia hidrelétrica é controlada pelo Estado. É o caso da China,
Canadá, Brasil e Estados Unidos que, juntos, respondem por 53% da energia hidrelétrica
produzida no mundo. Nos Estados Unidos, por exemplo, mesmo a energia
hidrelétrica tendo um peso menor do que os de outras fontes, o setor é tratado
como estratégico. O maior operador de energia hidrelétrica é o Corpo de
Engenheiros do Exército, e o segundo maior produtor é o United States Bureau of
Reclamation, uma agência federal subordinada ao Departamento do Interior. O presidente
dos EUA, um enlouquecido neoliberal, lançou no mês de maio um plano de
privatização da infraestrutura nacional, mas as empresas hidrelétricas ficaram
de fora do plano. Uma de suas ideias, inclusive, de privatizar a Administração
Energética de Bonneville, agência federal criada em 1937 para vender a
energia da usina de Bonneville, operada pelo Exército, sofreu inúmeras críticas.
Uma das principais críticas é a de que, se a administração for privatizada, os
consumidores ficarão na mão do sistema financeiro e podem esquecer energia barata.
O
governo anunciou que pretende arrecadar com a venda do Sistema Eletrobrás entre
R$ 20 e R$ 30 bilhões. Segundo cálculo feito pelo engenheiro e consultor do
setor, Carlos Mariz, os 48,6 mil megawatts (MW) de capacidade instalada de
geração do Sistema Eletrobrás equivalem a um investimento de cerca de R$ 370
bilhões a preços atuais. Ou seja, estão torrando um patrimônio nacional estratégico,
o que irá tornar o Brasil dependente de decisões de multinacionais da área de
energia, por menos de 10% de valor dos ativos. O consultor mencionado lembra
que com a privatização do sistema elétrico, os rios que alimentam o sistema, irão
deixar de atender as populações e serem, na prática, privatizados. O
abastecimento humano, portanto, será diretamente afetado, com certeza. A queima
desse patrimônio estratégico, possivelmente está na fatura do golpe: nos EUA e
Europa existem grandes problemas relativos de falta de água, já que boa parte dos
rios são poluídos.
Um dos objetivos do golpe é alterar toda a
natureza do Estado brasileiro, até o ponto de se estabelecerem novas relações
sociais de produção que atendam aos interesses do capital internacional em um
nível inédito na história do país. As medidas anunciadas recentemente estão
dentro dessa lógica que, no limite, transformarão o Brasil numa espécie de
colônia do imperialismo. Um dos principais motivadores do golpe, além da
cobiça dos países imperialistas por fontes de energia como um todo, foi
interromper a viabilização, a partir de várias frentes, da construção da soberania
energética brasileira. Para isso são importantes todas as fontes de energia, e
que é pré-requisito para o desenvolvimento econômico-social. Por isso a Lava
Jato, Cavalo de Tróia do golpe, tratou de rapidamente de prender o
Vice-almirante e Engenheiro Othon Luiz Pinheiro da Silva,
ainda em 2015, comandante do programa nuclear brasileiro. Com o golpe e o
consequente fim da Lei de Partilha, se apropriaram do pré-sal, mataram o
programa nuclear brasileiro e, agora, liquidam a soberania da
energia hidrelétrica do Brasil. E tem alguns que fazem de conta que tudo está
normal.
*Economista.
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