
Por Felipe Coutinho, presidente da Associação de Engenheiros da Petrobrás (AEPET)
"O BRASIL E A PETROBRÁS
têm enorme potencial. Descobrimos as maiores reservas de petróleo das
últimas três décadas, temos tecnologia de vanguarda, nosso mercado é
pujante e tem potencial de crescimento, a estatal é integrada e capaz de
lidar com a variação dos preços relativos dos seus produtos.
Não podemos nos
apequenar diante da conjuntura adversa. A Petrobrás é estratégica para
nos garantir a segurança energética para atravessarmos o fim da era do
petróleo barato de se produzir. Com a Petrobrás, podemos levantar a
infraestrutura de produção dos renováveis, vocação de um país
continental e tropical como o Brasil, e construirmos um futuro
caracterizado pela valorização do trabalho, com justiça econômica e
dignidade.
O PETRÓLEO
não é uma mercadoria comum, não é substituível ponderadas as suas
qualidades e quantidades. A Petrobrás não é uma empresa qualquer, vide
seu peso na economia nacional e seu papel na garantia da segurança
energética do país. O plano de negócios da companhia precisa estar
subordinado, e ser sustentado, por um projeto de desenvolvimento
nacional. Privatizar ativos estratégicos e rentáveis é uma ameaça ao
futuro da companhia e um entrave ao desenvolvimento econômico e social
brasileiro.
A CORRUPÇÃO é
um fenômeno histórico, sistêmico e estrutural. O principal agente e
beneficiário da corrupção é o empresário corruptor. Subalternos e
descartáveis são os políticos e executivos da administração estatal
corruptos. A relação de subordinação é revelada na comparação entre os
valores fraudados, através dos contratos superfaturados quando a estatal
compra, ou subsidiados quando ela vende, e a propina cobrada para
viabilizá-los. Entre os principais beneficiários, além do empresário
corruptor, estão os banqueiros que lavam mais branco. A sociedade, a
Petrobrás e os petroleiros são as vítimas.
São necessárias medidas
institucionais para proteger a companhia contra a corrupção, mas que
garantam sua eficiência empresarial. Desmontar a organização
antidemocrática e burocrática vigente. Fortalecer o corpo técnico no
exercício direto das atividades de pesquisa aplicada, projetos básicos,
condução dos empreendimentos, compra direta de equipamentos e materiais,
com a redução das contratações de consultorias e de terceiros para
exercício de atividades estratégicas. [1] [2] [8]
A PRIVATIZAÇÃO
é chamada pelo eufemismo “desinvestimento”. É planejada a venda de
ativos na ordem de 57 bilhões de dólares, cerca de 20% do patrimônio da
estatal, até 2020. O foco do plano é a redução do endividamento, da
“alavancagem” no jargão financeiro. Trata-se da privatização de ativos
rentáveis, do comprometimento do fluxo de caixa futuro, da entrega de
mercado pujante e com potencial de crescimento, além da desintegração da
companhia. São ativos estratégicos que podem ser entregues aos
competidores no pior momento, já que estão depreciados pela queda dos
preços do petróleo no mercado mundial.
Em 2015, a Petrobrás
captou bilhões de dólares em títulos de longo prazo no mercado
financeiro, com o Banco de Desenvolvimento da China, no mercado
doméstico com bancos estatais e privados. Seja no mercado financeiro
internacional, na relação estratégica com países soberanos, ou no
mercado doméstico, dados empíricos contradizem a hipótese do limite do
endividamento.
A Petrobrás tem
potencial de crescimento, descobriu o pré-sal, possui tecnologia de
ponta, tem acesso privilegiado a um mercado pujante e praticamente
cativo. Além de ser uma empresa integrada, fator que minimiza os riscos.
A companhia deve focar no crescimento, proporcional ao desenvolvimento e
em apoio a economia nacional. Deve utilizar a renda petroleira para
investir em infraestrutura para a produção de renováveis, e assim nos
preparar para o futuro. Vender ativos para pagar dividendos no curto
prazo e se acanhar diante da liderança do desenvolvimento industrial
brasileiro é um erro grave, com severas consequências para o futuro
corporativo e nacional. [3]
O PRÉ-SAL, O REGIME DA PARTILHA E O OPORTUNISMO
dos de sempre. A propriedade do petróleo é estratégica e sua produção
deve ser compatível com o desenvolvimento da economia nacional e
submetida ao interesse social.
Ao petróleo e ao gás
natural deve ser agregado valor, com o refino para a produção de
derivados e na conversão para a produção de petroquímicos e
fertilizantes. Para evitar que interesses privados se imponham aos
interesses da maioria da população brasileira, a Petrobrás deve liderar a
produção do pré-sal na condição de operadora única.
A Petrobrás como operadora única no pré-sal é importante para:
1) evitar a extração predatória,
2) prevenir a fraude na medição da vazão do petróleo produzido,
3) impedir a fraude na medição dos custos dos empreendimentos e da operação,
4) viabilizar política industrial que fortaleça fornecedores locais de bens e serviços,
5) garantir o desenvolvimento tecnológico etc.
Nenhum país se desenvolveu entregando seus recursos naturais, finitos e estratégicos, para exportação pelas multinacionais. [4]
A REORGANIZAÇÃO CORPORATIVA.
A Petrobrás iniciou em 2015 o trabalho para sua reestruturação
corporativa. Antes de tratarmos da organização, precisamos entender o
conteúdo do trabalho que se pretende estruturar. Assim se destacam o
modelo de Pesquisa aplicada, Desenvolvimento e Engenharia básica
(PD&E) do CENPES e as estratégias de contratação e gestão dos
empreendimentos. O conceito do PD&E está em risco de desintegração
com a transferência da Engenharia Básica do CENPES para
a gerência responsável pela implantação dos empreendimentos e projetos.
O modelo vigente tem garantido o sucesso no domínio e aperfeiçoamento
das tecnologias utilizadas pela companhia, desde sua criação em 1976
para a área industrial e 1983 para a de Exploração e Produção (E&P).
Não foi obra do acaso, mas uma decisão estratégica, com o intuito de
evitar a compra repetitiva de licenças e projetos de unidades
industriais. Dessa forma, permitiriam não só o domínio das tecnologias,
como também desenvolver no país empresas nacionais de engenharia de
detalhamento, construção e montagem, bem como o fornecimento de
equipamentos e demais serviços necessários. Retirar a engenharia básica,
e desintegrar o CENPES,
é decisão que não encontra qualquer sustentação, tanto no campo
conceitual do desenvolvimento/inovação tecnológico endógeno da Petrobrás
tampouco no aspecto das atribuições específicas e fundamentais da
Engenharia-Serviços. Seria um formidável salto para trás, um monumental
retrocesso que certamente trará risco para a trajetória de
extraordinário e como tal mundialmente reconhecido êxito nas atividades
fins da companhia. [5] [6]
Os contratos de amplo
escopo, do tipo EPC (Engineering, Procurement and Construction),
adotados a partir de 2000, se caracterizam pela terceirização das
atividades de gerenciamento da Petrobrás para as grandes empreiteiras. O
modelo favoreceu a formação dos cartéis que dominaram as licitações da
Petrobrás na última década. Assim, a Petrobrás fragiliza a sua
capacitação em atividades inerentes à implantação de empreendimentos, do
planejamento integrado, da execução e fiscalização de projetos de
engenharia, do gerenciamento de interfaces e da fiscalização técnica dos
serviços de construção e montagem. A burocracia gerencial se consolida
com crescente aversão a riscos e responsabilidades. Devolver o comando
do processo ao corpo técnico-gerencial, para conduzir o planejamento e o
projeto de engenharia, contratar os serviços com as empresas
especializadas e adquirir os materiais e equipamentos diretamente dos
fabricantes qualificados, reduziria os prazos e os custos dos
empreendimentos. Além de diminuir o risco da corrupção e favorecer os
fornecedores brasileiros em bases competitivas. [6] [7]
A PETROQUÍMICA da Petrobrás
foi extinta em 2015, mas os interesses privados seguem em busca de
subsídios para obtenção de matéria prima. A Odebrecht e sua subsidiária
Braskem estão envolvidas na "operação lava-jato" e acusadas de terem
pago propina ao ex-diretor Paulo Roberto Costa na negociação em 2009 do
contrato de nafta. O mesmo contrato cuja vigência expirou e está em
negociação no final de 2015. O MPF estima o prejuízo da Petrobrás em R$ 6
bilhões. Caso a justiça confirme que a Petrobrás tenha sido lesada, o
ressarcimento pode ser feito com ações da Braskem na qual a estatal é
sócia, mas cujo controle é da Odebrecht. As novas ações podem transferir
o controle da Braskem, da Odebrecht para a Petrobrás, e viabilizar a
integração dos polos petroquímicos com base nafta ao parque de refino da
estatal. Não é razoável firmar contrato de longo prazo enquanto esse
litígio não estiver transitado e julgado. Se o monopólio privado da
petroquímica brasileira precisa de subsídios para ser competitivo, então
a solução é que a Petrobrás assuma o controle da Braskem e promova
ganhos de eficiência por meio da integração produtiva com suas
refinarias. [9]
AS ENERGIAS RENOVÁVEIS
e a construção do futuro estão em risco na medida em que a Petrobrás
Biocombustível (PBio), subsidiária integral da Petrobrás, estaria entre
os ativos à venda. Os combustíveis líquidos de origem potencialmente
renovável são muito importantes e participam cada vez mais na matriz
energética brasileira e mundial. Apesar do aumento de sua participação
em relação aos derivados fósseis, em termos absolutos os combustíveis
renováveis não são capazes de substituir o petróleo e seus derivados.
Seriam necessários vários planetas para que se dispusesse de área
agricultável suficiente para suprir o consumo atual de alimentos e
substituir os combustíveis líquidos e outros insumos de origem fóssil.
Apesar da importância relativa crescente, é preciso notar os limites
absolutos de sustentabilidade no atendimento às demandas alimentares e
energéticas para a manutenção da economia complexa, concentrada e
desigual moldada pelo atual sistema de organização da produção e
distribuição internacionais.
A transição de uma
economia baseada na energia fóssil para a energia renovável precisa de
cuidadoso planejamento. A primeira se caracteriza pela concentração
energética que possibilita fenômenos extremos de urbanização,
distribuição internacional do trabalho, fluxo internacional de
mercadorias e pessoas, além da financeirização da economia. A segunda
requer a maior dispersão da ocupação fundiária, a produção local de bens
e serviços, a reorganização dos empreendimentos produtivos priorizando
as comunidades e matérias primas locais, além da readequação dos
mecanismos de financiamento a partir das prioridades sociais. O
planejamento e a aplicação das políticas de transição podem se reforçar
mutuamente caso a propriedade social dos meios de produção e de
financiamento tenham o apoio político requerido. A Petrobrás e os
recursos do pré-sal são essenciais para que a sociedade brasileira
transite, de forma planejada e segura, da economia de base fóssil para a
renovável. [10]
ECONOMIA, ENERGIA E MEIO AMBIENTE se
inter-relacionam em sistema complexo. Os preços do petróleo parecem não
funcionar, estão baixos demais para a indústria e altos demais para a
sociedade, porquanto a economia mundial continua estagnada ou em
recessão. Nesse cenário, a disputa geopolítica se agrava e o cartel dos
exportadores (OPEP) se desarticula. Os EUA, mais uma vez, apelam ao
poder das armas para a manutenção do sistema dos petrodólares. O
imperialismo se expressa nas guerras e crises na Ucrânia, no
Afeganistão, no Iraque, na Líbia, na Síria, no Iêmen, no Egito e em toda
região do Oriente Médio e do norte da África.
É provável que estejamos
vivendo algo semelhante ao pico da produção mundial do petróleo (Peak
Oil) agora. Os sintomas são o oposto do que a maioria das pessoas
afeitas ao tema esperavam. Há um excesso de oferta, e os preços estão
abaixo do custo de produção médio do petróleo não convencional. Muitas
mercadorias além do petróleo são afetadas: gás natural, carvão, minério
de ferro, muitos metais e os alimentos. Nossa preocupação deve ser que
os preços baixos vão resultar por reduzir a produção, possivelmente para
muitos produtos ao mesmo tempo. Talvez o problema deva ser chamado de
"Limites do Crescimento", e não "Peak Oil", porque é um tipo diferente
de questão do que muitos dos cientistas que estudam esses temas esperam.
A única solução teórica seria a criação de uma enorme oferta de energia
renovável que pudesse operar na infraestrutura atual. A produção teria
que ser barata e estar disponível no futuro imediato. O baixo custo
teria de ser o resultado de muito parco uso de recursos, e não o
resultado de subsídios do governo.
Claro, temos muitos
outros problemas associados com um mundo finito, incluindo o aumento da
população, limites de água, e as alterações climáticas. Por essa razão,
até mesmo uma enorme oferta de energia renovável muito barato não seria
uma solução permanente. [12]
A situação se agrava
quando estamos no estágio global do capitalismo, hegemonizado pelo
sistema financeiro. A concentração da renda e da riqueza atinge níveis
sem precedentes. As 20 pessoas mais ricas dos Estados Unidos agora
possuem mais riqueza do que a metade mais pobre da população desse país
que são 152 milhões de pessoas em 57 milhões de domicílios. [14]
O BRASIL DO FUTURO
será resultado das decisões tomadas pelo Governo Federal e pela
Petrobrás em 2016. Decisões sobre o regime de produção e a propriedade
do petróleo, a taxa de produção, a integridade corporativa, os
investimentos em renováveis e a presença na petroquímica e em
fertilizantes. São importantes aspectos para que uma nação autônoma, ou
excedentária na produção petrolífera, se desenvolva no sentido de
sociedade menos ou mais justa, menos ou mais democrática política e
economicamente. A Petrobrás é a maior produtora mundial de petróleo
entre as companhias com ações negociadas em bolsa de valores, tendo no
3º trimestre de 2014 ultrapassado a ExxonMobil. [13]
O endividamento da
companhia corresponde ao maior potencial exploratório descoberto no
mundo recentemente. A aceleração acentuada da curva de produção, com o
objetivo de exportação, deve ser questionada, mas as perspectivas da
Petrobrás são melhores do que todas as demais companhias petroleiras de
capital aberto. A Petrobrás reúne melhores condições graças à qualidade
do seu corpo técnico e ao potencial natural brasileiro. Defender a
Petrobrás é colocá-la a serviço da maioria dos brasileiros."
Referências
[1] O Histórico cerco à Petrobrás e a corrupção, Felipe Coutinho
[2] Empreiteiras cartelizadas: inidôneas ou grandes demais para responder a lei? Felipe Coutinho
[3] “Desinvestimento”, eufemismo para privatização, prejudica a Petrobrás, Felipe Coutinho
[4] As 14 principais razões porque a Petrobrás deve ser a operadora única no Pré-Sal, AEPET
[5] Entrevista do
geólogo Guilherme Estrella, que foi executivo do Cenpes e Diretor de
Exploração e Produção responsável pela descoberta do pé-sal, concedida a
AEPET
[6] Carta AEPET
021/2015 de 21/12/2015 ao Conselheiros e executivos da Petrobrás, sobre a
Reorganização do Cenpes e da Engenharia na Petrobrás
[7] Carta AEPET
019/2015 de 08/12/2015 ao Diretor de Engenharia, Tecnologia e Materiais e
executivos, sobre o Fortalecimento da gestão dos empreendimentos e da
função Engenharia na Petrobrás
[8] Carta AEPET
001/2015 de 17/03/2015 ao Presidente da Petrobrás, sobre Propostas para o
fortalecimento institucional e defesa da Petrobrás contra a corrupção
na relação com os fornecedores de bens e serviços
[9] A Petrobrás continua sob ataque, e o agressor é a Odebrecht, AEPET
[10] O pré-sal e as energias potencialmente renováveis – fatos e opções, Felipe Coutinho
[11] Apresentação
“Do petróleo ao valor excedente produzido por meio da Petrobrás - Para
entender e intervir na organização da produção de um recurso singular e
estratégico”, Seminário UMA ESTRATÉGIA PARA O BRASIL, UM PLANO PARA A
PETROBRÁS, Felipe Coutinho
[12] We are at Peak Oil now; we need very low-cost energy to fix it, Gail Tverberg
[13] Somos a maior produtora de petróleo entre as empresas de capital aberto, 08.Jan.2015, Blog Fatos e Dados da Petrobras
[14] New IPS Report: Billionaire Bonanza Posted on December 2, 2015 by Inequality.org Staff
FONTE: escrito por Felipe Coutinho, presidente
da Associação de Engenheiros da Petrobrás (AEPET)
(http://www.aepet.org.br/) (https://felipecoutinho21.wordpress.com/).
Artigo publicado no site da AEPET (http://www.aepet.org.br/uploads/paginas/uploads/File/petrobras_balanco-dez15.pdf).
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