quarta-feira, 8 de julho de 2015

O cerco se fecha: agora é o golpe

(*) Samuel Lima
O cenário político neste começo de segundo semestre de 2015 está profundamente marcado com as tintas do golpismo. O processo começou lá atrás, na proclamação do resultado que consagrou a reeleição da presidente Dilma Rousseff. Mal o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) anunciou a vitória da candidata, seus adversários já ingressavam com pedido de anulação das eleições, sob alegação de fraude. As provas? Material publicado na internet.

O fato é que desde o final de outubro de 2014 até junho deste ano, uma sequência de fatos e factoides produzidos por Eduardo Cunha e Renan Calheiros (Congresso Nacional); Sérgio Moro e Polícia Federal (Lava Jato, com vazamentos seletivos e militância política pró-tucanos dos delegados da PF no Paraná), reproduzidos e gerados pela mídia monopolista, somados aos erros e desatinos do governo Dilma e do Partido dos Trabalhadores (PT), produziram esse cerco pelo qual passa a Presidente da República. Uma onda de ódio, intolerância política e irracionalidade se espalha nos bares da vida e nos espaços de convivência na internet (as chamadas “redes sociais”).
Nos últimos dias, o cerco finalmente se fechou. Depois de uma sequência de tentativas frustradas de golpe (impeachment, anulação do resultado eleitoral pelo TSE etc.), os protagonistas anti-Dilma voltaram com força total. No sábado (04/07), o novo colunista da “imparcial” Folha de S. Paulo, Ronaldo Caiado (líder da UDR e senador do DEM/GO) escreveu um artigo intitulado “Uma nova eleição é solução para a crise”, no qual defende explicitamente: “Como brasileiros, precisamos abraçar um projeto para tirar o país da crise e promover uma correção de rumos. Para isso, defendo a realização de uma nova eleição para a Presidência da República” (Leia a íntegra: http://migre.me/qFH69). A insensatez flerta com a hipocrisia e golpismo mais rastaquera: basta tirar a presidente Dilma e a crise, num passe de mágica, estará resolvida.
Antecipando-se aos atores políticos, como se fora um guru das ações da “oposição”, a Folha de S. Paulo desenha “cinco saídas” para a crise. Em quatro, a solução passa pelo encurtamento (via impeachment ou anulação da chapa Dilma/Temer) em quatro alternativas; a reportagem da Folha, para “aliviar” a sanha, registra também a opção “Recuperação”, saída possível para o governo Dilma contornar o cerco e seguir seu rumo (Fonte: http://migre.me/qFHlP).
A senha para o golpe foi dada na edição dominical (05/07/2015) do Correio Braziliense: “Dilma está sozinha, afirma ministro do STF”. Transformado há tempos num panfleto partidário anti-Dilma, o Correio que outrora foi importante jornal na cobertura da política nacional, busca legitimar seu veredicto recorrendo às palavras de um ministro do Supremo Tribunal Federal: “Marco Aurélio Mello diz, em entrevista ao Correio, que a presidente da República já não conta sequer com o apoio do PT e de Lula: ‘E isso não é bom institucionalmente” (Veja imagem).
Já nas edições de domingo, os dois maiores jornais do País, se colocaram na vanguarda de um golpe que tem roupagem radicalmente distinta daquele que vitimou a democracia brasileira, em 1964. Agora é o aparato judiciário, com respaldo total da mídia monopolista e da maioria dos parlamentares do Congresso Nacional (75% dos atuais deputados são da bancada BBB – Bala, Boi e Bíblia, liderados por um político denunciado na operação Lava Jato, Eduardo Cunha, do PMDB/RJ). Os tanques não cruzarão as estradas de Minas e do Rio de Janeiro. O golpe vai passar em edição extra do Jornal Nacional (TV Globo), ao vivo do plenário do Tribunal Superior Eleitoral ou do Tribunal de Contas da União (TCU).
Eis que volta à cena o líder tucano Carlos Sampaio (PSDB/SP), que lá atrás havia pedido a anulação das eleições com base em “robustas” provas publicadas nas redes sociais. Em artigo publicado na mesma Folha de S. Paulo (espécie de “Diário Oficial do Golpe”), edição de 05/07/2015, Sampaio já vislumbra o fim do governo Dilma Rousseff e a posse de um presidente de seu partido (com ou sem eleições): “O impeachment da presidente Dilma é uma hipótese cada vez mais considerada entre os parlamentares. Fragilizada politicamente, ilhada pela corrupção em seu governo e pela crise na economia, pressionada pelas vozes das ruas e pela baixíssima popularidade, a presidente pode, sim, ser alvo de um irreversível processo de cassação” (Fonte: http://migre.me/qFIye).
No Congresso, Eduardo Cunha, líder da vanguarda do atraso, articula a mudança de regime – de presidencialismo para parlamentarismo – já acenando com sua candidatura ao cargo de Primeiro-Ministro. Na hipótese de Michel Temer não ser apeado da Vice-Presidência, ele seria o novo chefe de governo para implementar sua agenda mais urgente: a extinção do Estatuto do Desarmamento e a privatização do sistema prisional brasileiro. Isso fecha com o golpe político que ele e seu bando aplicaram quando aprovaram, ao arrepio do Regimento da Câmara e do rito Constitucional, a redução da maioridade penal 24h após terem sido derrotados.
Do front avançado de Curitiba, os delegados militantes tucanos da Polícia Federal do Paraná, em sintonia fina com o juiz Sérgio Moro, declaram: estamos vivendo a era da presunção de culpa, numa flagrante inversão do princípio democrático previsto na Constituição Federal (o ônus da prova caberia ao acusador). Moro segue protagonizando a espetaculosa onda de prisões preventivas transformadas em permanentes, num jogo sórdido à cata de delatores contra Dilma, Lula e o governo federal. Dura lex, sed lex – principalmente aos adversários. Aos “amigos” citados no processo, o silêncio da mídia e o afago do Ministério Público Federal. Ou seja, o dinheiro da empreiteira UTC (Ricardo Pessoa) para a campanha de Dilma/Temer é fruto de propina na Petrobras; a grana que a mesma empresa repassou aos cofres da campanha de Aécio Neves é “legal”.
Fechando a teia dos golpistas, o Diretor-Geral da Polícia Federal, Leandro Daiello, concede entrevista ao Estadão (ed. 05/07/15) e, entre outras pérolas, repete o mantra de uma nota só em relação às investigações do caso Petrobras: “Lava Jato prossegue, doa a quem doer” (Fonte: http://migre.me/qFKwQ). Para deixar claro seu papel na trama, como escreveu Ricardo Melo, “somos informados que na democracia da jabuticaba existem quatro poderes: o Executivo, o Legislativo, o Judiciário e a... Polícia Federal”. Indagado se o ministro da Justiça não seria seu superior hierárquico, Daiello respondeu com tom de provocação: “O ministro da Justiça é o responsável pela PF, mas na esfera administrativa. As ações da PF na esfera de investigação são feitas no limite da lei”. Ora, quem é a lei? A própria PF, na visão de seu Diretor-Geral, um poder que paira sobre os demais da República e só presta contas à mídia.
Do ponto de vista daqueles que acreditam na democracia como processo social e histórico, cujas regras devem ser preservadas a todo custo, apenas um solitário manifesto de militantes e intelectuais é divulgado (Veja a íntegra aqui: http://migre.me/qFKU0). Assinado por algumas centenas de entidades e militantes do campo progressista, o manifesto denuncia: “um consórcio entre forças políticas conservadoras, o oligopólio da mídia, setores do judiciário e da Polícia trabalham para quebrar a legalidade democrática. Aproveitam-se para isto de erros cometidos por setores democráticos e populares, entre os quais aqueles cometidos pelo governo federal. Os que assinam este Manifesto não confundem as coisas: estamos na linha de frente da luta por mudanças profundas no país, por outra política econômica, contra o ajuste fiscal e contra a corrupção. E por isto mesmo não aceitaremos nenhuma quebra da legalidade”. É muito pouco para conter a onda fascista.
Arguto observador da cena política, histórica e midiática brasileira, o jornalista e professor Nilson Lage escreveu em sua página no Facebook: “a mídia faz barulho, mas quem terá que dar o golpe é a cúpula do Judiciário que, preliminarmente, tratou de se premiar com salários principescos. A cartilha do golpe foi escrita nas faculdades de Direito, escolas de ideologia liberal em cujos cursos de graduação se formaram os quadros da meganha federal que rosna grosso”. No xadrez complexo da política nacional, existirá alguma saída de emergência para o governo Dilma Rousseff? A ver o movimento dos peões, torres, cavalos e bispos (alguns com assento no Congresso Nacional) nos próximos dias.
(*) Professor da Faculdade de Comunicação da UnB e pesquisador do Laboratório de Sociologia do Trabalho (LASTRO/UFSC) e objETHOS/UFSC

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