sábado, 9 de junho de 2012

Plebiscito popular: questão nacional



A disponibilidade de energia utilizada por habitante é o melhor indicador de qualidade tecnológica da produção e padrão de vida da sociedade. A Inglaterra ocupou, no século XVIII, o centro do planeta, a partir de suas excepcionais reservas de carvão metalúrgico. EUA derrubaram-lhe o cetro, a partir dos campos de petróleo que abriram caminho para os derivados combustíveis alimentadores do motor a explosão interna.
O petróleo é o vetor energético chave do atual horizonte tecnológico e sustentáculo do padrão de vida dos povos. De forma simplificada, as potências com pouco petróleo (caso dos EUA) ou sem petróleo (Japão e países da Europa) ou em situação enigmática (como a China) organizam suas respectivas geopolíticas de modo a obter petróleo bruto dos países que dispõem de reservas. Este não é o lugar para listar truculências, porém cabe não esquecer que a geopolítica do petróleo não respeita limites, soberania, nem sequer uma boa conviviabilidade.
O Brasil, com a descoberta do pré-sal, pode ser - e é bastante provável que venha a ser - "proprietário" da terceira maior reserva do planeta. Essa situação remonta à campanha de "O petróleo é nosso", ao tiro no coração do presidente Getúlio Vargas, à capitalização compulsória da Petrobras, à persistência de nossa geologia e à reserva do mercado interno para a empresa estatal. A Constituição de 1988 preservou instrumentos e instituições dessa trajetória, mas uma reforma constitucional pouco acompanhada pelos brasileiros passou a permitir o leilão de lotes e a possibilidade de múltiplas empresas explorarem e exportarem petróleo cru. Aliás, essas regras permitiram a um brasileiro ocupar o 7º lugar no ranking mundial de patrimônio, sem ter sido nem prospector nem produtor de petróleo.
Política do pré-sal é feita na caixa escura de uma agência reguladora e na falta de relatórios divulgados pelas mídias
Obviamente, o Atlântico Sul passa a ser o oceano geopolítico estratégico por excelência. Ser vital para uma superpotência é um enorme risco para a soberania nacional. Os brasileiros percebem, com preocupação, as atuais tendências que estão conduzindo o Brasil a exportador de petróleo cru; veem nisso um futuro de qualidade duvidosa política, social e econômica. Mas outros brasileiros veem no Brasil exportador de petróleo um futuro magnífico e a definitiva superação dos problemas sociais. Este não é o ponto para alinhar os argumentos prós e contra; é o momento de afirmar que são muito poucos os brasileiros participantes dessa discussão. A política real se desenvolve na caixa escura de uma agência reguladora e na ausência de relatórios divulgados e esquadrinhados pelas mídias.
O modo como o Brasil encaminhar o pré-sal pode vir a nos converter num Iraque do futuro ou numa Noruega, que, apesar de seu bom senso, perdeu 1/3 das reservas financeiras que havia amealhado com a venda de petróleo e gás. Não falamos da Holanda, que desmontou indústrias e atrofiou a produção agropecuária, pois dispunha de dólares baratos para importar tudo (o fenômeno foi batizado de "doença holandesa"). Não falamos do drama da Indonésia, que vendeu e esgotou suas reservas de petróleo a menos de US$ 3 e agora se abastece a US$ 100 o barril. Não façamos nenhum exercício de sonho procurando um país produtor e exportador de petróleo e que tenha uma vida política e social adequadamente respeitosa com sua gente e dinamismo tecnológico e cultural: geralmente os países exportadores de petróleo são locais de iniquidades.
Quando jovem, falávamos da civilização brasileira como potencialidade - e o pré-sal é o açúcar e o veneno para nossa sociedade. Não pode ser matéria de um debate apenas de representantes que exercem suas delegações para decidir o futuro da nação, notadamente à mercê daqueles mergulhados em manchas de corrupção, desacreditados e hostilizados pela opinião pública.
Fosse o Brasil a Atenas dos períodos clássicos, convocaríamos todos os cidadãos para a Ágora e, em praça pública, todos com direito a voz e voto, decidiríamos o que fazer com o pré-sal. É, obviamente, impossível a democracia direta, porém um instrumento moderno que se assemelha é o plebiscito nacional. Como o futuro de meus filhos e netos, dos filhos e netos de todos os meus amigos, e deste povo admirável que é o brasileiro exige o melhor e o maior debate sobre o futuro desejado para o país, exijo um plebiscito popular. Sonho que se converta numa exigência coletiva.
Carlos Francisco Theodoro Machado Ribeiro de Lessa é professor emérito de economia brasileira e ex-reitor da UFRJ. Foi presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES; escreve mensalmente às quartas-feiras. E-mail: carlos-lessa@oi.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário