Juliano Giassi Goularti
Doutorando
em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia da UNICAMP
A sociedade
contemporânea chegou a seu estágio de barbárie. Assiste a exacerbação de um
movimento dúplice, marcado, por um lado pela financeirização da riqueza e, por outro, pela mercadorização de tudo aquilo que possa ser transformado em valor
de troca. A difusão dessa relação social acentuaram as formas de (des)sociabilidade.
De modo paralelo, a transformação das relações sociais que atualmente marca o
estilo de vida da humanidade ultrapassa o espírito de solidariedade. A
heterogeneidade estrutural da sociedade capitalista, acompanhada da difusão do
progresso técnico, do desenvolvimento econômico e do crescimento urbano,
valoriza a cultura da segregação. O resultado desse modo metabólico que põe a
economia na frente da política é a reprodução desigual, na qual sua produção é
a barbárie.
Uma sociedade
proliferadora de desigualdades e geradora de injustiça sobrepõe-se aos
princípios da solidariedade. O fetiche as novas formas de existência do capital
permite manipular as relações sociais a ponto de aguçar a segregação social. Não
por menos temos a explosão da violência nas periferias e centro das cidades. Assim,
ao efetivarem-se os gostos e as necessidades ofertadas pelo bazar do fetiche do
american way of life, os homens foram
triturados e transformados em massa pelo “moinho satânico”. O fetiche em buscar
novas formas de gerar riqueza não pode existir sem o abalo das relações
sociais. Neste caso, isto é, no contexto socioeconômico de nossa época, o
aprimoramento dos meios de produção (processo e produto), os shopping centers do consumo[1] e
a acumulação real e fictícia arrastaram a humanidade para a civilização da
barbárie.
Com o desenvolvimento
industrial e posterior do mercado financeiro, a economia ganhou poder e
fortaleceu o status subordinado da
sociedade a sua semelhança. Partindo do princípio de Marx e Engels[2]
que a “sociedade civil é o verdadeiro lar e palco de toda a história”, uma
sociedade que tem 2,2 bilhões de pessoas vivendo
em situação de pobreza, outros
800 milhões estão em risco de pobreza, e, além disso, cerca de 1,5 bilhão de
trabalhadores (metade da força de trabalho mundial) têm postos de trabalho
informais ou precários[3],
é a história da barbárie. A práxis do
homem em construir a evolução histórica da economia e da sociedade que explora
os materiais, capitais e força de produção modificou as relações sociais a
ponto suprimir a liberdade, a democracia e os direitos sociais básicos. Não
suspeita que o objetivo das relações sociais de produção e consumo
especificamente capitalistas seja de privar o homem dos fatos históricos
conforme definido por Marx e Engels na Ideologia
Alemã.
As desigualdades
sociais e os antagonismos entre os homens é resultado da expansão e exploração
capitalista no tempo e no espaço. A liberdade de comércio, a formação do
mercado mundial, a divisão social do trabalho e a metamorfose da riqueza é
senão o desenvolvimento da contradição e da violência. A expulsão dos
camponeses da terra, as legislações sanguinárias, a acumulação primitiva e a
acumulação via espoliação não teria ocorrido sem as intervenções do monopólio
da violência, o Estado. Diz o velho ditado que não é possível fazer omeletes
sem quebrar ovos. A segregação, a violência, a destruição criativa e as novas
combinações, seja pela acumulação primitiva ou por espoliação é uma necessidade
permanente que imprimi sua marca à era capitalista. A questão é que o
capitalismo ao produzir e gerar contradição gera também sua própria negação.
A partir do ano que vem, os recursos acumulados pelo
1% mais rico do planeta (80 pessoas) ultrapassarão a riqueza do resto da
população. A riqueza desse 1% da população
subiu de 44% do total de recursos mundiais em 2009 para 48% no ano passado. Em
2016, esse patamar pode superar 50% ou 3,5 bilhões de cidadãos, se o ritmo
atual de crescimento for mantido. O relatório divulgado pela Oxfam alerta que o
valor pode ser ainda maior devido ao fato de que a maior parte da população
rica mantém contas escondidas em paraísos fiscais. Enquanto isso relatório da
Unicef e a obra de Mike Davis[4]
apontam que uma em cada três pessoas no
mundo (2,4 bilhões) ainda não têm acesso a serviços de saneamento básico e água
potável, 78% dos habitantes urbanos dos países subdesenvolvidos moram em
favelas e nas cidades do Cairo/Egito 1 milhão de pobres usam sepulturas como
módulos habitacionais pré-fabricados e de Mumbai/Índia 1 milhão de pessoas
morram em calçadas.
Paralelo
a Unicef, Oxfam e Mike Davis, o relatório do Acnur mostra que o deslocamento
global provocado por guerras civil, conflitos, perseguições e fome atingiu em
2014 um nível recorde de 59,5 milhões de pessoas. Numa posição de proa num
sistema repressivo, violento e desigual, expansão imperialista por espoliação
segue um ritmo acelerado e uma tendência de concentração. O prelúdio da
Revolução Industrial e Financeira se deu à custa de um longo processo de
desintegração. A metáfora do “moinho satânico” que transforma homens em massa de
Karl Polanyi[5] é a expressão concreta da
economia de mercado. O progresso à custa da desarticulação social é
espantoso apontam os relatórios. A (des)sociabilidade provocada pela barbárie humana
é tão sombria quanto as imagens das trevas. O Estado que possui graus de
autonomia e resulta do bloco de poder das frações de classe poderia minimizar
tamanha barbárie. Porém, pegando o termo emprestado de Mike Davis, estamos
presenciando uma “traição do Estado”.
As relações econômicas
dadas pela financeirização da riqueza
e pela mercadorização de tudo aquilo
que possa ser transformado em valor de troca, destrói o tecido social e arruína
a humanidade. Assim, a forma de coletivização dos direitos e garantias
fundamentais necessariamente passa pela utopia da revolução que destrua o
antagonismo das relações sociais vigentes. Isso passa pela tributação
progressiva, confisco dos paraísos fiscais, abolição do direito de herança, estatização
do monopólio e oligopólio, distribuição equitativa da renda e da terra, acesso
digno a moradia e acesso aos direitos sociais básicos. Isso pode até parecer
utopia, mas são elas que me movem!
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