quinta-feira, 16 de maio de 2013

Especulação fundiária (urbana e rural) e dependência externa constrangem o desenvolvimento

 Escrito por Guilherme C. Delgado
Quarta, 15 de Maio de 2013


Vou interpretar à minha maneira reflexões muito ricas, partilhadas por
vários colegas, sobre “Oportunidades e Desafios ao Desenvolvimento”,
seminário promovido pelo Instituto de Economia da UNICAMP juntamente com a
Plataforma de Política Social (de 7 a 9 de maio), reunindo dezenas de
pesquisadores do campo pluridisciplinar das políticas sociais. A dois
destes pesquisadores – Ermínia Maricato e Paulo Baltar – sou devedor de
“insights” brilhantes, colhidos em conversas diversas.



Sobre os dois fatores de constrangimento enunciados no título deste
artigo, ironicamente são os mesmos vetores que impeliram o crescimento da
economia no período recente (2004-2010) e que ora o embargam:



1) a especulação fundiária urbana, conduzida pelo investimento em
infraestrutura urbana (desregulada) e pela expansão da construção civil,
adicionadas à especulação imobiliária rural, provocada por uma peculiar
expansão das “commodities”, também desregulada e financeiramente
estimulada pelo sistema de crédito rural;



2) o ingresso maciço de capital estrangeiro, principalmente a partir de
2004, quando pelo desempenho das exportações, principalmente dos setores
primários, a economia brasileira passa a ser vista como solvável e
confiável, do ponto de vista do movimento internacional de capitais.



Observe-se que nos dois casos citados de melhoria na atratividade à
expansão econômica recente, o eixo motor é a valorização da riqueza
fundiária. Arrastam no primeiro momento a construção civil (setor urbano)
e agricultura, agroindústria e mineração no setor primário. Mas essa
expansão depende de maneira umbilical da renda fundiária e não
propriamente da inovação técnica e da produtividade industrial. E quando
essa renda bate no teto especulativo por ela própria instigado, como
parece ser o caso atual, os ‘setores produtivos’ por ela movidos tendem a
se atrofiar.



O outro fator de constrangimento ora sob análise – a dependência externa,
na forma como esta vem se manifestando – o déficit nas transações
externas, liga-se também de maneira visceral ao primeiro – a especulação
fundiária – passando forçosamente pelo enfraquecimento industrial, que
provavelmente é a causa oculta de todo esse processo vicioso. Vejamos como
isto se revela na conjuntura.



Se considerarmos o déficit nas transações externas como indicador de
dependência externa, veremos que este fator não é novo, nem
necessariamente sinônimo de constrangimento externo ao desenvolvimento.
Por isso precisamos qualificá-lo.



Há seis anos o país acumula persistente e crescente déficit nas transações
externas (2008-2013), depois de se livrar dele por curto período
(2003-2007), graças a um acelerado processo de incremento das exportações
primárias, mas também manufatureiras (num primeiro momento). Mas nos
últimos cinco anos tivemos um agravamento quantitativo e qualitativo desse
déficit, que é histórico nos “serviços” (dividendos, juros, viagens,
seguros, fretes etc.).



Triplica o déficit dos serviços e a este se adiciona no último triênio um
déficit muito forte no comércio de produtos manufaturados. Com tal
configuração do “déficit” externo, que este ano deve ultrapassar os 3% do
PIB, cerca de 60 bilhões de dólares, ficaremos ainda mais constrangidos
para crescer nos ramos e atividades que vínhamos nos especializando
recentemente:



a)                  o  setor primário exportador, relativamente
desacelerado, com certa retração das “commodities”;



b) a construção civil e a infraestrutura, desaceleradas pela especulação
imobiliária e pela fraqueza do investimento público;



c) o gasto social, vinculado aos benefícios monetários das políticas
sociais, que têm tido papel positivo na sustentação da demanda interna,
mas que ora vêm sendo vazado para o exterior em razão da crescente
dependência de importações também dos bens salários, distorção que ora vem
configurando até mesmo a renda do trabalho (efeito da
desindustrialização).



Em síntese, o sistema econômico e o sistema de direitos sociais cresceram
e distribuíram renda no período recente, o que é positivo. Mas como esse
crescimento se fez desvinculado do crescimento da produtividade
industrial, estando vinculado à riqueza fundiária e à dependência externa,
temos graves limites a resolver, sob pena da estagnação, conflito
distributivo e mais dependência externa.



Os desafios que estão postos não são fatalidades, mas constrangimentos
estratégicos de caráter estrutural e essencialmente políticos. Mas será
que governo e oposição leem a situação dessa forma? Ou continuam apostando
no jogo de cartas marcadas, que ora é ganho pelo grupo da estagnação
neoliberal, ora pelo neo-subdesenvolvimento – crescimento econômico
constrangido pela dependência e pela concentração da riqueza?



Pergunto para provocar reflexão ética e política.



Guilherme Costa Delgado é doutor em economia pela UNICAMP e consultor da
Comissão Brasileira de Justiça e Paz.



Nenhum comentário:

Postar um comentário