terça-feira, 5 de agosto de 2014

A crise da dívida externa da Argentina pode ser entendida assim.

Por Luis Nassif


"Após a desastrada gestão do Ministro da Fazenda Domingo Cavallo  [ministro por seis anos do governo do neoliberal Menem e por 20 dias de Fernando de La Rua], o país entrou em moratória. Houve uma penosa negociação com os credores no final da qual 93% deles aceitaram receber novos bônus com desconto de mais de 60%. O restante ficou de fora do acordo e foi brigar na Justiça.

Nos contratos de dívida, a Argentina escolheu a praça de Nova York para dirimir as pendências judiciais.

Fechado o acordo de reestruturação, fundos “abutres" - um tipo de fundo que adquire títulos de difícil negociação por valor irrisório – compraram papéis de fora do acordo na bacia das almas, e entraram na Justiça exigindo o pagamento integral de sua parte.

O caso foi parar nas mãos do juiz Thomas Griesa, um magistrado de 84 anos (!), provavelmente sem a menor noção sobre o impacto de ações envolvendo dívidas soberanas (de países). O juiz ordenou que a Argentina quitasse integralmente os títulos dos “abutres”. Para garantir a quitação, ordenou o bloqueio do depósito que o país fez para os credores que aderiram ao acordo.

A Argentina apelou para a Suprema Corte, que decidiu não opinar sobre a questão. Assim, a decisão do juiz Griesa tornou-se definitiva.

Ocorre que, no contrato de renegociação da dívida argentina, há um cláusula que estipula que se a Argentina oferecer condições melhores para os credores que não optaram pela renegociação, terá que oferecer as mesmas condições para todos os demais. E aí, o desembolso saltaria de US$ 1 bilhão para US$ 20 bilhões.

Na época da renegociação, os credores adquiriram uma espécie de seguro de crédito - o CDS (credit default swap) - largamente utilizado no período pré-crise de 2008. Assim, além de especular com os velhos e novos títulos da Argentina, o mercado passou a especular também com os CDS.

A questão em jogo é a avaliação da Justiça sobre a decisão da Argentina de não pagar os “abutres”. Ela pagaria para não ter default; ou deixaria de pagar correndo o risco de default?

Inicialmente, foi pensada uma forma de a Argentina sair desse embrulho. Bancos argentinos adquiririam os títulos dos “abutres”, guardariam em carteira e nada fariam com ele até vencer o prazo do final do ano. Depois, acertariam com o governo da Argentina.

Mesmo alguns grandes credores se ofereceram para montar essa operação.

Enquanto a Argentina e credores debatiam-se ante esse dilema, o "Comitê de Determinações da Associação Internacional de Swaps e Derivativos" decidiu, no final da tarde de sexta-feira, que a Argentina está oficialmente em calote.

De alguma forma, a questão deverá ser resolvida nos próximos dias.

Mas o caso Argentina deverá provocar mudanças nos contratos envolvendo dívida soberana.

Vigorando a decisão do juiz Griesa, inviabilizaria totalmente reestruturações de dívidas soberanas.

O episódio demonstra o seguinte:

Nem a quebra da economia mundial, com a crise de 2008, reduziu o poder político, jurídico e financeiro.

Ainda falta uma segunda rodada de crise para se criar nova institucionalidade global para tratar com os grandes fluxos de capital e com a especulação com câmbio e títulos de dívida.

FONTE: escrito por Luis Nassif no "Jornal GGN"  (http://jornalggn.com.br/noticia/para-entender-a-moratoria-da-argentina).

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