Janio de Freitas, na Folha
Transcrito no Viomundo
Ainda com a carta pública dos 104 advogados fervilhando entre
apoiadores e discordantes, a também discutida retenção de Marcelo
Odebrecht na prisão dá margem a mais um incidente processual do gênero
criticado na Lava Jato. Em princípio, trata-se de estranha omissão ao
ser transcrita, da gravação para o processo, da parte da delação
premiada de Paulo Roberto Costa que inocenta Marcelo de participação nos
subornos ali delatados. Mas o problema extrapolou a omissão.
Já como transcrição na Lava Jato do que disse e gravou o delator
muito premiado, consta o seguinte: “Paulo Roberto Costa, quando de seu
depoimento perante as autoridades policiais em 14.7.15, consignou que, a
despeito de não ter tratado diretamente o pagamento de vantagens
indevidas com Marcelo Odebrecht” –e segue no que respeitaria a outros.
As palavras de Paulo Roberto que os procuradores assim transcreveram
foram, na verdade, as seguintes: “Então, assim, eu conheço ele, mas
nunca tratei de nenhum assunto desses com ele, nem põe o nome dele aí
porque ele, não, ele não participava disso”.
É chocante a diferença entre a transcrição e o original, entre “não
ter tratado diretamente com Marcelo Odebrecht” e “nem põe o nome dele aí
por que ele, não, ele não participava disso”. A reformulação da frase e
do seu vigor afirmativo só pode ter sido deliberada. E é muito difícil
imaginar que não o fosse com dose forte de má-fé. Do contrário, por que
alterá-la?
Não é o caso de esperar por esclarecimento da adulteração, seu autor e
seu propósito. Seria muita concessão aos direitos dos cidadãos de serem
informados pelos que falam em transparência. No plano do possível, a
defesa de Marcelo Odebrecht, constatada a adulteração, requereu a volta à
instrução processual, do seu início e com a inclusão de todos os vídeos
da delação, na íntegra e não só em alegadas transcrições.
O juiz Sergio Moro decidiu contra o requerido. Considerou os pedidos
“intempestivos, já que a instrução há muito se encerrou, além das provas
pretendidas serem manifestamente desnecessárias ou irrelevantes, tendo
caráter meramente protelatório”. E, definitivo: “O processo é uma marcha
para frente. Não se retornam às fases já superadas”.
Não é a resposta própria de um magistrado com as qualificações do
juiz Sergio Moro. É só uma decisão. Baseada em vontade. Resposta, mesmo
reconhecendo-se a situação delicada do juiz Sergio Moro, seriam as
razões propriamente jurídicas (se existem) para negar o pedido.
“Intempestivos” os pedidos não são. Se apenas agora foi constatada a
transcrição inverdadeira, não havia como pedir antes qualquer medida a
partir dela. Logo, tempestivo este pedido é. Uma instrução está
“encerrada” quando não há mais o que precise ou possa ser apurado, como
complemento ou aperfeiçoamento. Se há uma transcrição infiel, ou
qualquer outro elemento incorreto, as provas que o corrijam são
“necessárias e relevantes” porque o erro prejudica a acusação ou a
defesa, ou seja, compromete o próprio julgamento de valor entre culpa e
inocência. Se está demonstrada a necessidade objetiva de correção, não
há “caráter protelatório”, há o indispensável caráter corretivo.
“Processo” é, por definição, um movimento que implica todas as
variações, de ritmo, de sentido, de direção, de avanço ou recuo, e mesmo
de intervalos de paralisação. Processo não é só “marcha para a frente”.
E, no caso dos processos judiciais, se o fossem, não haveria –talvez
para alegria da Lava Jato– segunda e terceira instâncias de julgamento,
que são diferentes retornos às entranhas dos processos.
Como se tem visto, o decidido, decidido está. Mas o provável é que
não sobreviva à instância superior, se lá chegar e seja qual for a
posição de Marcelo Odebrecht entre a inocência e a culpa.
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