Por Marcos Coimbra, na revista Carta Capital
Ninguém discorda de que o Brasil atravessa uma grave crise institucional.
Uma Constituição remendada a toque de caixa, os Três Poderes
questionados e em conflito, corporações a impor seus privilégios e
opiniões, interesses privados se assenhoreando do Estado. Agora que
estamos a apenas dez meses da próxima eleição presidencial, um sintoma é
nítido: apesar de estar tão perto, é impossível dizer o que ela, de
fato, representará. Nunca havíamos vivido situação como esta.
São duas as possibilidades: ou bem será uma eleição decisiva, na qual o Brasil terá oportunidade de avaliar sua trajetória moderna e escolher como avançar, ou não passará de encenação. A eleição de 2018 pode ser de verdade ou de mentira, e até agora não identificamos o que realmente será.
Qualquer um, do mais humilde eleitor ao especialista notável, sabe do que falamos: a eleição será uma com a participação de Lula e outra, completamente diferente, se o ex-presidente for impedido de disputá-la. Em todos os sentidos. No processo que nos conduz a ela, no modo como vai ser realizada e, muito especialmente, nas suas consequências.
De início, é bom ter claro que a maioria da sociedade quer a participação de Lula. Como mostram as pesquisas, reduz-se a um terço a parcela da opinião pública que deseja que ele seja proibido de concorrer.
Os dois terços que querem vê-lo na eleição são um contingente maior do que os que pretendem votar em seu nome. Incluem, portanto, gente que não pode ser considerada lulista, que não possui vínculo partidário ou simpatiza com ele. Muitos dos que respondem que Lula deve participar são apenas cidadãos que prezam a democracia e não concordam com a exclusão de uma candidatura como a dele pelos motivos alegados.
É um resultado extraordinário, considerado o imenso esforço dos adversários do ex-presidente para deslegitimá-lo. Estamos no fim do quinto ano de uma campanha incessante, que começou em 2013 e se tornou uma caçada sem tréguas de 2015 para cá. Na linha de frente, as brigadas do corporativismo estatal, do Judiciário, do Ministério Público e do aparato policial, de braços dados com os veículos de comunicação da elite econômica. Talvez não tenha havido um só dia, nesses cinco anos, sem que uns fabricassem (ou requentassem) denúncias e acusações e outros procurassem fazer o maior alarido possível com elas.
Não funcionou. O efeito de todo esse esforço, durante todo esse tempo, foi apenas convencer o terço antilulista e antipetista da sociedade daquilo de que estava convencido. A maioria do País continua a não concordar com sua exclusão, por apreço por ele ou pela democracia.
A maioria da população gosta de Lula e o admira. “Muito” diz um terço, “em parte” afirma um segundo. Só responde que “não gosta dele e não o admira” o terço restante. O sentimento positivo é grande, apesar da campanha negativa, e explica por que prevalece o desejo de que seja candidato. O apoio a Lula, mostram os estudos, é maior no povo do que nas classes médias e na elite. Aqueles que mais o admiram são os mais pobres, de menor escolaridade, residentes em municípios pequenos e em regiões menos desenvolvidas.
Não são, no entanto, os únicos e suas preferências não são tão diferentes daquelas de outras parcelas do eleitorado. Hoje, Lula lidera as pesquisas de intenção de voto e mostra índices positivos de imagem na quase totalidade das segmentações.
Está na frente nas cinco regiões, em todos os tipos de cidades, em zonas rurais e urbanas, entre jovens, adultos e eleitores maduros, entre mulheres e homens. Seus piores resultados podem ser vistos até como motivo de orgulho: empatar com Jair Bolsonaro entre aqueles com educação superior e renda elevada diz muito mais contra tais indivíduos do que revela fragilidades de sua candidatura.
O profundo enraizamento popular da imagem e da intenção de voto em Lula é sua força substantiva, mas é sua fraqueza para alguns. Nenhuma liderança em nossa história conseguiu o que ele alcançou: ser visto, durante tanto tempo, como fundamentalmente confiável por uma parcela tão grande da população. Quem acha que a base dessa relação é uma espécie de “pacto utilitarista”, com epicentro no bolso do cidadão, não entende os fundamentos de sua imagem. Não é somente porque ganhou mais dinheiro quando Lula estava no governo que tanta gente gosta dele e quer vê-lo de volta ao Planalto.
Essa força popular é, no entanto, tratada pelo pensamento reacionário brasileiro como se fosse uma vergonha. De Fernando Henrique Cardoso, com sua desqualificação do voto dos “menos informados”, ao mais grosseiro antilulismo encontrado atualmente na internet, nossa elite e suas adjacências são incapazes de reconhecer que o povo tem atitudes e comportamentos racionais. Que, por exemplo, prefere Lula sopesando aspectos positivos e negativos de sua atuação e características.
A vantagem de Lula nas pesquisas é mais que um número. Dizer que “tem 40%” significa que 45 milhões de brasileiros provavelmente votariam nele no primeiro turno, eleitores que o conjunto da sociedade tem de respeitar e que se decidiram levando em consideração os fatores que acreditam ser relevantes. Nenhum é menos qualificado do que qualquer outro, independentemente de terem preferências diferentes.
Um pedaço da vasta base social do lulismo é formado por gente radicalmente favorável ao ex-presidente. Para elas, Lula está certo em tudo, não tem defeitos e não merece críticas. É um contingente significativo, mas minoritário. Só os mal informados supõem que “os lulopetistas são fanáticos”.
Nas pesquisas atuais, é possível perceber o que pensa a maioria. Para mais da metade do eleitorado, Lula pode não ter sido um presidente ideal. Mas é “o melhor presidente que o Brasil já teve” e quem achar que isso é pouco que pergunte a qualquer outro se não adoraria ser julgado dessa maneira.
Lula não é um homem “sem defeitos”. É apenas, para 57% dos entrevistados na mais recente pesquisa CUT/Vox Populi, alguém “com mais qualidades do que defeitos”.
Lula não fez unicamente coisas certas quando foi presidente, mas fez, para 61%, “mais coisas certas do que erradas”. Quando colocam na balança seus acertos e erros ao longo da vida, a maioria não acredita que ele só tenha acertado. Mas 63% entendem que ele “fez muito mais coisas certas pelo povo brasileiro e o Brasil”, enquanto somente 29% afirmam que “errou muito mais que acertou”.
Lula pode não ser (e não é), para a ampla maioria da população, um político “perfeito”. Mas é o melhor que ela conhece.
Essa opinião consolidou-se no último ano, contado desde a chegada ao poder de Michel Temer. Todo o esforço da mídia para fazer com que Lula e o PT se tornassem símbolos da mais nefasta corrupção caiu por terra com os acontecimentos após a deposição de Dilma Rousseff.
A desmoralização das forças que se uniram no impeachment foi instantânea. Temer, os amigos que levou para o governo e os líderes do PMDB mostraram o que sempre foram. Nenhuma liderança do PSDB sobreviveu. No Congresso, ninguém adquiriu autoridade. Se alguém achava que as coisas iam mal com Dilma, viu que podiam piorar.
Não é somente por isso que Temer logo se tornou o mais impopular dos presidentes de nossa história, afundando quem dele se aproximou. A principal razão é a ausência de elementos administrativos que sirvam de contraponto a seu passivo moral. Para a população, Temer não apenas não é honesto, mas nada faz de bom.
De 2016 em diante, as pesquisas apontaram que, aos olhos do povo, as qualidades de Lula cresceram e seus defeitos ficaram menos importantes. A agenda fortemente antipopular de Temer valorizou suas administrações, fazendo com que os cidadãos se lembrassem de épocas melhores.
As acusações contra ele foram relativizadas pelos encontros subterrâneos, as negociatas gravadas, as malas cheias de notas e as conversas pedindo dinheiro. Apequenaram-se as denúncias montadas por seus adversários ostensivos no Judiciário e no Ministério Público, fundadas em suas próprias convicções e referendadas por delações questionáveis.
A força atual de Lula é uma evidência de que são frágeis, para a ampla maioria da população, a acusação e a base jurídica para impedir sua candidatura. Se os eleitores estivessem convencidos de que é culpado de crimes graves, seriam os primeiros a não querer que disputasse o pleito.
Uma eleição da qual o principal candidato não pode participar, por motivos com os quais a população não concorda, não é uma eleição de verdade.
Se esse candidato é visto com carinho e admiração pela maioria, mais ainda. Se é amplamente majoritária a opinião de que foi um bom presidente, que fez bons governos, ainda mais. Se a minoria impuser ao País uma eleição sem Lula, ela não passará de simulacro.
Uma eleição encenada não conseguirá nos tirar da crise institucional que vivemos. Seu vencedor será fraco, com baixa liderança e baixa capacidade de mobilizar o País, alguém que lá chegou somente graças a manobras de tapetão. Para vencer ou ser derrotado, o Brasil precisa de uma eleição com Lula.
São duas as possibilidades: ou bem será uma eleição decisiva, na qual o Brasil terá oportunidade de avaliar sua trajetória moderna e escolher como avançar, ou não passará de encenação. A eleição de 2018 pode ser de verdade ou de mentira, e até agora não identificamos o que realmente será.
Qualquer um, do mais humilde eleitor ao especialista notável, sabe do que falamos: a eleição será uma com a participação de Lula e outra, completamente diferente, se o ex-presidente for impedido de disputá-la. Em todos os sentidos. No processo que nos conduz a ela, no modo como vai ser realizada e, muito especialmente, nas suas consequências.
De início, é bom ter claro que a maioria da sociedade quer a participação de Lula. Como mostram as pesquisas, reduz-se a um terço a parcela da opinião pública que deseja que ele seja proibido de concorrer.
Os dois terços que querem vê-lo na eleição são um contingente maior do que os que pretendem votar em seu nome. Incluem, portanto, gente que não pode ser considerada lulista, que não possui vínculo partidário ou simpatiza com ele. Muitos dos que respondem que Lula deve participar são apenas cidadãos que prezam a democracia e não concordam com a exclusão de uma candidatura como a dele pelos motivos alegados.
É um resultado extraordinário, considerado o imenso esforço dos adversários do ex-presidente para deslegitimá-lo. Estamos no fim do quinto ano de uma campanha incessante, que começou em 2013 e se tornou uma caçada sem tréguas de 2015 para cá. Na linha de frente, as brigadas do corporativismo estatal, do Judiciário, do Ministério Público e do aparato policial, de braços dados com os veículos de comunicação da elite econômica. Talvez não tenha havido um só dia, nesses cinco anos, sem que uns fabricassem (ou requentassem) denúncias e acusações e outros procurassem fazer o maior alarido possível com elas.
Não funcionou. O efeito de todo esse esforço, durante todo esse tempo, foi apenas convencer o terço antilulista e antipetista da sociedade daquilo de que estava convencido. A maioria do País continua a não concordar com sua exclusão, por apreço por ele ou pela democracia.
A maioria da população gosta de Lula e o admira. “Muito” diz um terço, “em parte” afirma um segundo. Só responde que “não gosta dele e não o admira” o terço restante. O sentimento positivo é grande, apesar da campanha negativa, e explica por que prevalece o desejo de que seja candidato. O apoio a Lula, mostram os estudos, é maior no povo do que nas classes médias e na elite. Aqueles que mais o admiram são os mais pobres, de menor escolaridade, residentes em municípios pequenos e em regiões menos desenvolvidas.
Não são, no entanto, os únicos e suas preferências não são tão diferentes daquelas de outras parcelas do eleitorado. Hoje, Lula lidera as pesquisas de intenção de voto e mostra índices positivos de imagem na quase totalidade das segmentações.
Está na frente nas cinco regiões, em todos os tipos de cidades, em zonas rurais e urbanas, entre jovens, adultos e eleitores maduros, entre mulheres e homens. Seus piores resultados podem ser vistos até como motivo de orgulho: empatar com Jair Bolsonaro entre aqueles com educação superior e renda elevada diz muito mais contra tais indivíduos do que revela fragilidades de sua candidatura.
O profundo enraizamento popular da imagem e da intenção de voto em Lula é sua força substantiva, mas é sua fraqueza para alguns. Nenhuma liderança em nossa história conseguiu o que ele alcançou: ser visto, durante tanto tempo, como fundamentalmente confiável por uma parcela tão grande da população. Quem acha que a base dessa relação é uma espécie de “pacto utilitarista”, com epicentro no bolso do cidadão, não entende os fundamentos de sua imagem. Não é somente porque ganhou mais dinheiro quando Lula estava no governo que tanta gente gosta dele e quer vê-lo de volta ao Planalto.
Essa força popular é, no entanto, tratada pelo pensamento reacionário brasileiro como se fosse uma vergonha. De Fernando Henrique Cardoso, com sua desqualificação do voto dos “menos informados”, ao mais grosseiro antilulismo encontrado atualmente na internet, nossa elite e suas adjacências são incapazes de reconhecer que o povo tem atitudes e comportamentos racionais. Que, por exemplo, prefere Lula sopesando aspectos positivos e negativos de sua atuação e características.
A vantagem de Lula nas pesquisas é mais que um número. Dizer que “tem 40%” significa que 45 milhões de brasileiros provavelmente votariam nele no primeiro turno, eleitores que o conjunto da sociedade tem de respeitar e que se decidiram levando em consideração os fatores que acreditam ser relevantes. Nenhum é menos qualificado do que qualquer outro, independentemente de terem preferências diferentes.
Um pedaço da vasta base social do lulismo é formado por gente radicalmente favorável ao ex-presidente. Para elas, Lula está certo em tudo, não tem defeitos e não merece críticas. É um contingente significativo, mas minoritário. Só os mal informados supõem que “os lulopetistas são fanáticos”.
Nas pesquisas atuais, é possível perceber o que pensa a maioria. Para mais da metade do eleitorado, Lula pode não ter sido um presidente ideal. Mas é “o melhor presidente que o Brasil já teve” e quem achar que isso é pouco que pergunte a qualquer outro se não adoraria ser julgado dessa maneira.
Lula não é um homem “sem defeitos”. É apenas, para 57% dos entrevistados na mais recente pesquisa CUT/Vox Populi, alguém “com mais qualidades do que defeitos”.
Lula não fez unicamente coisas certas quando foi presidente, mas fez, para 61%, “mais coisas certas do que erradas”. Quando colocam na balança seus acertos e erros ao longo da vida, a maioria não acredita que ele só tenha acertado. Mas 63% entendem que ele “fez muito mais coisas certas pelo povo brasileiro e o Brasil”, enquanto somente 29% afirmam que “errou muito mais que acertou”.
Lula pode não ser (e não é), para a ampla maioria da população, um político “perfeito”. Mas é o melhor que ela conhece.
Essa opinião consolidou-se no último ano, contado desde a chegada ao poder de Michel Temer. Todo o esforço da mídia para fazer com que Lula e o PT se tornassem símbolos da mais nefasta corrupção caiu por terra com os acontecimentos após a deposição de Dilma Rousseff.
A desmoralização das forças que se uniram no impeachment foi instantânea. Temer, os amigos que levou para o governo e os líderes do PMDB mostraram o que sempre foram. Nenhuma liderança do PSDB sobreviveu. No Congresso, ninguém adquiriu autoridade. Se alguém achava que as coisas iam mal com Dilma, viu que podiam piorar.
Não é somente por isso que Temer logo se tornou o mais impopular dos presidentes de nossa história, afundando quem dele se aproximou. A principal razão é a ausência de elementos administrativos que sirvam de contraponto a seu passivo moral. Para a população, Temer não apenas não é honesto, mas nada faz de bom.
De 2016 em diante, as pesquisas apontaram que, aos olhos do povo, as qualidades de Lula cresceram e seus defeitos ficaram menos importantes. A agenda fortemente antipopular de Temer valorizou suas administrações, fazendo com que os cidadãos se lembrassem de épocas melhores.
As acusações contra ele foram relativizadas pelos encontros subterrâneos, as negociatas gravadas, as malas cheias de notas e as conversas pedindo dinheiro. Apequenaram-se as denúncias montadas por seus adversários ostensivos no Judiciário e no Ministério Público, fundadas em suas próprias convicções e referendadas por delações questionáveis.
A força atual de Lula é uma evidência de que são frágeis, para a ampla maioria da população, a acusação e a base jurídica para impedir sua candidatura. Se os eleitores estivessem convencidos de que é culpado de crimes graves, seriam os primeiros a não querer que disputasse o pleito.
Uma eleição da qual o principal candidato não pode participar, por motivos com os quais a população não concorda, não é uma eleição de verdade.
Se esse candidato é visto com carinho e admiração pela maioria, mais ainda. Se é amplamente majoritária a opinião de que foi um bom presidente, que fez bons governos, ainda mais. Se a minoria impuser ao País uma eleição sem Lula, ela não passará de simulacro.
Uma eleição encenada não conseguirá nos tirar da crise institucional que vivemos. Seu vencedor será fraco, com baixa liderança e baixa capacidade de mobilizar o País, alguém que lá chegou somente graças a manobras de tapetão. Para vencer ou ser derrotado, o Brasil precisa de uma eleição com Lula.
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