Luiz Carlos Bresser-Pereira
Alberto Moniz Bandeira foi um notável historiador brasileiro e um grande amigo que perdi. Eu o conheci em Paris, no início dos anos 1990, e ficamos imediatamente amigos, porque percebemos que tínhamos muita coisa em comum além de uma idade semelhante. Não nos conhecemos quando jovens, mas, cada um do seu lado, cada um de sua maneira, nós travamos uma luta comum pelo Brasil. E travamos essa luta como intelectuais públicos, como pessoas que valorizam a política, mas sentem que podem contribuir mais pelo país com suas ideias do que com a ação política em sentido estrito. Nossas ideias se somavam. Moniz sempre foi um nacionalista econômico, e jamais cessou de defender os interesses econômicos brasileiros principalmente em relação aos Estados Unidos – o nosso hegemon. Eu também sou um nacionalista econômico – um desenvolvimentista – que sabe que um país só tem condições de crescer e realizar o alcançamento se tiver um projeto nacional de desenvolvimento. Estávamos, portanto, juntos nessa luta. Como estávamos também juntos na luta pela democracia. Ele, mais diretamente, porque tornou-se amigo de João Goulart, e o acompanhou no exílio.
Quando nos encontramos, em 1990, a luta pela democracia já havia sido ganha, mas a luta pela nação brasileira estava sendo perdida. Democracia e nação são dois valores compatíveis, mas quando os militares, a partir de 1967, voltaram a adotar como política uma política desenvolvimentista e nacionalista, enquanto deixavam que a privilegiavam o investimento sobre o consumo, os intelectuais brasileiros que lutavam pela democracia reagiram se afastando do nacionalismo desenvolvimentista. Creio que supunham que o desenvolvimento econômico já estava assegurado, e que, a partir de então – dos anos 1970 – as prioridades eram agora a democracia e a diminuição das desigualdades. Essas são sempre prioridades, mas Moniz, como eu, tínhamos a convicção que o melhor caminho para a igualdade política e econômica é o desenvolvimento econômico, e que o Brasil só se desenvolverá se adotar as instituições e políticas necessárias para isto. Excetuados os Estados Unidos, são sempre os países mais ricos os mais democráticos e mais iguais. E todos eles, sem exceção, lograram realizar sua revolução industrial e capitalista quando usaram sua própria cabeça, ao invés de obedecer às recomendações dos países ricos, que não estão interessados no nosso desenvolvimento, mas do deles.
Moniz demonstrou em todos os seus livros enorme capacidade de pesquisa e extraordinária competência em selecionar os fatos históricos principais. Ele é sempre informativo e objetivo; escreve com estilo claro e conciso, raramente dando sua opinião. Mas nacionalismo econômico (jamais étnico) e seus valores morais estão com clareza no todo de cada livro.
Moniz foi um historiador do quase presente. Um dos seus temas preferidos foram as relações do Brasil com os países do Sul, historiada principalmente em O Eixo Argentina-Brasil: O Processo de Integração da América Latina (1987). Mas a história do imperialismo americano foi seu principal tema. Ela começa com Presença dos Estados Unidos no Brasil (1973), é continuada em Brasil-Estados Unidos: A Rivalidade Emergente - 1950-1988 (1989), em Formação do Império Americano (2005) e, finalmente, em A Segunda Guerra Fria (2014). Em todos esses livros está muito clara a dominação imperial exercida pelos Estados Unidos. Da resenha que escrevi de A Segunda Guerra Fria, publicada na Revista Estudos Avançados da USP, eu transcrevo um parágrafo nos ajuda a enter forma de fazer história de Moniz Bandeira:
“É através da definição das diretrizes maiores da política externa americana, que, nas setecentas páginas de seu livro, Moniz Bandeira monta o cenário no qual ele narra, com detalhe, as infinitas intervenções imperiais dos Estados Unidos no resto do mundo nos 20 anos seguintes ao ataque terrorista que sofreu: intervenção na Somália, na Argélia, intervenção “humanitária” em Kosovo, intervenção no golfo de Áden, nos países em torno do mar Cáspio, no Cáucaso, na Geórgia, na Ucrânia, no Afeganistão, no Egito, na Líbia. A construção de uma rede mundial de bases militares; o uso de mercenários contratados por grandes empresas privadas; a estratégia subversiva do professor Gene Sharp, implementada pelo governo George W. Bush (2004-2009); a desestruturação e violento retrocesso da Rússia sob o amigo Boris Yeltsin e sua recuperação sob a liderança do “inimigo”, Vladimir Putin; a estratégia para desagregar a China; o subsídio da CIA ao Dalai Lama; a invasão do Iraque; a intervenção na Síria; o significado escatológico da Grande Síria para o islamismo e seu papel explicando a entrada na guerra civil de grupos jihadistas inclusive a al-Qa’ida – o inimigo maior dos Estados Unidos”.
Há alguns anos a saúde de Moniz não estava boa, mas ele continuava a trabalhar ativa e duramente na Alemanha, onde morava com sua mulher, Margot, e seu filho. Há dois anos fui especialmente a Heidelberg com minha mulher para visitá-lo. Ele estava então escrevendo O Ano Vermelho: A Revolução Russa e Seus Reflexos no Brasil (2017). Conversando com ele pelo telefone há alguns meses, Moniz me disse que estava trabalhando em outro livro. Ele era incansável. Ele trabalhava sempre com fatos, que ele pesquisava e recolhia. Preferia os fatos às análises gerais. Mas esta emergia da história que ele narrava sempre com vigor e clareza. Eu perdi um amigo, o Brasil perdeu um grande historiador e intelectual público.
Alberto Moniz Bandeira morreu em 10 de novembro de 2014 em Heidelberg.
Alberto Moniz Bandeira foi um notável historiador brasileiro e um grande amigo que perdi. Eu o conheci em Paris, no início dos anos 1990, e ficamos imediatamente amigos, porque percebemos que tínhamos muita coisa em comum além de uma idade semelhante. Não nos conhecemos quando jovens, mas, cada um do seu lado, cada um de sua maneira, nós travamos uma luta comum pelo Brasil. E travamos essa luta como intelectuais públicos, como pessoas que valorizam a política, mas sentem que podem contribuir mais pelo país com suas ideias do que com a ação política em sentido estrito. Nossas ideias se somavam. Moniz sempre foi um nacionalista econômico, e jamais cessou de defender os interesses econômicos brasileiros principalmente em relação aos Estados Unidos – o nosso hegemon. Eu também sou um nacionalista econômico – um desenvolvimentista – que sabe que um país só tem condições de crescer e realizar o alcançamento se tiver um projeto nacional de desenvolvimento. Estávamos, portanto, juntos nessa luta. Como estávamos também juntos na luta pela democracia. Ele, mais diretamente, porque tornou-se amigo de João Goulart, e o acompanhou no exílio.
Quando nos encontramos, em 1990, a luta pela democracia já havia sido ganha, mas a luta pela nação brasileira estava sendo perdida. Democracia e nação são dois valores compatíveis, mas quando os militares, a partir de 1967, voltaram a adotar como política uma política desenvolvimentista e nacionalista, enquanto deixavam que a privilegiavam o investimento sobre o consumo, os intelectuais brasileiros que lutavam pela democracia reagiram se afastando do nacionalismo desenvolvimentista. Creio que supunham que o desenvolvimento econômico já estava assegurado, e que, a partir de então – dos anos 1970 – as prioridades eram agora a democracia e a diminuição das desigualdades. Essas são sempre prioridades, mas Moniz, como eu, tínhamos a convicção que o melhor caminho para a igualdade política e econômica é o desenvolvimento econômico, e que o Brasil só se desenvolverá se adotar as instituições e políticas necessárias para isto. Excetuados os Estados Unidos, são sempre os países mais ricos os mais democráticos e mais iguais. E todos eles, sem exceção, lograram realizar sua revolução industrial e capitalista quando usaram sua própria cabeça, ao invés de obedecer às recomendações dos países ricos, que não estão interessados no nosso desenvolvimento, mas do deles.
Moniz demonstrou em todos os seus livros enorme capacidade de pesquisa e extraordinária competência em selecionar os fatos históricos principais. Ele é sempre informativo e objetivo; escreve com estilo claro e conciso, raramente dando sua opinião. Mas nacionalismo econômico (jamais étnico) e seus valores morais estão com clareza no todo de cada livro.
Moniz foi um historiador do quase presente. Um dos seus temas preferidos foram as relações do Brasil com os países do Sul, historiada principalmente em O Eixo Argentina-Brasil: O Processo de Integração da América Latina (1987). Mas a história do imperialismo americano foi seu principal tema. Ela começa com Presença dos Estados Unidos no Brasil (1973), é continuada em Brasil-Estados Unidos: A Rivalidade Emergente - 1950-1988 (1989), em Formação do Império Americano (2005) e, finalmente, em A Segunda Guerra Fria (2014). Em todos esses livros está muito clara a dominação imperial exercida pelos Estados Unidos. Da resenha que escrevi de A Segunda Guerra Fria, publicada na Revista Estudos Avançados da USP, eu transcrevo um parágrafo nos ajuda a enter forma de fazer história de Moniz Bandeira:
“É através da definição das diretrizes maiores da política externa americana, que, nas setecentas páginas de seu livro, Moniz Bandeira monta o cenário no qual ele narra, com detalhe, as infinitas intervenções imperiais dos Estados Unidos no resto do mundo nos 20 anos seguintes ao ataque terrorista que sofreu: intervenção na Somália, na Argélia, intervenção “humanitária” em Kosovo, intervenção no golfo de Áden, nos países em torno do mar Cáspio, no Cáucaso, na Geórgia, na Ucrânia, no Afeganistão, no Egito, na Líbia. A construção de uma rede mundial de bases militares; o uso de mercenários contratados por grandes empresas privadas; a estratégia subversiva do professor Gene Sharp, implementada pelo governo George W. Bush (2004-2009); a desestruturação e violento retrocesso da Rússia sob o amigo Boris Yeltsin e sua recuperação sob a liderança do “inimigo”, Vladimir Putin; a estratégia para desagregar a China; o subsídio da CIA ao Dalai Lama; a invasão do Iraque; a intervenção na Síria; o significado escatológico da Grande Síria para o islamismo e seu papel explicando a entrada na guerra civil de grupos jihadistas inclusive a al-Qa’ida – o inimigo maior dos Estados Unidos”.
Há alguns anos a saúde de Moniz não estava boa, mas ele continuava a trabalhar ativa e duramente na Alemanha, onde morava com sua mulher, Margot, e seu filho. Há dois anos fui especialmente a Heidelberg com minha mulher para visitá-lo. Ele estava então escrevendo O Ano Vermelho: A Revolução Russa e Seus Reflexos no Brasil (2017). Conversando com ele pelo telefone há alguns meses, Moniz me disse que estava trabalhando em outro livro. Ele era incansável. Ele trabalhava sempre com fatos, que ele pesquisava e recolhia. Preferia os fatos às análises gerais. Mas esta emergia da história que ele narrava sempre com vigor e clareza. Eu perdi um amigo, o Brasil perdeu um grande historiador e intelectual público.
Alberto Moniz Bandeira morreu em 10 de novembro de 2014 em Heidelberg.
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