Por Beatriz Cerqueira
Após 12 dias do rompimento das duas barragens de rejeitos da
Samarco/Vale/BHP, em Mariana, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais
(ALMG) realizou a primeira audiência pública, em Belo Horizonte, para
debater o assunto.
Em tese, seria o momento para que deputados estaduais ouvissem os
atingidos pela tragédia e órgãos do governo e de fiscalização colhessem
informações para os trabalhos da Comissão Especial recém-criada.
Mas a audiência se transformou na mais demagógica atividade
protagonizada por nossos políticos. Era uma audiência conjunta com a
Câmara dos Deputados. Mas estes, após tirar fotos, dar entrevistas à
imprensa e falar primeiro, foram embora.
Tiveram o mesmo comportamento no dia anterior, na cidade de Mariana,
durante a audiência da Comissão de Direitos Humanos: falaram, não
ouviram ninguém e foram conduzidos pelas mãos bondosas da Samarco para
conhecer o local da tragédia.
Na capital mineira, assistimos a uma deprimente reunião conduzida de
modo a não ter efeito nenhum, apesar do esforço isolado de alguns
deputados comprometidos com os movimentos sociais.
Ouvimos o Ministério Público falar em “acidente” e se vangloriar de um Termo de Ajustamento de Conduta com
o qual a mineradora rapidamente concordou para melhorar sua imagem e
cujos termos todos desconheciam. Ouvimos também o representante do
Governo de Minas dizer que não podemos “satanizar” as mineradoras.
Poucos prestaram atenção quando uma convidada explicou que a empresa
errou ao calcular os possíveis impactos do rompimento de barragem,
considerando que atingiria apenas o distrito de Bento Rodrigues e não
outras dez localidades, além de toda a bacia do Rio Doce.
Poucos se importaram com a fala do representante dos trabalhadores,
que denunciou desconhecer as condições a que estão submetidos os 20
trabalhadores que estão na linha de frente da barragem de Germano, que
está trincada.
Aliás, quem informou quantos trabalhadores estavam desaparecidos foi
a empresa, livremente, sem qualquer fiscalização, pois ela impede que
se tenha acesso à informações detalhadas.
Os deputados não entenderam nada do que o Padre Geraldo disse, de que
é preciso respeitar os atingidos, os verdadeiros protagonistas dessa
história. Só que, infelizmente, os protagonistas foram os próprios
deputados, na maioria preocupados em falar e não em ouvir.
Enquanto isso o povo atingido está nas mãos da Samarco, que atua
livremente em Mariana e região. Onde está o Estado? Ainda não chegou. A
Samarco já está presente, contrariando o lamento da deputada desavisada
que reclamou da suposta ausência da Samarco. O desconhecimento da
realidade leva a equívocos assim.
A Samarco está mais presente do que nunca: demitiu no dia anterior à
audiência 90 trabalhadores terceirizados, dos quais muitos já eram
vítimas da tragédia, pois suas famílias perderam tudo na lama.
A Samarco controla todo o acesso aos atingidos que estão nos hotéis e pousadas da cidade, impedindo que se organizem livremente.
A Samarco reúne-se com os atingidos sem nenhuma proteção do poder
público. Nas horas das infinitas reuniões com a população, não há
Ministério Público nem Governo do Estado presentes e os movimentos
sociais são impedidos de acompanhar.
A Samarco controla a cena do crime e chega a selecionar quais
jornalistas podem entrar. Assim como controla o acesso da população ao
Comando de Operações da Defesa Civil e do Corpo de Bombeiros, que
funciona dentro da sede da empresa.
Livremente, a Samarco chantageia a cidade de Mariana pelo poder
econômico e pelos impactos que a suspensão do seu trabalho na região
causará, como se não tivesse que dar assistência à cidade por todos os
prejuízos causados.
Pelo que se vê, muita gente já está dando retorno ao investimento que
as mineradoras fizeram nas eleições de 2014. Na verdade, quem está
pagando esta conta é povo!
Beatriz Cerqueira é presidenta da CUT/MG e coordenadora-geral do Sind-UTE/MG
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