Por Luiz Gonzaga Belluzzo e Gabriel Galípolo
O nacionalismo xenófobo de Donald Trump nos Estados Unidos, o referendo sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia, a tensão entre a Alemanha e a política monetária do senhor Mario Draghi na Zona do Euro, o Japão à beira da recessão e a desaceleração chinesa são sintomas dos achaques e estertores que acometem o arranjo geoeconômico erigido nos últimos 40 anos.
Desde
o fim dos anos 1970, a reestruturação do capitalismo, ora em risco,
envolveu mudanças profundas no modo de operação das empresas, na
integração dos mercados e, sobretudo, nas relações entre o poder da
finança e a soberania do Estado.
O
verdadeiro sentido da globalização é o acirramento da concorrência
entre empresas, trabalhadores e nações, inserida em uma estrutura
financeira global monetariamente hierarquizada, comandada pelo poder do
dólar.
Sob os auspícios do capital financeiro
e de um sistema monetário internacional capenga, ocorreu a brutal
centralização do controle das decisões de produção, localização e
utilização dos lucros em um núcleo reduzido de grandes empresas e
instituições financeiras à escala mundial. A centralização do controle
impulsionou e foi impulsionada pela fragmentação espacial da produção.
A
convergência entre a centralização do controle pela finança, a
fragmentação espacial da produção e a centralização do capital
financeiro alterou profundamente a estratégia da grande empresa.
Até
os anos 1960 do século XX, a Revolução dos Gerentes estava comprometida
com a obsessão pelo crescimento da grande empresa no longo prazo.
Dotada de uma estrutura burocrática hierarquizada, a grande corporação
abrigava com segurança os blue collars no chão de fábrica e, nos
escritórios, acomodava a classe média white collar em bons empregos e
saudáveis remunerações.
Naqueles
tempos, a cada 12 dólares gastos na compra de máquinas ou construção de
novas fábricas, apenas 1 dólar era despendido com os dividendos pagos
aos acionistas. Nas décadas seguintes, a proporção começou a se
inverter: mais dividendos, menos investimento nas fábricas e na
contratação de trabalhadores.
A
associação de interesses entre gestores e acionistas estimulou a compra
das ações das próprias empresas com o propósito de valorizá-las e
favorecer a distribuição de dividendos.
A
isso se juntam a febre das fusões e aquisições, o planejamento
tributário nos paraísos fiscais, o afogadilho das demonstrações
trimestrais de resultados e as aflições das tesourarias de empresas e
bancos, açoitadas com o guante da marcação a mercado.
A
migração das empresas para as regiões onde prevalecem relações mais
favoráveis entre produtividade, câmbio e salários desatou a “arbitragem”
com os custos salariais e estimulou a flexibilização das relações de
trabalho, na verdade a desqualificação e eliminação de trabalhadores
impostas pelo avanço das tecnologias da informação e da automação na
indústria e nos serviços. A evolução do regime do “precariato”
constituiu relações trabalhistas que se desenvolvem sob as práticas da
flexibilidade do horário.
A flexibilização das relações trabalhistas
não só subordinou o crescimento da renda das famílias ao aumento das
horas trabalhadas, como aprisionou definitivamente os gastos de consumo
ao endividamento.
O circuito de formação da renda na economia como um todo começa a falhar. O desemprego
e a queda dos rendimentos dos trabalhadores reduzem o gasto das
empresas no pagamento de salários e também desestimulam a aquisição de
meios de produção de outras empresas.
Em seu livro The Road To Recovery, o economista Andrew Smithers demonstra que, no período de 1981 a 2009, o investimento das empresas privadas calculado sobre o PIB
caiu 3 pontos porcentuais nas economias desenvolvidas. O investimento
deixou de apresentar o comportamento cíclico de outros tempos em que os
gastos com Capex acompanhavam as flutuações da economia.
Assim, a grande empresa contemporânea move a economia capitalista na direção da concentração da riqueza e da renda.
Enredada nas armadilhas da acumulação financeira e enfiada no pântano
da liquidez curto-prazista, empurra a economia global para a estagnação
secular, falhando com grande escândalo em sua capacidade de gerar
empregos. Um curto-circuito nas cadeias de geração e de apropriação do
valor.
As
evidências indicam que a dinâmica da economia mundial aponta mudanças
estruturais que descortinam uma nova fase, edificada entre tropelias e
contradições. O ranger de dentes levou o FMI a questionar, neste mês, as ideias e princípios do neoliberalismo econômico.
O artigo “Neoliberalism: Oversold?”
aborda especificamente os efeitos de duas políticas inscritas na agenda
da globalização neoliberal, a remoção das restrições ao movimento de
capitais (liberalização das contas de capital) e a consolidação fiscal
(“austeridade” para reduzir déficits fiscais e o nível da dívida).
O
estudo afirma que alguns influxos de capitais, como investimento direto
estrangeiro, parecem impulsionar o crescimento no longo prazo, mas o
impacto de investimentos de portfólio e, especialmente, de influxos de
aplicações especulativas de curto prazo não estimula o crescimento e
muito menos garante um financiamento estável do balanço de pagamentos.
A
ocorrência, desde 1980, de aproximadamente 150 convulsões com influxos
de capitais em mais de 50 mercados emergentes credencia a reivindicação
do economista de Harvard Dani Rodrik
de que esses “dificilmente são efeitos ou defeitos secundários nos
fluxos de capital internacional, eles são a história principal”.
Segundo o estudo, as políticas de austeridade
não só geram substanciais custos ao bem-estar pelos canais da oferta,
como deprimem a demanda e o emprego. A noção de que a consolidação do
orçamento pode ser expansionista (isto é, aumenta o crescimento e o
emprego), por elevar a confiança do setor privado e o investimento, não
se confirmou na prática.
Episódios
de consolidação fiscal foram seguidos por reduções mais do que
expansões no crescimento. Na média, a consolidação de 1% do PIB eleva a taxa de desemprego
em 0,6% no longo prazo, e o Coeficiente de Gini (concentração de renda)
em 1,5% dentro de cinco anos. O estudo conclui que os benefícios das
políticas da agenda neoliberal aparentemente foram um pouco exagerados.
No
aguardo de dias melhores e prestes a ser banido de quase todas as
economias do globo, o neoliberalismo procura exílio em um país tropical
com vista para o Atlântico.
CartaCapital: 09/06/2016.
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