O New Deal provou ser possível enfrentar a depressão num ambiente de conquistas sociais
por Luiz Gonzaga Belluzzo
— Transcrito na Carta Maior
A eleição
presidencial dos Estados Unidos de 1932 foi disputada no momento em que
a depressão econômica atingia seu nadir. Entre 1929 e 1932, a renda
nacional havia caído 38%, regredindo para o nível de 1922. O desemprego
avançou celeremente e jogou na rua 12 milhões de pessoas.
O declínio da renda e a retração aguda do consumo fizeram
eco à dramática contração dos gastos de investimento das empresas e à
desastrada política fiscal e monetária da administração republicana. A bancarrota na indústria e na agricultura foi generalizada. O colapso dos preços tornou-se insuportável para o setor produtivo.
A carga financeira do endividamento
contraído nos anos de euforia. O sistema bancário veio abaixo com grande
estrondo, cujos decibéis podem ser avaliados pela falência de 5 mil
instituições.
Disputavam o voto popular o então presidente Herbert Hoover, do Partido Republicano,
e o democrata Franklin Delano Roosevelt. A campanha republicana
prometia a austeridade fiscal e o fortalecimento do dólar nos marcos do
padrão-ouro.
Roosevelt acenava com um novo Pacto
Social para a América, capaz de incluir “os que estavam esquecidos no
fundo da pirâmide econômica”.
Roosevelt assumiu a Presidência em março
de 1933 e proclamou em seu discurso inaugural que “a única coisa de que
devemos ter medo é do próprio medo”.
Não se pode dizer – nem mesmo os que avaliam idilicamente a experiência do New Deal – que aqueles tempos foram de coerência e certezas. Também não se pode negar que foram tempos de coragem e grandeza.
O presidente foi capaz de articular o movimento de grupos
sociais heterogêneos em uma grande coalizão progressista. Ao lado dele
estava Eleanor Roosevelt, com “a beleza de sua inteligência”. Ninguém
jamais ousou chamá-la de primeira-dama.
Ela caminhou ao lado e muitas vezes à frente do marido nas
manifestações de solidariedade com os americanos maltratados pelos
açoites da Depressão. Na última pincelada no retrato de Eleanor no livro
Names-Dropping, John K. Galbraith desenha “a campeã da luta contra a pobreza.” Grandes mulheres em tempos difíceis.
Não por acaso, nos
famosos “Cem Dias” de 1933 foram inaugurados programas emergenciais
para desempregados, mediante assistência direta e renda mínima.
Esses programas evoluíram nos anos posteriores, com a criação da Work Projects Administration, em 1935, concebida para um amplo esforço de reabsorção do desemprego, apoiado em obras públicas.
Harry Hopkins, idealizador e responsável
pela execução do programa da WPA, tinha como princípio básico o seguinte
lema: “A fome não se discute”.
A débâcle foi enfrentada com o Emergency Bank Bill de 9 de março de 1933 e pelo Glass-Steagall Act de junho do mesmo ano.
Esses dois instrumentos legais permitiram
um maior controle do Federal Reserve sobre o sistema bancário,
facilitando o refinanciamento dos débitos das empresas, sobretudo da
imensa massa de dívidas dos agricultores, e promovendo uma profunda
reestruturação do sistema bancário.
Isso significou uma forte centralização
da intervenção do Estado sobre os bancos privados e garantias mínimas
para os depositantes, medidas indispensáveis para a execução de uma
política de liquidez e de direcionamento do crédito, em beneficio da recuperação econômica.
Tomadas essas medidas emergenciais,
relativas ao desemprego e à desordem financeira, o governo constituiu a
National Recovery Administration, encarregada do planejamento
industrial, e a Agricultural Adjustment Administration, incumbida de
executar a política de preços, estoques e comercialização de produtos
agrícolas.
Muitos anos depois,
os debates sobre a experiência do New Deal concentram-se sobre o êxito
limitado do programa. Os críticos sublinham a debilidade da recuperação,
a ganhar sustentação apenas com a mobilização bélica, e o constante
ziguezague da política econômica.
Poucos consideram as consequências
políticas e sociais da “revolução democrática”, que contrastava
fortemente com a tragédia vivida pela Europa, com a ascensão do
nazifascismo.
O New Deal demonstrou ser possível
enfrentar a depressão num ambiente de liberdade e de conquistas sociais.
Difícil imaginar o destino das economias capitalistas sem que a mão
visível do Estado as tivesse protegido do flagelo da mão invisível do
mercado.
O programa de Eleanor e Franklin Delano
preparou o imaginário das sociedades para a defesa da democracia e para a
reorganização econômica, social e política que orientou o estrondoso
sucesso do capitalismo no pós-Guerra.
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