sábado, 28 de novembro de 2015

Economia, barbárie e revolução

Juliano Giassi Goularti
Doutorando em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia da UNICAMP

A sociedade contemporânea chegou a seu estágio de barbárie. Assiste a exacerbação de um movimento dúplice, marcado, por um lado pela financeirização da riqueza e, por outro, pela mercadorização de tudo aquilo que possa ser transformado em valor de troca. A difusão dessa relação social acentuaram as formas de (des)sociabilidade. De modo paralelo, a transformação das relações sociais que atualmente marca o estilo de vida da humanidade ultrapassa o espírito de solidariedade. A heterogeneidade estrutural da sociedade capitalista, acompanhada da difusão do progresso técnico, do desenvolvimento econômico e do crescimento urbano, valoriza a cultura da segregação. O resultado desse modo metabólico que põe a economia na frente da política é a reprodução desigual, na qual sua produção é a barbárie.
Uma sociedade proliferadora de desigualdades e geradora de injustiça sobrepõe-se aos princípios da solidariedade. O fetiche as novas formas de existência do capital permite manipular as relações sociais a ponto de aguçar a segregação social. Não por menos temos a explosão da violência nas periferias e centro das cidades. Assim, ao efetivarem-se os gostos e as necessidades ofertadas pelo bazar do fetiche do american way of life, os homens foram triturados e transformados em massa pelo “moinho satânico”. O fetiche em buscar novas formas de gerar riqueza não pode existir sem o abalo das relações sociais. Neste caso, isto é, no contexto socioeconômico de nossa época, o aprimoramento dos meios de produção (processo e produto), os shopping centers do consumo[1] e a acumulação real e fictícia arrastaram a humanidade para a civilização da barbárie.
Com o desenvolvimento industrial e posterior do mercado financeiro, a economia ganhou poder e fortaleceu o status subordinado da sociedade a sua semelhança. Partindo do princípio de Marx e Engels[2] que a “sociedade civil é o verdadeiro lar e palco de toda a história”, uma sociedade que tem 2,2 bilhões de pessoas vivendo em situação de pobreza, outros 800 milhões estão em risco de pobreza, e, além disso, cerca de 1,5 bilhão de trabalhadores (metade da força de trabalho mundial) têm postos de trabalho informais ou precários[3], é a história da barbárie. A práxis do homem em construir a evolução histórica da economia e da sociedade que explora os materiais, capitais e força de produção modificou as relações sociais a ponto suprimir a liberdade, a democracia e os direitos sociais básicos. Não suspeita que o objetivo das relações sociais de produção e consumo especificamente capitalistas seja de privar o homem dos fatos históricos conforme definido por Marx e Engels na Ideologia Alemã.
As desigualdades sociais e os antagonismos entre os homens é resultado da expansão e exploração capitalista no tempo e no espaço. A liberdade de comércio, a formação do mercado mundial, a divisão social do trabalho e a metamorfose da riqueza é senão o desenvolvimento da contradição e da violência. A expulsão dos camponeses da terra, as legislações sanguinárias, a acumulação primitiva e a acumulação via espoliação não teria ocorrido sem as intervenções do monopólio da violência, o Estado. Diz o velho ditado que não é possível fazer omeletes sem quebrar ovos. A segregação, a violência, a destruição criativa e as novas combinações, seja pela acumulação primitiva ou por espoliação é uma necessidade permanente que imprimi sua marca à era capitalista. A questão é que o capitalismo ao produzir e gerar contradição gera também sua própria negação.
A partir do ano que vem, os recursos acumulados pelo 1% mais rico do planeta (80 pessoas) ultrapassarão a riqueza do resto da população. A riqueza desse 1% da população subiu de 44% do total de recursos mundiais em 2009 para 48% no ano passado. Em 2016, esse patamar pode superar 50% ou 3,5 bilhões de cidadãos, se o ritmo atual de crescimento for mantido. O relatório divulgado pela Oxfam alerta que o valor pode ser ainda maior devido ao fato de que a maior parte da população rica mantém contas escondidas em paraísos fiscais. Enquanto isso relatório da Unicef e a obra de Mike Davis[4] apontam que uma em cada três pessoas no mundo (2,4 bilhões) ainda não têm acesso a serviços de saneamento básico e água potável, 78% dos habitantes urbanos dos países subdesenvolvidos moram em favelas e nas cidades do Cairo/Egito 1 milhão de pobres usam sepulturas como módulos habitacionais pré-fabricados e de Mumbai/Índia 1 milhão de pessoas morram em calçadas.
Paralelo a Unicef, Oxfam e Mike Davis, o relatório do Acnur mostra que o deslocamento global provocado por guerras civil, conflitos, perseguições e fome atingiu em 2014 um nível recorde de 59,5 milhões de pessoas. Numa posição de proa num sistema repressivo, violento e desigual, expansão imperialista por espoliação segue um ritmo acelerado e uma tendência de concentração. O prelúdio da Revolução Industrial e Financeira se deu à custa de um longo processo de desintegração. A metáfora do “moinho satânico” que transforma homens em massa de Karl Polanyi[5] é a expressão concreta da economia de mercado. O progresso à custa da desarticulação social é espantoso apontam os relatórios. A (des)sociabilidade provocada pela barbárie humana é tão sombria quanto as imagens das trevas. O Estado que possui graus de autonomia e resulta do bloco de poder das frações de classe poderia minimizar tamanha barbárie. Porém, pegando o termo emprestado de Mike Davis, estamos presenciando uma “traição do Estado”.
As relações econômicas dadas pela financeirização da riqueza e pela mercadorização de tudo aquilo que possa ser transformado em valor de troca, destrói o tecido social e arruína a humanidade. Assim, a forma de coletivização dos direitos e garantias fundamentais necessariamente passa pela utopia da revolução que destrua o antagonismo das relações sociais vigentes. Isso passa pela tributação progressiva, confisco dos paraísos fiscais, abolição do direito de herança, estatização do monopólio e oligopólio, distribuição equitativa da renda e da terra, acesso digno a moradia e acesso aos direitos sociais básicos. Isso pode até parecer utopia, mas são elas que me movem!


[1] Recomendo a leitura do livro de Valquíria Padilha; Shopping Center: a catedral das mercadorias.
[2] A ideologia alemã.
[3] Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
[4] Planeta Favela.
[5] A grande transformação: as origens de nossa época.

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