terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Será o fim do lulismo?

Juliano Giassi Goularti
Doutorando pelo Instituto de Economia da UNICAMP

            Ao publicar o livro Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador,[1] André Singer expõe as contradições e avanços do governo Lula. Sem radicalização política e sem um conteúdo programático socialista como 1989, isto é, dentro de um pacto conservador, Singer destaca as políticas de combate a miséria sem o confronto direto com os interesses do capital. O conjunto de políticas sociais, como o Programa Bolsa Família (PBF), valorização do salário mínimo (SM), formalização do emprego, expansão do crédito[2] e diminuição de preços relativos de artigos populares por meio das desonerações tributárias direcionaram parte da atividade econômica para os pobres, o que permitiu um maior poder aquisitivo das famílias de baixa renda. Assim, diante de uma conjuntura internacional favorável e políticas de ativação do mercado interno “a massa miserável que o capitalismo brasileiro mantinha estagnada começava a ser absorvida no circuito econômico formal” (Singer, 2012, 151).
            Apesar do receituário neoliberal da política de juros e superávit primário, dentro do pacto conservador foi possível estabelecer uma política social que permitisse a inclusão da população pobre no mercado de consumo. Como consequência das medidas para reduzir a pobreza, nas eleições de 2006 houve um realinhamento eleitoral. As classes médias e funcionários públicos que historicamente eram eleitores do PT migraram para o PSDB e o subproletariado,[3] ou a “ralé” como descreve Jossé Souza,[4] que sustentava o PSDB/PFL aderem em bloco a Lula. Neste caso, o realinhamento eleitoral é uma retribuição da população pobre a Lula. Paralelamente o “mensalão” e o ataque midiático afastam as classes médias e a política de valorização do SM somado ao PBF acendem socialmente a população pobre e mantém estagnado as conquistas do passado da classe média provocando uma migração em massa para o tucanato.
            A ascensão social da população de baixa renda, o subproletariado, tem em Lula e no PT sua representação e a classe média nos candidatos tucanos. Para Singer, isso significa que a polarização não se da mais na separação entre esquerda e direita, mas sim entre pobres e ricos. As camadas populares do subproletariado que desde a redemocratização sustentava nos “grotões do Brasis” o PFL e a aliança conservadora PSDB/PFL são rompidas em 2006. Mexendo com a “questão setentrional” oportunizando a desprivação de capacidades básicas somado ao carisma, a capacidade retórica e a inclusão dos excluídos na “sociedade perifericamente moderna como a brasileira”,[5] Lula consegue transmitir a “economia política do lulismo” para Dilma Rousseff. Sem o radicalismo dos anos oitenta, o lulismo atende as reivindicações históricas da população pobre sem afrontar as contradições capitalistas. Em suma, o lulismo recolocou o crescimento econômico, a distribuição de renda e a política social no centro da agenda governamental a partir de uma coalizão política que manteve um relativo equilíbrio cujos benefícios foram usufruídos tanto pelo subproletariado como pelo capital.
            Singer (2012, p. 155) exalta que “O êxito da candidatura Dilma Rousseff em 31 de outubro de 2010 (....) representou a sobrevivência do lulismo. Para além dos mandatos de Lula”. Mas ao contrário de Lula, a presidenta Dilma ao estabelecer uma “nova matriz econômica” acabou “cutucando onças com varas curtas”.[6] Pelo alto, Dilma e Guido Mantega atacaram os bancos, as quais a batalha do spread ganhou foros públicos, impuseram controle do fluxo de capitais, taxaram o todo poderoso capital especulativo e reduziram a Selic. A descrença de ambos nas forças espontâneas do mercado e a decisão de expandir a ação estatal na economia fez a burguesia, assim como no final dos anos setenta,[7] se rebelarem e se unificarem contra o intervencionismo estatal.
            Embora “cutucando onças com varas curtas”, o realinhamento eleitoral de 2006 se manteve em 2014. Agora com forte confronto com o capital, sobre ataque da grande mídia, fogo cruzado da oposição e ódio da classe média que manteve estagnada, o subproletariado foi o fiel da balança. Deve-se recordar que mesmo com a desaceleração da economia brasileira, crescimento anual médio de 2,1% em comparação a média de crescimento de 4,4% (2004-2010), queda da taxa média da formação bruta de capital fixo de 8% (2004-2010) para 1,8% (2011-2014), redução do crescimento médio anual das exportações brasileiras de bens e serviços de 1,6% (2011-2014) contra 5,2% (2004-2010) e decréscimo do consumo anual das famílias, média de 5,3% (2004-2010) contra 3,1% (2011-2014), o subproletariado novamente retribuiu na forma de apoio maciço.[8] Sobre o carisma, a retórica e a política social-desenvolvimentista lulista, o subproletariado não estava disposto a ser protagonista de um realinhamento eleitoral à direita, ou melhor, um realinhamento aos ricos.
            Quando o governo se deu conta que a burguesia estava se articulando para isolar o governo, a presidenta Dilma começou a ceder através da elevação da taxa de juros e depois no corte do gasto público. A partir daí o governo passo a passo foi recuando até chegar à substituição do desenvolvimentista Mantega pelo liberal-conservador Joaquim Levy o que provocou um processo de retrocedimento do lulismo. Num ambiente político tenso e econômico contraído, embora o ajuste fiscal tenha fracassado em 2015, o governo Dilma ficou os 12 meses de 2015 engessado pelas manobras de impeachment da Câmara dos Deputados, acuado pela operação Lava Jato, preso pela crise econômica, amarrado pela sangria de recursos públicos com juros da dívida[9] e perdido pelos sucessivos erros de políticas econômicas.
Embora Nelson Barbosa tenha substituído Levy no final de 2015 para dar sobrevida ao lulismo, o Chicago Boy Levy cumpriu sua missão de acender a ortodoxia dentro do governo, atacar os direitos constitucionais e suscitar cortes de recursos públicos direcionados ao investimento e aos programas sociais. Não se chegou a essa situação pelo simples acaso. Os erros do gabinete da Presidência e do ministério da Fazenda foram intencionais provocando uma queda na popularidade da presidenta, que foi ao chão. O ano de 2015 terminou sobre uma recessão que poderá ser ainda pior nos anos seguintes, podendo ainda ser mais aguda do que a da grande depressão de 1930-1931 como alerta Fabrício Augusto de Oliveira. A questão é se o governo não estabelecer uma política que privilegie o gasto público para suscitar a demanda agregada e não construir um amplo pacto social e político de centro esquerda para interromper a queda livre da economia sinalizada para os próximos três anos, sob o fogo cruzado da mídia e das investidas da oposição, está correndo sérios riscos de um realinhamento eleitoral do subproletariado aos ricos em 2018.


[1] Companhia das Letras, 2012.
[2] Em particular o crédito consignado.
[3] André Singer toma a denominação “subproletariado” de Paul Singer, Dominação e desigualdade. Estrutura de classe e repartição da renda no Brasil.
[4] A ralé brasileira, UFMG, 2009.
[5] Jessé Souza, A ralé brasileira, UFMG, 2009.
[6] André Singer (2015), Cutucando onças com varas curtas: o ensaio desenvolvimentista no primeiro mandato de Dilma Rousseff (2011-2014).
[7] Ver Carlos Lessa (1998), A estratégia de desenvolvimento 1974-1976: sonho e fracasso.
[8] Ver Franklin Serrano e Ricardo Summa (2015), Demanda agregada e a desaceleração do crescimento econômico brasileiro de 2011 a 2014.
[9] No acumulado de 2015 os juros nominais atingiram R$496,9 bilhões (8,42% do PIB).

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