Escrito por Wladimir Pomar |
Segunda, 04 de Junho de 2012 |
Há muitos que não acreditam ser possível a países como o Brasil aproveitarem os investimentos do capitalismo transnacional, pela necessidade de elevar suas taxas médias de lucro, e obrigá-los a transferir altas tecnologias e associar-se a empresas estatais e privadas nacionais, mesmo que isso crie novos competidores. Com certa razão, sustentam que os acordos internacionais sobre propriedade intelectual protegem os direitos das corporações transnacionais, fazendo com que a tecnologia seja objeto da crescente privatização concentradora. Além disso, no caso do Brasil, cujos governos anteriores subsidiaram a ocupação oligopólica do mercado por empresas transnacionais, tornar-se-ia impossível desenvolver tecnologias nacionais, pois seriam raras as empresas de capital nacional que subsistem num mercado tão oligopolizado. Como as transnacionais teriam, em geral, seus centros tecnológicos nas matrizes, suas subsidiárias no Brasil utilizariam tecnologias antigas, já amortizadas, permitindo-lhes custo real zero. Não teriam, portanto, interesse em investir em tecnologias ou adquirir alguma tecnologia desenvolvida aqui. Em complemento, como controlam o mercado em sistema de oligopólio, impõem os preços e as condições para adquirir empresas nacionais tecnologicamente avançadas, mas apertadas pela política econômica, como ocorreu sistematicamente no período de domínio neoliberal. Nessas condições, não passaria de falácia a concepção de que o Brasil está atrasado tecnologicamente porque investe pouco em educação, ciência, pesquisa básica e tecnologia. Embora o pequeno investimento nessas áreas seja verdadeiro, o realmente grave seria que as empresas nacionais ficaram sem condições de criar tecnologias próprias por não terem chances de permanecer no mercado, ou de nele entrar, salvo em alguns nichos, logo apropriados pelas transnacionais. Sem empresas nacionais em competição nos mercados, seria impossível alavancar o desenvolvimento, pois as tecnologias só cresceriam dentro de empresas. Portanto, a crença de que a entrada de capital estrangeiro favoreceria o desenvolvimento, complementaria a poupança nacional, e transferiria tecnologias, não passaria de falsa ilusão. Isso seria entregar o mercado nacional a empresas comandadas por capitais estrangeiros, e não existiria país que tenha se desenvolvido dessa forma. Com isso, esses argumentos, muitos dos quais são verdadeiros, nos colocam numa espécie de beco sem saída. Não temos capitais próprios, nem empresas nacionais, nem tecnologias apropriadas. E não deveríamos buscar capitais externos, nem teríamos condições de transferir tecnologias externas, porque nosso parque produtivo é dominado pelas transnacionais. Portanto, que fazer? Deitar e ficar esperando que o tal de socialismo caia do céu? O problema dos argumentos expostos acima é que eles não levam em conta as dificuldades e contradições do capitalismo desenvolvido, e acreditam que as tecnologias, por decorrerem do trabalho, geram uma mais-valia especialmente elevada, trazendo apenas lucros ao capital. Na verdade, mesmo gerando uma mais-valia relativa especialmente elevada, as tecnologias elevam muito mais rapidamente a produtividade, reduzindo substancialmente a participação da mais-valia absoluta e criando o fenômeno contraditório da queda da taxa média de lucro, essencial para a reprodução ampliada do capital. Além disso, não estamos mais na época em que as ciências eram instrumentos fornecedores de conhecimentos, com os quais se podia fazer avançar mais rapidamente a criação de novas tecnologias. Hoje, a maior parte das ciências se tornou instrumento de conhecimento e de produção, estreitando o espaço que a diferenciava da tecnologia. Ciência e tecnologia se transformaram em forças produtivas diretas, como previu Marx, desenvolvendo-se não só nas empresas, mas principalmente nos centros de desenvolvimento e pesquisa, tanto empresariais quanto universitários, e fazendo com que as forças produtivas dos países capitalistas desenvolvidos atingissem um estágio muito elevado. Em certo sentido, foi basicamente isso que intensificou o processo de centralização do capital, financeirização, em especial de dinheiro fictício, exportação de capitais para países agrários, que possam fornecer uma mais-valia absoluta mais elevada, desindustrialização relativa dos países centrais e uma série de outros fenômenos, que giram em torno da busca desesperada para elevar a taxa média de lucro, já que o lucro máximo tornou-se uma miragem cada vez mais longínqua, à medida que o capital constante se fortalece às custas do capital variável. Essas contradições do capitalismo desenvolvido criaram as condições para que alguns países, onde seu Estado nacional fosse mais soberano e possuísse instrumentos estatais efetivos de intervenção no mercado, em especial indústrias e bancos, combinassem a atração de investimentos de capitais estrangeiros, com o fortalecimento tecnológico de suas empresas estatais e privadas nacionais. Esses países se desenvolvem em meio a uma concorrência ativa entre empresas estrangeiras e nacionais, tanto nos mercados domésticos quanto nos mercados internacionais, como mostram os exemplos mais evidentes da Coréia do Sul, Índia e China. Esse não foi o caso do Brasil no período de domínio neoliberal. Mas, como aquelas contradições do capital permanecem presentes, talvez ainda haja tempo de o Brasil se aproveitar delas e dar a volta por cima em seu atraso. É lógico que, além de medidas macroeconômicas positivas para elevar os investimentos produtivos e em educação, ciência, pesquisa básica e tecnologia, o país vai ter que reforçar e ampliar seus instrumentos estatais, dar atenção triplicada às empresas nacionais médias e pequenas, aumentar a concorrência nos setores oligopolizados, assentar alguns milhões de lavradores sem-terra para reforçar a agricultura familiar e elevar a produção de alimentos, e ter programas claros de adensamento das cadeias produtivas que podem aumentar a competitividade brasileira, interna e externa. Quanto a este último item, não tem sentido ter ufanismo com uma Embraer que importa cerca de 70% de seus componentes de alta tecnologia, principalmente eletrônicos. Nem com uma indústria automobilística que mantém seu oligopólio através da importação de grande quantidade de componentes e mesmo de veículos desmontados. Se somos meros montadores, por não fabricarmos chips ou determinados componentes tecnologicamente avançados, este é o momento para começar a mudar essa situação. Mesmo porque o desafio de elevarmos as taxas de crescimento econômico está se confrontando, cada vez mais, com uma estrutura econômica que nos impede de aproveitar as contradições atuais do capital. Wladimir Pomar é escritor e analista político. |
quarta-feira, 6 de junho de 2012
Ilusões e desafios
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