*José Álvaro de Lima Cardoso
O
Comitê de Oxford de Combate à Fome (Ofxam, na sigla em inglês) publicou neste
mês de janeiro, um informe sobre a desigualdade no mundo (Uma economia a serviço de 1%). Os dados que tratam do assunto são
impressionantes. O Informe mostra que a distância entre ricos e pobres vem
aumentando no mundo e o 1% mais rico detêm mais riqueza que os 99%
restantes. Segundo os dados:
•Em 2015,
somente 62 pessoas tinham mais riqueza que 3,6 bilhões de pessoas, a metade
mais pobre da humanidade. Em 2010 eram 388 pessoas que detinham tal riqueza.
• A
riqueza retida pelas 62 pessoas mais ricas do mundo cresceu 44% em cinco anos,
em US$ 542 milhões desde 2010, chegando a 1,7 trilhão de dólares.
• No
outro extremo, a riqueza nas mãos de metade mais pobre da população se reduziu,
no período em tela, em mais de um trilhão de dólares, queda de 41%.
• Desde o
início deste século, a metade mais pobre da população mundial se apropriou de
1% do incremento da riqueza mundial total, enquanto que 50% dessa nova riqueza
criada foi parar nos bolsos do 1% mais rico.
• A renda
média anual dos 10% mais pobres da população mundial, onde se concentram a fome
e a exclusão social, aumentou menos de três dólares
por ano em quase um quarto de século.
Como observa
o documento da Oxfam a crescente desigualdade econômica afeta toda a sociedade,
enfraquecendo o desenvolvimento e a coesão social. Mas é a população mais pobre
que sofre as piores consequências da desigualdade. O sistema econômico foi
estruturado para favorecer quem já dispõe de altos rendimentos, especialmente
nestes tempo de financeirização da economia. Exemplo disto, são os chamados
paraísos fiscais e toda uma indústria de gestores de grandes patrimônios, que
tratam de garantir que essa renda fique ainda mais concentrada, enriquecendo
ainda mais os seus detentores. Segundo o Oxfam, baseado em estimativa recente, os
paraísos fiscais detêm no momento US$ 7,6 trilhões, correspondentes ao PIB do
Reino Unido e da Alemanha, somados.
O estudo mostra que,
enquanto os salários da maioria dos trabalhadores em todo o mundo estagnaram,
os rendimentos dos altos executivos das empresas dispararam. O sistema
econômico mundial é inteiro estruturado para defender os interesses dos
poderosos. É o chamado “fundamentalismo de mercado”, que legitima a visão de
que para haver crescimento econômico é necessário cobrar baixos impostos de
empresas e ricos, o que, segundo essa visão, de algum modo acabaria por
beneficiar toda a sociedade. Para esse tipo de perspectiva vale qualquer coisa
para pagar menos impostos: elisão fiscal (neste mecanismo, diferentemente da
evasão fiscal, através de subterfúgios evita-se o fato gerador do imposto, o
que implica em pagar menos impostos de forma legal), evasão fiscal, sonegação
fiscal, etc. Se os que estão no topo tiverem rendas elevadas, como registrado
anteriormente, segundo essa concepção, por gravidade, toda a pirâmide social se
beneficiaria.
O Oxfam registra que os problemas de
elisão e sonegação vêm se agravando rapidamente no mundo, e os impostos que não
são arrecadados em decorrência destes mecanismos, se traduzem em cortes de
serviços públicos essenciais nas áreas da saúde, educação, saneamento básico,
etc. O Boletim da organização coloca como um problema também a dependência crescente
dos governos no mundo de impostos indiretos, que afetam desproporcionalmente
mais os setores mais pobres da população (é o caso do Brasil, onde o grosso da
arrecadação de impostos se dá de forma indireta).
O estudo constata que o setor
financeiro é o que mais tem crescido e o que mais tem gerado milionários no
mundo, nos últimos anos. O Brasil, um campeão da desigualdade (apesar das
melhorias na última década) poderia servir de ilustração para as mazelas de
vários setores relatadas no Boletim. Todavia, no que se refere às
desigualdades, talvez nenhum exemplo seja tão adequado quanto a caracterização do
setor financeiro no País, principal beneficiário da dívida pública. No Brasil,
enquanto não se resolver o problema da dívida pública, que transfere recursos
fundamentais da sociedade para um grupo restrito de privilegiados, não obteremos
verdadeiros avanços na distribuição de renda. Ao invés de se financiar serviços
públicos essenciais como o de saúde ou educação, ou investir no combate à
pobreza, bilhões de reais são destinados a pagar os serviços da dívida,
servindo uma minoria parasitária, que não produz nada de útil para a sociedade.
Em 2015 os gastos com a dívida pública alcançaram cerca de R$ 500 bilhões,
valor próximo a 9% do PIB. Isso equivale a mais de 17 vezes o que se investe no
Bolsa Família, Programa que tira 50 milhões de brasileira da fome.
*Economista
e supervisor técnico do Dieese em Santa Catarina.
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