A inundação de
imagens nesta era digital vem flexionando a realidade, que de
relacional pende cada vez mais para o imagístico. É o
fotográfico registrando o que já foi raro e transformando-o em
banal, pois quando sete bilhões de humanos disparam flashes
capturando o milissegundo no tempo – espaço significa que, ver
uma foto de alguém desfrutando de suas férias na praia será
igual a milhares de outras imagens semelhantes. Ver uma é ter
visto outras centenas sem jamais ter visto nenhuma outra.
Ainda assim, há algo de interessante no mundo das imagens, a
perspectiva de largura e altura. É o enquadramento, e por isso
o enclausuramento de quem foi fotografado, a imagem só faz
sentido presa em sua ótica.
Mas mude, por
um momento, o ângulo de visão. Deixe, por um segundo de focar
rostos e sorrisos, frentes e versos, sofrimentos ou alegrias
para suspender sua câmera imaginária a noventa graus, até que
a única coisa que possa ser vista seja o alto das cabeças
humanas como pequenos pontos salpicados por calçadas e
avenidas. Da clausura da imagem para a contemplação do homem
sem altura e sem profundidade. Que significação poderia se
atribuir a isso senão a distorção ótica que a sociedade da
imagem vem fazendo de sua própria infância?
De todo o
conjunto, da soma de um todo cujo resultado será a vida
humana, a infância é aquela parte da vida que menos
conhecemos. Mesmo entre especialistas o termo “infância” é
cercado de significados, consonâncias e dissonâncias. Sabemos
como nascemos desde a concepção do termo. Sabemos como o corpo
jovem se desenvolve junto à abstração cognitiva do aprendizado
e por fim, sabemos como morremos e assim abrimos mão da vida,
mesmo a contragosto. Mas como abstraímos as primeiras
informações e atribuímos a elas significado, isso se mantém
como foco de estudo científico-filosófico há mais de duzentos
anos. Não à toa as melhores propostas para essa fase da vida
vieram de Freud.
É o período
fálico do menino-Édipo que concorrerá com o pai pelo amor
indivisível da mãe. O impulso no desejo de matar o pai contido
pelo medo da castração e por fim, em algum momento, a
identificação paterna. Período conturbado e intenso do que,
para Freud, realiza-se a formação do aparelho psicológico.
Podemos retratar a vida, a morte. A juventude ou a velhice,
mas nenhuma imagem é capaz de dizer o que significa a
infância, nesse sentido somos todos pontinhos negros vistos de
cima. Iguais, sem profundidade e ainda no “raso” de toda uma
vida.
Nesse raso,
feitos completamente vulneráveis, e é nessa vulnerabilidade
que residem as maiores violações de direitos civis da história
humana. Do infanticídio de recém-nascidos considerados
imperfeitos desde tempos ancestrais aos atuais que ainda são
realizados em solo amazônico. Do trabalho escravo em minas de
carvão cujo combustível alimentou a revolução industrial às
lavouras de tabaco e as confecções “piratas” capitalistas
travestidas de comunismo até as crianças-soldado africanas as
quais não aparecem no jornal das oito, a infância é aquele
ponto obscuro, cano de descarga de todas as perversidades, mas
que são esquecidas na juventude das imagens cotidianas.
A infância
vista de cima não cresce, permanece como um ponto na calçada,
mas é tratada como vitrine de nossas esperanças, um eterno
amanhã o futuro de uma nação. Então, qual é o retrato, a
imagem da infância brasileira? É aquela analfabetizada e
beijada nas duas bochechas magras pelo candidato da vez.
Enclausurada na creche da esquina ou em casa onde faz a guarda
dos irmãos menores. A infância brasileira é um espectro
fantasmagórico que hora se apossa de um corpo são e que
repousa em berço esplêndido, hora agoniza na favela, aquela
mesmo ali vista da sua janela. Brasil infantil na democracia
do “eu não sei, não sabia e jamais saberei”. Infância perdida
em todas as nossas desigualdades, imagens não compartilhadas,
não curtidas, mas que estão ai, espalhadas em todas as nossas
casas legislativas re-eleitas para representar nossa própria
meninice.
A infância é
esta imagem vista de cima, o pontinho preto sem identificação.
Acovardada no terror da auto castração e da dor da vida
adulta. A boa notícia é que passa. O sujeito cresce, amadurece
e torna-se senhor de sua própria vida para finalmente
aparecer, ser fotografado e estampar o post de alguém e aí
perder-se de novo entre milhares outras imagens.
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Leonardo Alves de Lima nasceu em Barra Mansa cidade industrial do Sul do estado do Rio de Janeiro. Estudou em escola pública ingressando ainda jovem na indústria metalúrgica até se voluntariar em uma Organização Não Governamental de cunho humanitário. Casado, pai de dois filhos atualmente é gestor de conhecimento.
Leonardo Alves de Lima nasceu em Barra Mansa cidade industrial do Sul do estado do Rio de Janeiro. Estudou em escola pública ingressando ainda jovem na indústria metalúrgica até se voluntariar em uma Organização Não Governamental de cunho humanitário. Casado, pai de dois filhos atualmente é gestor de conhecimento.
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