sábado, 23 de junho de 2012


Valor Econômico, 22/06/2012
Entrevista
Brasil perde importância na siderurgia
internacional
Por Ivo Ribeiro | De São Paulo
O novo eixo da produção de aço no mundo será a Ásia. Os Estados Unidos e a Europa
deixaram de ser protagonistas nesse setor e o Brasil, devido ao impacto crescente de sua
matriz de custos, perdeu a competitividade para ser um grande "player" global. Essa é a
avaliação de Germano Mendes de Paula, professor do Instituto de Economia da
Universidade Federal de Uberlândia. Com mestrado e dourotado pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro e pós-doutorado pela Oxford University, Mendes é um dos
maiores especialistas sobre a indústria do aço no país.
"A competitividade da siderurgia brasileira piorou significativamente a partir de 2005, o
que é evidentemente influenciado pela taxa cambial, além de elevação dos preços das
matérias-primas, redução das vantagens logísticas de antes, como proximidade das
minas de ferro, elevação dos custos de energia e aumento dos custos de investimento",
afirma. Para ele, o setor, no país, com isso, deve se voltar principalmente para atender
ao mercado doméstico
A indústria no mundo, ressalta Mendes, enfrenta um momento de baixa rentabilidade,
excesso de capacidade de produção e aumento da crescente importância das exportações
indiretas (que afetam os clientes das siderúrgicas) e aumento dos custos das matériasprimas
e insumos, como energia. Abaixo, os principais trechos da entrevista ao Valor.
Valor: O que mudou na siderurgia mundial desde a crise 2008 e qual o impacto da
crise na zona do euro e a desaceleração da China?
Germano Mendes de Paula: A siderurgia chinesa sentiu relativamente pouco os
impactos da crise de 2008/2009, em grande medida em função do pacote de
investimentos governamentais, que sustentou a demanda por aço. Por outro lado, o
desempenho financeiro das siderúrgicas é muito ruim e as empresas continuam
anunciando investimentos, o que somente é factível pelo fato de serem companhias
estatais. No resto mundo, o setor ainda não conseguiu retomar à situação pré-crise,
principalmente no que tange à margem de lucro, regredida por aumento dos custos dos
insumos, excesso de capacidade instalada e de exportações indiretas.
Valor: Fala-se muito no excesso de oferta, mas porque as empresas resistem a fazer
cortes de produção para se ajustarem?
Mendes: Na verdade, fizeram alguns cortes de produção, incluindo aqui no Brasil, por
meio do fechamento de altos-fornos. O problema principal é que a siderurgia é uma
atividade com elevadas barreiras à entrada e também à saída. A redução do nível de
atividade é muito onerosa, pois acarreta aumento do custo fixo unitário. Além disso,
algumas usinas que se assemelham à fênix, pois parecem que vão fechar, mas ai aparece
um comprador que tenta reestruturar e reabre a usina. Teesside (no Reino Unido) e
Sparrows Point (nos Estados Unidos) são exemplos.
Valor: Que mudanças estruturais você vê para o setor na Europa, que enfrenta uma
grande crise financeira em vários países?
Mendes: Mesmo sem uma deterioração adicional da situação macroeconômica na
Europa, o desempenho da siderurgia da região não é bom. A bem da verdade, tendo em
vista o elevado grau de instabilidade, que afeta negativamente os investimentos e estes,
por sua vez, a demanda do aço, é até surpreendente que a queda do consumo de aço não
tenha sido ainda pior. Todavia, a queda da importância relativa da siderurgia europeia é
uma tendência sem volta. O que se pode discutir é o ritmo dessa trajetória. Vale lembrar
que nos países da península balcânica, que são europeus, mas não fazem parte da
Eurozona, a situação da siderurgia é dramática, tanto que a US Steel devolveu a usina
Smederevo ao governo da Sérvia sem qualquer compensação financeira.
Valor: E a siderurgia americana?
Mendes: O índice de ociosidade da siderurgia dos EUA em 2012 tem oscilado ao redor
de 20%, o que não é muito diferente da média mundial. Apesar da concordata recente da
RG Steel, o cenário não é tão pessimista. Aliás, vemos uma situação bem melhor do que
a verificada no período 2001/2002. No caso específico de aços longos especiais (que é
muito dependente da automobilística), verifica-se novos projetos para ampliação da
capacidade instalada. A possibilidade de utilização de gás de xisto poderá melhorar
substancialmente a competitividade do setor lá.
Valor: E como fica no Japão?
Mendes: Acredito que a situação é mais desfavorável do que a norte-americana, pois é
grande exportadora líquida de produtos siderúrgicos. Portanto, a construção de novas
usinas em países asiáticos impacta negativamente tais as exportações. No mercado
interno, a demanda de aço para a construção também não vai bem. Além disso, a fusão
entre Nippon Steel e Sumitomo Metals sugere que a necessidade de reestruturação
produtiva com a finalidade de redução de custos é o objetivo principal das siderúrgicas
japonesas. Isso é compreensível diante de um mercado estagnado e certa timidez na
internacionalização.
Valor: Que papel a China terá, considerando que tem excesso de capacidade e está
com sua economia em desaceleração?
Mendes: A siderurgia chinesa enfrenta vários desafios: o governo estimula a
consolidação, mas os efeitos práticos até agora são relativamente pequenos; o
desempenho energético e ambiental, com algumas exceções, é muito insatisfatório e as
margens de lucro são muito pequenas. O governo chinês reconheceu a necessidade de
reestruturação desta indústria no 12º Plano Quinquenal, divulgado no ano passado. O
problema é que o mesmo documento governamental menciona claramente que o
objetivo é a exportação de produtos intensivos em aço, o que evidentemente é um risco
para as cadeias metal-mecânicas de vários países, inclusive os latino-americanos.
Valor: Que cenário você projeta para a Índia?
Mendes: A minha percepção é que as siderúrgicas indianas anunciam projetos com
muita facilidade, algumas chegam falar em quadruplicação da capacidade em uma
década. Não restam motivos para projeções otimistas, seja pelo baixo nível de
urbanização, seja pelo reduzido consumo per capita. Entretanto, a capacidade de
realização não segue na mesma velocidade em função de problemas macroeconômicos e
da dificuldade em obtenção das terras para construir as usinas.
Valor: Como ficará o Brasil, que alguns anos atrás era visto como o grande supridor
futuro de aço semi-acabado para o mundo?
Mendes: A competitividade de custos da siderurgia brasileira piorou significativamente
a partir de 2005, o que é evidentemente influenciado pela taxa cambial. Além disso,
outras questões de cunho setorial também foram determinantes para esta situação:
elevação dos preços dos insumos, comprimindo a importância relativa dos salários;
queda do preço do frete, reduzindo as vantagens logísticas decorrente da proximidade
com as minas de ferro; elevação dos custos da eletricidade, afetando as usinas semiintegradas
(à base de sucata) e aumento do custo de investimento (custo/tonelada).
Nesse contexto, superávits estruturais da siderurgia brasileira estão em xeque, devendo
se voltar a atender principalmente ao mercado doméstico.
Valor: Qual o novo desenho geográfico que você traça para a siderurgia no mundo?
Mendes: Ele tem apenas uma direção: Ásia. A importância dos países do Atlântico está
regredindo e não existem motivos para acreditar que tal tendência não persistirá. O
Brasil, em função do que foi discutido na questão anterior, tenderá a ter uma siderurgia
cada vez mais voltada ao atendimento do mercado nacional. O país deve tentar evitar o
que está acontecendo com a siderurgia australiana no momento: enquanto as
mineradoras de ferro ampliam seus investimentos, as siderúrgicas reduzem capacidade
instalada. Em 2000, a produção australiana de minério de ferro foi 24 vezes superior à
de aço bruto. Em 2010, este valor já foi de 58 vezes. Para 2015, ele tende a alcançar 139
vezes. Assim, enquanto a mineração de ferro no país expande exponencialmente, a
siderurgia - que estava estagnada - caminha para o declínio.
Valor: A verticalização das usinas de aço, investindo em minério de ferro e carvão, vai
se manter e até ganhar mais velocidade?
Mendes: Embora seja uma estratégia cada vez mais disseminada, em vários países
(principalmente na Rússia, Índia e América Latina), com certeza não é possível de ser
adotada por todas as usinas, seja porque o mercado de minério já é bastante consolidado
nas Big 3 [ Vale, Rio Tinto e BHP Billiton ], seja porque as opções logísticas podem
não ser as ideais. A participação das minas de ferro controladas por siderúrgicas no total
mundial de ferro em 2010 foi estimada em 23%, o que dá uma noção de que a estratégia
de verticalização, embora muito importante em termos de resultados financeiros, não é
tão difundida como se apregoa.
Valor: A consolidação de ativos no setor pós-crise caiu drasticamente, a não ser
algumas operações na China. Você vê uma nova onda?
Mendes: De fato, os valores das transações patrimoniais regrediram muito a partir de
2009, embora o número de operações (fusões, aquisições, cisões e joint-ventures)
continue superado 150 por ano. Em outras palavras, as megatransações perderam seu
ímpeto, mas o processo de consolidação na siderurgia mundial não acabou. Em termos
regionais, a indústria asiática, em particular nos países emergentes, ainda está atrasada
neste processo de consolidação. Na China, este processo é estimulado pelo governo,
mas empresas estrangeiras são proibidas de comprarem usinas siderúrgicas relevantes.
Valor: O você vai abordar em seu novo livro sobre a siderurgia, que será lançado na
próxima semana no Congresso anual do setor?
Mendes O "Latin America Steel: a retrospective in 101 essays" é uma coletânea de
artigos publicados na revista britânica "Steel Times International" entre 2000 e 2011.
Durante estes doze anos, a intenção foi apresentar uma visão contemporânea da
indústria siderúrgica latino-americana - o intenso processo de fusões e aquisições,
internacionalização produtiva, alianças estratégicas e o retorno da importância da
integração vertical, entre outros temas. A partir de agosto, vou realizar um pósdoutorado
na Columbia University, EUA. Daí, pretendo escrever um livro discutindo a
interação entre as medidas de política industrial e as estratégias das companhias
siderúrgicas, em seis regiões-países selecionados: Estados Unidos, União Europeia,
Japão, China, Índia e Brasil. Quero avançar num terreno ainda pouco explorado, da
mesma forma que fiz em 1998-99, quando realizei pós-doutorado na Oxford University
e escrevi uma obra sobre as estratégias de internacionalização de siderúrgicas.

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