quarta-feira, 27 de junho de 2012

A mão invisível do mercado


Escrito por Wladimir Pomar



Quarta, 27 de Junho de 2012






Diante da questão sobre os motivos pelos quais as taxas de investimento
indispensáveis para o desenvolvimento econômico e social brasileiros não
crescem, tenho procurado resposta em diversos economistas que trabalham em
instituições governamentais. Eles reconhecem que, nos últimos 25 anos,
essas taxas se mantiveram abaixo de 20% do PIB e suas teses principais
sobre esse fato histórico talvez possam ser resumidas da seguinte forma:



1) Os setores que concentram projetos de longo prazo de construção e de
valor elevado, como as indústrias de transformação e infraestrutura, não
têm encontrado a estabilidade econômica e o arcabouço institucional
necessários para realizar seus investimentos;



2) O ambiente inflacionário dos anos 80 e parte dos anos 90, em especial,
foi um dos fatores que mais dificultou o planejamento empresarial de longo
prazo e os cálculos prospectivos de retorno dos investimentos;



3) A presença de juros elevados foi outro limitador das inversões,
principalmente nas indústrias de transformação, levando as empresas a se
concentrarem em projetos cuja atratividade superasse a combinação de
liquidez, segurança e a devida rentabilidade do overnight;



4) Foi esse cenário de instabilidade que levou as empresas a preferirem
investir em modernização das plantas existentes ao invés de fazerem
inversões em novas plantas produtivas;



5) As restrições externas em escassez de divisas também foram fatores
críticos, em especial porque resultaram em rígidas políticas de ajuste
macroeconômico, acompanhadas por restrição ao crédito e redução da
capacidade de investimento do Estado, redução que foi acentuada pelo fato
de o Brasil haver aceito as imposições do FMI, em 1982 e 1998, de
restrições à inversão do setor público;



6) A solução para essas reduções e restrições na capacidade de
investimento do setor público consistiu em privatizar empresas estatais e
fazer com que o setor privado assumisse a liderança nos investimentos em
infraestrutura, embora o arcabouço institucional continuasse entravando
esses investimentos.



Em geral, tudo parece ser culpa de Adam Smith e da mão invisível do
mercado. Ela teria produzido a instabilidade econômica, com ambiente
inflacionário, que obrigou a adoção de juros altos. A inflação e os juros,
por sua vez, teriam desestimulado os planejamentos de longo prazo e levado
os empresários a preferirem especular no overnight. Isto teria criado uma
situação que obrigou o Estado a aceitar as imposições do FMI, reduzindo os
investimentos públicos e privatizando as estatais para, supostamente,
aumentar sua capacidade de investimento.



Dessa forma, culpando Adam Smith e mantendo acesa a chama do
neoliberalismo de Hayek e Friedman, nossos economistas passam a borracha
sobre a responsabilidade das políticas governamentais dos anos 80 e 90, e
também sobre a história, e não ajudam o governo, do qual fazem parte, a
elevar as taxas de investimento.



Simplesmente desconsideram o grau de concentração e centralização da
economia brasileira e o papel que isso desempenha no mercado, seja
pressionando para a manutenção da perversa combinação de juros altos e
preços altos, que permite às corporações empresariais, principalmente
estrangeiras, altas taxas de lucro, seja impedindo, por meios nem sempre
legais e econômicos, que médias e pequenas empresas, mesmo com grande
capacidade de inovação, participem no mercado e compitam com elas.



Historicamente, as instabilidades econômicas e o arcabouço institucional
que permitiu o distorcido processo de concentração e centralização da
economia brasileira se acentuaram após a abertura indiscriminada da
economia às multinacionais, durante o governo JK, nos anos 1950, e
ganharam vulto durante a ditadura militar, entre os anos 1960 e 1980, e
durante os governos neoliberais dos anos 1990. Por outro lado, enquanto a
ditadura militar criou novas empresas estatais, mesmo que apenas para
permitir ao Estado construir a infraestrutura para a implantação de novas
plantas fabris das multinacionais, os governos neoliberais, ao invés de
saneá-las, reformá-las e utilizá-las como contraponto àquela concentração
e centralização corporativa, sanearam-nas para serem vendidas a preços
irrisórios, principalmente para as multinacionais, num processo que chegou
ao limite da irresponsabilidade, como chegou a admitir um ministro de
Estado.



Desse modo, as privatizações não foram uma imposição da necessidade de
recuperar a capacidade de investimento do Estado, mesmo porque os passivos
continuaram pesando como chumbo ao erário público. Foram uma decisão
política, justamente para reduzir ainda mais a capacidade de investimento
do Estado, o mesmo tipo de decisão que levou ao desmantelamento do aparato
estatal de planejamento e de elaboração de projetos, à desregulamentação
indiscriminada do arcabouço institucional e do mercado e à transformação
do país num paraíso de altos juros para a jogatina dos investimentos de
curto prazo. Decisões que levaram a um processo de desindustrialização até
então desconhecido pela economia brasileira, e a um aumento incomensurável
da pobreza e da miséria e, portanto, à redução drástica do mercado
interno.



Além de parecer nada disso enxergarem, nossos economistas não explicam por
que as taxas de investimento não cresceram mesmo após o governo Lula haver
reduzido substancialmente a instabilidade econômica, mantido a inflação
sob controle, melhorado o arcabouço institucional, ampliado o mercado
interno através do consumo, recuperado em parte o aparato estatal de
planejamento e elaboração de projetos, iniciado a redução dos juros, e
haver aproveitado uma situação internacional que permitiu ao Brasil não só
obter superávits comerciais vultosos, como enfrentar a crise de 2008 com
razoável sucesso.



Em outras palavras, os entraves ao crescimento das taxas de investimento
talvez estejam em fatores que nossos economistas não consideram. Por
exemplo, que papel desempenha um superávit primário de mais de 3% do PIB
para deixar o sistema financeiro tranquilo, quando poderíamos garantir
melhor o pagamento das dívidas se esses recursos fossem direcionados para
investimentos produtivos? Por que o maior valor emprestado pelos bancos
estatais se direciona para empresas capitalizadas, inclusive
multinacionais, ao invés de ser orientado para empresas médias e pequenas
com grande capacidade de inovação, mas pouco capitalizadas? Por que os
órgãos estatais relacionados com o desenvolvimento econômico não formam
grupos de trabalho para a elaboração de projetos de empresas médias e
pequenas, que poderiam contribuir para adensar as cadeias produtivas mais
importantes, mas não possuem os recursos necessários para isso?



Dizendo de outro modo, talvez os economistas das instituições
governamentais precisem descer à terra e começar a descobrir esses e
outros problemas macro e microeconômicos que realmente empacam o
crescimento das taxas de investimento.



Wladimir Pomar é escritor e analista político.


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