quinta-feira, 16 de maio de 2013

De queixo caído

Mino Carta
Surpresa. Espanto, até, colheu-me no fim da semana passada. Dia 3 de maio, ao participar de um evento sobre liberdade de imprensa, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, herói da mídia nativa, voltou-se contra quem o elevou à glória das páginas impressas. Não se deu por satisfeito: também condenou o racismo reinante no Brasil, de várias formas e maneiras.

Em San José da Costa Rica, onde se realizou o congresso promovido pela Unesco, ao longo de um discurso pronunciado em inglês, o ministro Barbosa disse coisas que melhor caberiam neste meu espaço semanal. Comentaram meus irônicos botões: “O homem roubou-lhe a fala”. Segundo Barbosa, os três jornalões brasileiros, Estadão, Folha e Globo, pecam pela “falta de pluralismo” e pela “fraca diversidade política e ideológica”.

Constatou o óbvio ao registrar que esta imprensa alinha-se sistematicamente de um lado só. A constatação não deixa, contudo, de ser audaciosa no seu desafio à casa-grande e aos seus porta-vozes, tanto mais por cair da boca do grão-mestre do julgamento do chamado “mensalão”. O qual não hesita em acentuar que os três principais diários brasileiros inclinam-se “para a direita no campo das ideias”.

As observações de Barbosa conduzem a uma conclusão: se a mídia é reacionária, reacionário é o ataque diuturno e concentrado contra quem governou o País nos últimos dez anos, Lula e Dilma. Quanto ao racismo, revela-se nas próprias redações. Não há negros em posições de liderança nos grupos de mídia, diz o magistrado, tampouco têm presença nos vídeos e no papel. No Brasil mais de 50% da população se compõe de negros e mulatos, “mas é como se não existissem no mercado das ideias”.

O racismo ganha, porém, outras provas, mais profundas e generalizadas, como se dá com o tratamento desigual reservado pela Justiça a brancos e negros. “As pessoas são tratadas de forma diferente – sublinha Barbosa –, de acordo com seu status, sua fortuna e a cor da sua pele: isso tudo tem um papel enorme no sistema judicial, especialmente em relação à impunidade.” De quem pode mais, está claro.

Pergunto aos meus irreverentes botões qual haverá de ser de agora em diante o comportamento reservado pela mídia nativa ao presidente do STF. Retrucam com o estribilho de um antigo e delicioso sambinha carnavalesco: “Sossega leão, sossega leão”. Percebo o sarcasmo dos incrédulos, algo assim como a certeza de que este mar não dá peixes.

Certo é que Barbosa já fez declarações similares em uma entrevista de tempos atrás a Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo. Desta vez, no entanto, foi mais ao fundo do assunto e foi bem claro na exposição diante de uma plateia internacional, a oferecer repercussão mais vasta. Resta a derradeira consideração dos botões, soprada entre dentes: “O ilustre prega bem, mas não parece agir em conformidade”. Encaro-os, entre atônito e perplexo, logo peço explicações. Lembram que Barbosa costuma ligar para o imortal Merval Pereira, uma das colunas mestras de O Globo, como o próprio se apressou a informar seus leitores, para oferecer pistas e esclarecimentos a respeito de temas diversos. Merval não é personagem-símbolo do jornalista negro e de esquerda.

Mino Carta é Jornalista e editor da revista Carta Capital

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