quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

O pré-sal e a política econômica do petróleo: coração do motivo do golpe que retirou o PT do governo federal


por Maria Luiza Alencar Mayer Feitosa, no GGN

Cada um fala daquilo que lhe é mais próximo. De minha formação acadêmica interdisciplinar, transitando entre as áreas de História, Direito e Economia, extraio alguns posicionamentos para traçar rápido paralelo entre  Economia e Política pelo viés do Direito, significa que vou falar de política econômica, nomeadamente no período histórico decorrido ao longo do século XX. Tudo isso para chegar aos governos do Partido dos Trabalhadores, ao golpe que tirou Dilma Roussef do poder e dos processos judiciais contra o ex-Presidente Luiz Ignácio da Silva, ponderando os impactos que a exclusão da candidatura de Lula ao pleito de 2018, por essa via, causam sobre a democracia brasileira.

Começo afirmando que a presença do Estado no domínio econômico dá-se, em geral, por meio da regulamentação e\ou da regulação de políticas econômicas. Política econômica é, pois, a junção da política com a economia através do Direito, para compatibilizar fins e meios, com objetivos previamente traçados. Sua natureza é múltipla, com ênfase inicial para as abordagens pública ou privada. Na imbricação dessas esferas, relevam, por exemplo, as políticas orçamentárias, que manipulam as despesas públicas; tributárias, no âmbito da arrecadação de receitas; e monetárias, que realizam a gestão do custo e da quantidade de moeda corrente, assim como a política de juros, de crédito, entre outras.
Políticas econômicas podem também ser vistas nas vertentes socioeconômicas. Neste caso, o Estado compatibiliza aspectos econômicos e sociais, garantindo direitos, caso das políticas trabalhistas, previdenciárias, ambientais, consumeristas etc. Em um caso e noutro, a duração das políticas econômicas pode ser pontual (conjuntural ou circunstancial), que cuida de fatores ocorridos em dado momento; e de vida longa (ou estrutural), como as políticas de superação das desigualdades sociorregionais, a política industrial, a política ambiental, e outras planejadas para o médio ou longo prazo, de modo a interferir na estrutura e construir bases econômicas.

As políticas econômicas se relacionam com o Direito e com outros fatores, como a democracia, por exemplo, através de ligações sistêmicas, em regime de mútuas influências. As políticas econômicas privadas (lideradas pelo grande capital, assim como aquelas ditadas pelos entes internacionais) influenciam as políticas econômicas públicas e podem enfraquecer o Estado, causando descrença à Democracia.

No caso dos países periféricos (inclusive aqueles conhecidos como países em desenvolvimento ou emergentes), as políticas socioeconômicas são ditadas pelo grande capital. Duas regras se destacam nesse contexto: em primeiro lugar, os países periféricos não são livres para impor a política econômica no seu próprio território porque na geopolítica mundial, uns mandam e outros obedecem; em segundo lugar, considerados os agentes ou players mercado, Estados e sociedade civil (nacional ou internacional), nada na política econômica é neutro, tudo é contaminado por interesses dos poderosos sobre os vulneráveis.

As políticas econômicas traçadas pelo Estado encontram seus fins, objetivos e princípios estabelecidos pelos Textos Constitucionais. Os ramos do direito que lidam com a tal política econômica são vários, com destaque para o Direito Constitucional e o Direito Econômico e seus desmembramentos. No Brasil, a partir da Constituição de 1934, as Constituições econômicas (ou o trecho da Constituição dedicado à política econômica) são consideradas dirigentes, ou programáticas e idealistas. A Constituição é vista como ideário, “programa para o futuro”, cujo sentido é dar força e substrato jurídico para as mudanças sociais.

Os principais nomes do dirigismo constitucional no mundo ocidental são os alemães Peter Lerche, que criou o conceito de Constituição Dirigente, e Konrad Hesse, da ideia de força normativa da Constituição, e o português Joaquim Gomes Canotilho, que ampliou o conceito, afirmando que, não somente os capítulos disciplinadores da economia, mas todo o texto constitucional é dotado de impulso dirigente. Estes são exemplos da teoria material (social) da Constituição econômica.

No Brasil, a Carta Constitucional de 1988, que este ano faz 30 anos, foi votada por uma assembleia constituinte derivada, quando o país saía da ditadura e quando o neoliberalismo ditava as regras nos países do bloco dominante (Ronald Reagan, de 1981 a 1989, e Margareth Thatcher, de 1979 a 1990). Aprovamos uma carta híbrida, ora dirigente pro-mercado, ora pro-societatis.

O primeiro Governo sólido e duradouro depois da CF de 88 foi o de Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, que consolidou as chamadas reformas de primeira e segunda gerações, voltadas para a garantia da estabilidade do mercado e para as privatizações. O escandaloso processo de privatizações, conhecido como “privataria tucana”, revoltou o país e permitiu avançar a coalisão de forças de centro que elegeu Lula, líder popular com formação de centro-esquerda, como Presidente do país. Lula garante a paz com o grande mercado, enquanto, em paralelo, implementa a geração social das políticas econômicas, todavia, repita-se, sem romper com o mercado.

O programa de governo de Lula realizava os objetivos constitucionais fundamentais da República Federativa do Brasil, quais sejam construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização; reduzir as desigualdades sociais e regionais, entre outros. Lula propõe um tipo de desenvolvimentismo inclusivo (em contraponto desenvolvimentismo misto de feições preponderantemente monetaristas do período anterior), enfrentando o chamado "desafio furtadiano" ("Brasil: A Construção Interrompida", de Celso Furtado), que pugnava como grande tarefa do Estado brasileiro, a superação do subdesenvolvimento ou a superação de sua condição periférica.

Em termos de política econômica, um acontecimento importante marcou os anos Lula e o mercado internacional, rompendo com o pacto representado pelo slogan "Lula Paz e Amor". Trata-se da descoberta de petróleo nas águas ultra profundas do litoral brasileiro, o chamado pré-sal, e a requintada tecnologia de exploração, no ano de 2007, assim como, em 2009, o anúncio e a aprovação do novo marco regulatório do petróleo no país. A ideia era dar prioridade no processo à Petrobras, transformada em uma das maiores petrolíferas do mundo, com papel estratégico do produto para o desenvolvimento nacional, representado  na aprovação da Lei do Fundo Social e outras, no conjunto do que Lula chamou de “passaporte para o futuro”.

Era o fim da aliança com o mercado. No entanto, em 2010, Lula, com 86% de popularidade, elegeu sua sucessora, Dilma Roussef, de perfil menos negociador do que Lula, e que, em face da crise financeira internacional, inicia 2011 com dificuldades. O pacto entreguista começa a se desenhar. Por essa época, furtaram dois computadores da Petrobras, Rio de Janeiro, aqueles que possuíam os segredos do pré-sal, e avança sobre o Brasil os processos de espionagem denunciados por Julian Assange (caso Wikileaks) e Edward Snowden (caso da rede de espionagem dos EUA). Para completar, Dilma rompe com o lulismo que satisfazia ao mercado, quando forçou, em 2013, a redução dos juros da dívida à casa dos 7%, tendo que depois recuar.

As jornadas de junho de 2013 dão o mote final. Ali, como diz Roberto Amaral, o ovo da serpente estava se formando, debaixo dos nossos olhos. Nós participamos dos protestos! A crítica não vai aos protestos, mas à falta de compreensão sobre o processo e com quem nos aliávamos. Todos (governo, oposição de esquerda, movimentos sociais e lideranças políticas, salvo exceções) estávamos enganados. Consideramos pacificados os conflitos, garantidos ad eternum direitos que se conquistam na luta diária (Bobbio diz que os direitos nunca são conquistados todos de uma vez, tampouco de uma vez por todas) e vencidas as históricas contradições do capitalismo.

O fato é que os governos populares, quando tinham condições para tanto, deixaram de realizar três importantes reformas - política, fiscal e da mídia. Descuidaram das 9 indicações feitas ao Supremo Tribunal Federal.

Em 2014, vieram a copa do mundo e as eleições. Dilma, vaiada nos estádios de futebol e vilipendiada pelas acusações diárias na grande mídia, foi reeleita. Para surpresa e horror da elite, que também se enganou ao não calcular os votos do Brasil profundo, beneficiado pelos programas de recuperação social, como o Luz para Todos, Minha Casa, minha Vida, Bolsa Família e outros.
Perderam as eleições e declararam guerra.

A partir de 2014 mesmo, dois processos JURÍDICOS paralelos nos assombram: a) o processo parlamentar congressual, judicial e midiático do impeachment, que começou em 2014, quando o candidato derrotado duvidou do resultado das urnas eletrônicas e anunciou oposição sem tréguas – ela deveria sangrar viva; a oposição fez a Presidência da Câmara, Eduardo Cunha; a Presidenta cedeu ao mercado ao nomear Joaquim Levy, representante dos interesses dos setores que pediam austeridade social, como Ministro da Fazenda. A coisa toda desaguou naquele show de horrores, que foi a votação do impeachment na Câmara dos Deputados - o que veio depois tratou apenas de manter as aparências legais porque a definição se deu ali, naquele circo.

Por sua vez, a Operação Lava Jato, que começara em março de 2014 (antes das eleições), na 13.ª Vara Criminal Federal de Curitiba, para apurar desvios justamente na Petrobras, tinha um juiz coordenador que regular e estranhamente viaja aos EUA para fazer cursos. Nesse cenário, parte da imprensa anuncia que documentos do governo dos EUA, vazados pelo Wikileaks, revelam o treinamento de Sergio Moro e mostram como os trabalhos do juiz federal e da Lava Jato sofrem influência daquele país.

A Lava Jato é transformada numa longa novela nacional, diariamente exibida nos noticiários da grande mídia, com destaque privilegiado para a TV Globo, desdobrada em quase 50 fases, e títulos criativos, no conjunto de Ações que envolvem a Polícia Federal e o Ministério Público Federal, como Operação Poço Seco, Operação Cobra, Operação Abate, Operação Asfixia e muitos outros. Do julgamento de desvios ocorridos na Petrobras, a instância federal de Curitiba migrou para representar o canal de derrubada do governo Dilma, depois, para exterminar o PT, e, mais recentemente, no conduto para impedir a candidatura de Lula às eleições presidenciais de 2018.

Depois do impeachment exitoso, o Governo substituto, a esta altura, fatiou e privatizou a Petrobras e afrontou de morte o Estado desenvolvimentista. Voltamos ao mais cruel monetarismo. Na estatal criada por Vargas, e representante do orgulho nacional, venderam os campos, abriram para as empresas estrangeiras, retiraram o protagonismo da Petrobras na política de petróleo e a última medida foi isentar de todos os impostos federais as petrolíferas estrangeiras. Não se diz aqui que não havia desvios e erros contábeis, o que se diz é que eles deram o mote para a ação internacional de quebrar a ousadia brasileira de querer figurar entre os sócios de um clube fechado aos periféricos  (o das maiores exploradoras de petróleo e gás do planeta) .

Não há dúvidas de que tudo é um jogo. O fato é que nenhum dos processos era contra a corrupção: nem o impeachment tampouco a lava jato.

E onde está hoje o Direito e a tal Constituição Dirigente e Democrática? Rasgada e jogada às feras, pela própria toga. Podemos ter alguma esperança nos guardiães da Constituição? Não. É preciso recordar sempre o que disse o Senador Romero Jucá, do PMDB, braço direto de Temer: "com o Supremo, com tudo". Ninguém hoje guarda ou garante a Constituição com constância e firmeza. O STF mais parece uma constelação ou um arquipélago – 11 estrelas ou 11 ilhas, com uma que se destaca sobre as outras por sua coragem e perversão, o Ministro Gilmar Mendes, nomeado por FHC e representante destemido dos interesses do PSDB.

O governo, sem o controle do judiciário (que deveria defender os direitos constitucionalmente assegurados) e aliado ao pior Congresso de todos os tempos, entrega o Brasil de bandeja, ao gosto do cliente. Foram aprovadas leis e reformas, como a reforma trabalhista; a EC que congela por vinte anos os investimentos públicos para financiamento da Saúde, Educação e Previdência Social; o perdão de dívidas bilionárias; e a caríssima reforma da previdência em curso, entre muitas outras. Leis e medidas destinadas a quebrar conquistas sociais e o pacto desenvolvimentista da CF.

Nesse contexto, a Constituição dirigente deve morrer completamente, melhor, ser abortada em sua utopia desenvolvimentista. O modelo dirigente que, lá atrás, quando foi pensado, desconfiava do legislador, visto que desejava encontrar um meio de vincular, positiva ou negativamente, o legislador à constituição, hoje, além de desconfiar do legislador, precisa desconfiar do Judiciário, o super-poder, que interfere como e quando lhe é conveniente, sobre o Executivo e sobre o Legislativo. Esse protagonismo ilegal atinge o postulado moderno da separação, independência e harmonia dos poderes do Estado.

O golpe afundou o Estado de Direito e hoje avança sobre a democracia. 2018 é ano de eleições, mas, para a elite econômica e midiática do Brasil, deve acontecer sem que Lula possa disputar, para não ocorrer a surpresa desagradável da eleição de 2014. O encarregado de tirar Lula do páreo foram a Operação Lava Jato e o Judiciário federal. Há um roteiro prefixado: a) impedir a eleição de Lula (ou quem quer que conteste o atual establishment; b) caso seja eleito um oposicionista, o presidencialismo e os poderes do presidente da República devem ser esvaziados e implantado, mediante Emenda constitucional, sem consulta popular, um tipo esdrúxulo de semipresidencialismo à moda tupiniquim.

Nesse cenário, a democracia brasileira não interessa mais ao bloco conservador.  Para ele, como lembra Boaventura Santos, a via da regra democrática das maiorias é tratada como “tirania das maiorias”. Para evitar isso, a fórmula é colocar sob suas ordens o órgão de soberania menos dependente do jogo democrático e especificamente desenhado para proteger as minorias, qual seja, os tribunais.

Por último, o que Lula tem melhor do que outros que não pode ser condenado e por que dizem que ELEIÇÃO SEM LULA É FRAUDE? Porque não há crime, não há motivo e não há isenção no julgamento. Na verdade, há o chamado "law fare", ou o uso político do poder judiciário para perseguir alguém a quem se atribui pulverizada culpa pela corrupção no país. Há um convencimento aprioristico e, no caso da Lava Jato,  há a instrumentalização do processo para garantir o desfecho de condenação.
As investigações e os processos abertos contra Lula não observam as mais básicas garantias constitucionais, como, por exemplo:
a) Lula foi levado coercitivamente INDEVIDAMENTE;
b) houve devassa na sua individualidade, com sua intimidade (e de seus familiares) brutalmente violada;
c) foi desrespeitado seu direito de defesa – pela não aceitação, pelo juiz do caso, de juntada de provas, porque o juiz “desconfiava” das provas, em face de sua “convicção”;
d) está sendo julgado por um juízo de exceção, portanto atingido o seu direito ao julgamento justo e imparcial, visto que o caso de Lula em julgamento não possui qualquer vinculação com o processo da Lava Jato.

Em suma, a espinha dorsal da acusação não sobrevive, visto que nao se prova nenhum ato concreto de Lula, na condição de Presidente da Republica, para beneficiar a OAS. Não solicitou nem recebeu qualquer vantagem indevida, o que afasta o crime de corrupção passiva.

Em 2011, o apartamento foi dado em garantia de dívida da OAS, pela própria construtora, à Caixa Econômica Federal. Significa que está onerado, somente podendo ser acionado para pagar dívidas da Construtora, fato que ocorreu esta semana, por um juízo cível de Brasília, ou seja, o juízo criminal de Curitiba condenou Lula, com base em uma prova oral (sic) sobre a propriedade de um imóvel, sendo que uma juíza cível da vara de execuções, no Distrito Federal, penhorou o mesmo imóvel para pagar dívidas da construtora OAS. Significa que o imóvel é de propriedade da OAS. Lula não pode ser condenado por auferir uma vantagem que comprovadamente não recebeu.

Este é o enredo. A ópera bufa do impeachment vai chegando ao clímax. O ponto alto será o dia 24 de janeiro, quando ocorrerá o julgamento de Lula pelo TRF 4, em Porto Alegre. Assim como em  O Fantasma da Ópera, o clímax é a parte na qual o fantasma pede que Christine escolha entre um escorpião e um gafanhoto, no nosso caso, querem colocar para nossa escolha Luciano Huck e Bolsonaro. Só nos resta reagir!
Maria Luiza Alencar Mayer Feitosa - Doutorado em Direito Econômico, pela Universidade Coimbra, concluído em 2005; Pós-doutorado em Estado e Sociedade pela UFSC (Universidade Federal da Santa Catarina), concluído em 2011; Ex-Diretora da Faculdade de Direito da UFPB (2013 a 2016); Professora titular e docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas da UFPB 


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