Haroldo Lima
A situação política
brasileira evolui por caminhos inesperados, tortuosos e preocupantes.
Núcleos em posições de Poder confrontam-se com o Governo e planejam
desbancá-lo. O afastamento da presidenta da República é objeto de
especulação, colunas de jornais tratam do tema abertamente, nomes de
políticos são citados para sucedê-la. Como não há fatos jurídicos para
permitir o afastamento da presidenta dentro da lei, procura-se produzir
feitos que justifiquem um “impeachment”. É um ardil torpe. É a “direita”
na ofensiva.
Esse quadro vem se formando do início do ano para
cá, incentivado pela inconformidade dos que perderam a eleição
presidencial, pelas dificuldades advindas da crise internacional do
capitalismo, pelos erros do Governo e pela gravidade da corrupção
descoberta. Não há sombra de dúvida que problemas subsistem. Mas o
dramático é pretender enfrentá-los rompendo com a democracia, a duras
penas conquistada.
Percebe-se que um golpe vem sendo urdido
pacientemente por setores oposicionistas-judiciais-midiáticos, passo a
passo, para asfixiar a democracia e varrer a Constituição que chamávamos
de “cidadã”.
Para os que testemunharam o golpe de 1964, como eu,
e resistiram à ditadura na clandestinidade, na cadeia e na tortura, os
inconformados de hoje procedem irresponsavelmente, como se estivessem
fazendo piquenique na cratera de um vulcão. O golpe de 1964 foi rude com
a democracia e a Nação brasileiras, mas tragou também os que o apoiaram
de início.
Hoje, não se vê militares na trama que se gesta. Por
enquanto. O golpe seria “moderno”, no estilo do ocorrido no Paraguai, em
2012: sem canhões, com juízes; sem tropa, com delegados, tribunais de
contas, apoio midiático e “representante do povo”, temerariamente
dispostos a afastar governo legal com pretextos vis.
Nesse
período recente, a Nação teve seu tecido social esgarçado por contínua,
longa, unilateral e exacerbada exposição de problemas e defeitos. Tudo
era creditado a uma só corrente política e a alguns líderes. Resultou no
despertar do rancor, do desrespeito e do ódio. Os preconceitos foram
sublimados, sendo deprimente a estupidez com que se tem investido contra
a presidenta por ser mulher. Uma vergonha.
O golpe
ousadamente tramado não passará. O povo que se levantou no Araguaia, que
derrotou a ditadura, que fez as “Diretas Já” não aceitará golpe algum. O
Brasil é muito, mas muito mais complexo que o Paraguai. E a presidenta
Dilma, uma guerreira.
Todo um corpo de ideias atrasadas brota,
como ervas daninhas, especialmente na Câmara dos Deputados. Um
conservadorismo raivoso ali avança. Estava certo o Departamento
Intersindical de Assistência Parlamentar, o DIAP, quando disse que “esse
Congresso é o mais conservador desde 1964”.
Embalado em tanto
reacionarismo, a Câmara vem impondo à Nação uma agressiva pauta
retrógrada, em que estão: a terceirização de atividades-fim; o
financiamento empresarial das campanhas eleitorais; uma legislação
repressora para a comunidade LGBT; restrições aos direitos dos
homossexuais; redução da maioridade penal. De passagem, o Estado laico é
desrespeitado, a intolerância religiosa é fomentada.
A redução
da maioridade penal pode desorganizar nossa legislação. Atualmente,
jovens com 16 anos não podem consumir bebida alcoólica, comprar cigarro,
dirigir carro ou ônibus, ser submetido a atividades insalubres ou
noturnas. Se esses menores já são maiores para efeito da lei penal, como
seriam menores para outros fins? Juridicamente isto não se sustenta, já
dizem especialistas.
A marcha ascensional dos povos não é
retilínea, nem irreversível, tem altos e baixos, comporta recuos. Mas o
grave, o perigoso, é quando maiorias ocasionais comportam-se como
predestinadas e enchem-se da pretensão de moldar a sociedade à sua
imagem e semelhança. Aí os recuos vão se repetindo, se generalizando e
se consolidando. As posições contrárias vão sendo reprimidas. Na
história recente da humanidade isto deu no fascismo.
Protestar é preciso, denunciar os golpistas é imperioso, desmascará-los é vencê-los.
O
grande dramaturgo alemão Bertolt Brecht e antes dele o poeta russo
Maiakovski, em famosos poemas, mostraram o risco que as sociedades
correm quando, ante o avanço do obscurantismo, não protestam desde o
início. Quando resolvem protestar, já é tarde.
Haroldo Lima – foi representante da Bahia na Assembleia Nacional Constituinte, de 1987/88.
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