Haroldo Lima
Foi
muito positivo a Petrobras ter encerrado o ano de 2014 com dois feitos
retumbantes: no dia 16 de dezembro, na província do pré-sal, chegou a
extrair 700 mil bep, um recorde e, cinco dias depois, em 21 de dezembro,
outro recorde, o da produção diária de 2,3 milhões de bep. A grande
estatal mostrava, pela ação de seus 80 mil petroleiros, que não se
deixou alquebrar pela sanha das quadrilhas que a saqueavam.
O
desmonte do esquema corrupto que operava na Petrobras deve ser completo,
identificando responsáveis e punindo, de forma exemplar, os que agiam
dentro da Petrobras e fora dela, nas 23 empresas apontadas como
vinculadas ao esquema. Segundo um dos delatores, o esquema desbaratado
funcionava há quinze anos, por isso que tem de ser vasculhado em
profundidade.
No ambiente embaçado que nessas horas se forma,
correntes procuram aproveitar a oportunidade para agitar bandeiras
enfraquecedoras da Petrobras, como o fim da partilha da produção no
pré-sal e, “se couber”, a própria privatização da companhia. São
posições que nada têm a ver com a crise atual e tocam em pontos que
devem permanecer inalterados na estatal.
Contudo, quadrilhas se
estruturaram na Petrobras e seguramente criaram hábitos, costumes e
conceitos a serviço do saque, que funcionaram, “dentro das normas”, anos
a fio, sem despertar suspeita. É provável que tenha sido criada uma
“legalidade da fraude”, nas entranhas da empresa. A governança
revelou-se permeável à corrupção e por isso deve ser submetida à mais
rigorosa devassa. A Petrobras, as estatais brasileiras e todo o esquema
oficial que contrata o setor privado podem sair dessa crise devidamente
revitalizados e mais preparados para cumprir suas atribuições. Os
recordes apontados acima mostram que a Petrobras, livrando-se das
quadrilhas de falsários, pode dar monumental volta por cima.
O
processo de investigar crimes, punir culpados e impermeabilizar
estruturas vulneráveis ao furto correspondem ao interesse nacional, pois
que a Nação precisa de empresas fortes e saudáveis, públicas e
privadas, para se desenvolver.
No momento, organismos jurídicos e
políticos discutem procedimentos aplicáveis à situação. Dependendo do
que for feito, resultados diferentes ocorreriam. Isto nos permite
examinar cenários díspares que podem advir de caminhos legais em debate.
Um
cenário é o das 23 grandes empresas brasileiras, citadas na fase
investigatória, serem declaradas “inidôneas” e, por força de legislação
existente, ficarem impossibilitadas de firmar contratos com o poder
público. Aí, de uma só tacada, todas, ou quase todas as grandes empresas
brasileiras de construção pesada ficariam fora das grandes obras a
serem feitas no Brasil, praticamente todas contratadas pelo poder
público. Em consequência, essas grandes obras brasileiras seriam
“entregues” às empresas estrangeiras do ramo, enquanto as brasileiras,
mesmo com o prestígio internacional que têm, caminhariam para o
cadafalso. A desindustrialização precoce da economia brasileira
cresceria e com ela sua desnacionalização.
Nesse cenário, a
batalha contra a corrupção na Petrobras, mesmo que exitosa, teria dado
um fruto desastroso – o fim da indústria nacional de construção pesada,
ou sua transformação em um grupo de importância residual.
Apesar
de frequentemente essas grandes empreiteiras abusarem do poder que têm
no Brasil, sua liquidação seria um prejuízo para o país. Nisso ficamos
de pleno acordo com a posição expressa da presidenta Dilma. Seria uma
“ingênua” forma de combate à corrupção, que não levaria em conta as
repercussões para a Nação. Veríamos, constrangidos, o entusiasmo das
empresas estrangeiras assumindo sozinhas nossos maiores projetos.
Passaríamos a impressão de termos concluído que, pelo menos na
construção pesada, os empresários brasileiros são corruptos, e os
estrangeiros, vestais impolutos.
O outro cenário partiria da
convicção de que país algum se desenvolveu sem contar com indústrias
nacionais sólidas e reafirmaria a disposição de não abrir mão do
desenvolvimento como objetivo maior da nossa política. Repudiaria, como
balela, a ideia de que a Petrobras foi envolvida em corrupção por ser
estatal, como se, há pouco, fraudes monumentais não tivessem posto
abaixo a gigante americana de energia, a Enron, que não era estatal, e
que faliu em meio a escândalos, numerosos e graves, que levaram de
roldão outras tantas companhias. Defenderia, finalmente, que a punição
em pauta deve ser rigorosa com diretores e funcionários corruptos, da
estatal e das empresas privadas onde agiam, mas não poderia sacrificar
as forças produtivas empresariais, seu acúmulo, sua tecnologia e sua
força de trabalho.
A devastação a que se chegaria no primeiro
cenário, lembra-nos as palavras do oficial norte-americano William
Haley, após a destruição da aldeia My Lai no Vietnam: “foi necessário
destruí-la para salvá-la”. A situação a que se chegaria no segundo
cenário recorda-nos o adágio chinês que diz ser “necessário tratar a
doença para salvar o doente”.
O esquema corrupto que vai sendo
desmascarado mostrou tentáculos, ainda a serem comprovados, com
diretores de empresas, funcionários graduados, políticos. Delegados,
promotores e juízes têm dado as cartas até aqui. Quando interesses
nacionais começam a ser tocados, é hora de entrar em ação outras esferas
de Poder, para encontrar as fórmulas que garantam que a impunidade não
prevaleça, mas que tampouco os interesses nacionais sejam
desrespeitados.
Haroldo Lima – é consultor na área de petróleo e foi diretor-geral da Agência
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