No seminário
dos dez anos de governo do PT, realizado nesta 3ª feira, em Porto
Alegre, o ex-presidente Lula fez uma ponderação interessante:
‘Quando você ficar em dúvida, feche os olhos, imagine o que seria o Brasil de hoje sem os dez anos de governo do PT’.
Um bom começo é dar de barato que José Serra venceu as eleições em 2002 e seria reeleito em 2006, fazendo o sucessor em 2010.
Nesse Brasil imaginário, caso a Petrobras ainda resistisse, reservas imensas de petróleo seriam descobertas em 2009.
A
seis mil metros abaixo da superfície do oceano, o Brasil seria premiado
com uma poupança equivalente a 50 bilhões de barris. As maiores
descobertas de petróleo do século 21.
O que Serra faria com elas não é preciso imaginar.
Basta reler despachos de dezembro de 2009, da embaixada norte-americana no Brasil, revelados pelo WikiLeaks.
Matéria da ‘Folha de S.Paulo’, de 13/12/2010 transcreveu o teor desses documentos.
Neles,
o tucano explicita as consequências para o Brasil, caso as urnas de
2010 transformassem em realidade o país imaginário proposto por Lula.
Trechos da matéria da Folha intitulada ‘Petroleiras foram contra novas regras para pré-sal’:
“Segundo
telegrama do WikiLeaks, Serra prometeu alterar regras caso vencesse.
Assessor do tucano na campanha confirma que candidato era contrário à
mudança do marco regulatório do petróleo (realizada por Lula).
As
petroleiras americanas não queriam a mudança no marco de exploração de
petróleo no pré-sal que o governo aprovou no Congresso, e uma delas
ouviu do então pré-candidato favorito à Presidência, José Serra (PSDB), a
promessa de que a regra seria alterada caso ele vencesse.
“Deixa
esses caras [do PT] fazerem o que eles quiserem. As rodadas de
licitações não vão acontecer, e aí nós vamos mostrar a todos que o
modelo antigo funcionava… E nós mudaremos de volta”, disse Serra a
Patricia Pradal, diretora de Desenvolvimento de Negócios e Relações com o
Governo da petroleira norte-americana Chevron, segundo relato do
telegrama.
O texto diz que Serra se opõe ao projeto, mas não tem
“senso de urgência”. Questionado sobre o que as petroleiras fariam nesse
meio tempo, Serra respondeu, sempre segundo o relato: “Vocês vão e
voltam”.
A mudança no marco regulatório do pré-sal, que Serra
prometia reverter, restituiu à Petrobras o controle integral de todo o
processo de extração, refino e comercialização, esfarelado em 1997,
quando o PSDB rompeu o monopólio.
Desde então, a exploração
passaria a ser regida pelo modelo de concessão em que a empresa
vencedora dos campos licitados se torna a proprietária soberana de todo o
óleo.
Em síntese, o Estado deixa de exercer qualquer controle sobre o processo.
No
modelo de partilha do pré-sal, que teve oposição virulenta do
conservadorismo, a Petrobras ganhou duas vantagens: será a operadora
exclusiva dos campos e terá, no mínimo, 30% de participação nos
consórcios que exercerem a exploração.
O óleo extraído será dividido com o país. A presença direta da Petrobrás impedirá manipulações.
Mais
importante que tudo: a estatal definirá o ritmo da extração, de modo a
viabilizar a pedra basilar do novo marco regulatório.
A regra
de ouro consiste em tornar o pré-sal uma alavanca industrializante,
capaz de deflagrar um salto de inovação no parque fabril brasileiro.
Cerca
de 60% a 70% dos bens e equipamentos requeridos em todo o ciclo de
exploração terão que ser adquiridos de fabricante local.
O
fracasso desse modelo conta com uma poderosa torcida incrustrada em
diferentes setores da economia, da política e da mídia. Local e
internacional.
O Brasil que Lula convida a especular felizmente não aconteceu. Mas seus atores potenciais não desistiram de protagonizá-lo.
Um
fiasco da Petrobrás no pré-sal é tido por eles como o atalho capaz de
materializar a relação de forças que as urnas descartaram em 2002, 2006 e
2010.
Na 5ª feira da semana passada, o arguto José Serra
reafirmou essa esperança em um artigo no Estadão em que reitera a
incompatibilidade histórica do PSDB com o petróleo brasileiro. Trata-se
de uma espécie de atualização histórica do antagonismo entre a UDN e o
desenvolvimentismo.
O texto sugere o nome de Lula ao Guinness World Records.
Motivo:
o ex-presidente teria empurrado a Petrobrás a uma situação de
pré-insolvência, entre outras razões, por ter modificado a regulação
herdada do PSDB, no caso das reservas do pré-sal.
Trechos do artigo de Serra, publicado na edição de 09/05/2012 do jornal:
“Em
palestra recente afirmei que o ex-presidente Lula mereceria pelo menos
três verbetes no Guinness World Records. O primeiro por ter levado à
pré-insolvência a Petrobras, apesar de ser monopolista, a demanda por
seus produtos ser inelástica, os preços internacionais, altos e as
reservas conhecidas, elevadas. Fez a proeza de levar a maior empresa do
País à pior situação desde que foi criada, há 60 anos. Promoveu o
congelamento de seus preços em reais, instaurou uma administração de
baixa qualidade e conduziu a privatização da estatal em benefício de
partidos e sindicatos, com o PT no centro. Esse condomínio realizou
investimentos mal feitos e/ou estranhos, sempre a preços inflados;
queimou o patrimônio da Petrobras na Bolívia; promoveu previsões
irrealistas sobre o horizonte produtivo do pré-sal e fulminou, para essa
área, o modelo de concessão, trocando-o pelo de partilha, que exige da
empresa ampliação de capacidade financeira, administrativa e gerencial
impossível de se materializar”.
O tucano causou frisson na
rede conservadora, recebendo rasgados elogios daqueles que o consideram
dotado de um tirocínio econômico privilegiado.
Três dias depois de sepultada no mausoléu dos grandes fracassos nacionais, a Petrobrás ressuscitou no noticiário.
O
mármore da lápide onde o coveiro tucano gravou seu artigo do Estadão
dissolveu-se, então, sob o peso de US$ 11 bilhões de dólares.
A
montanha de dinheiro foi captada no mercado internacional com a venda de
seis tranches diferentes de títulos da Petrobrás, com vencimentos
variáveis que se estendem até 2043.
A demanda dos investidores internacionais teria alcançado US$ 40 bilhões, excesso que a estatal declinou.
Os
maiores bancos e fundos internacionais negligenciaram a perspicaz
avaliação do PSDB e de seu eterno presidenciável sobre a higidez
presente e futura da Petrobras, do Brasil e do modelo de extração do
pré-sal, que lastreia papeis com horizonte de vencimento de até 30
anos.
Não só. Nesta 3ª feira, infelizmente pelo modelo de
concessão ainda vigente em áreas externas ao pré-sal, dezenas de
empresas se apresentaram para arrematar campos leiloados pela Petrobras
em diferentes regiões brasileiras.
O investimento previsto é de R$ 7 bilhões.
O
que evidencia esse exercício frugal de rememoração, inspirado no
convite de Lula, é a frivolidade quase caricatural com que o PSDB e
seus ventríloquos torturam as palavras ‘desastre’, ‘fracasso’ e ‘crise’,
de modo a vesti-las no país e num governo, cujos flancos existem.
Mas,
por certo, não serão aqueles diagnosticados por Serra; e tampouco
passíveis de superação com a receita conhecida dos herdeiros do
udenismo.
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