no GGN
Todos os governos desenvolvimentistas brasileiros foram atacados,
solapados, um deles derrubado. Foi assim com Getúlio Vargas, com
Juscelino Kubitschek, com João Goulart, com Lula e com Dilma. Um ranço
da República Velha e da Revolução de 1930, que insiste em retardar o
desenvolvimento do Brasil. Parece que não querem o País como potência
mundial.
Nunca perdoaram Getúlio Vargas por ter criado o contrato de trabalho e
as estatais de infraestrutura. Antes o trabalhador era quase um
escravo. A CLT garantiu o direito a férias, décimo terceiro salário,
FGTS, hora-extra e outros direitos.
Além desses, Vargas
estabeleceu o salário mínimo, a previdência social, a escola pública e a
saúde pública. Criou estatais estratégicas para o desenvolvimento do
Brasil como a Eletrobrás, o Banco do Nordeste, a Vale do Rio Doce, a CSN
para processar nosso aço, a Petrobras, empresa criada com apoio do
movimento sindical e estudantil na campanha “O petróleo é nosso”.
Naquele
momento as petroleiras, principalmente a Esso, a Shell e a Texaco, que
faziam parte do cartel internacional chamado “sete irmãs”, diziam que
não havia petróleo no Brasil. Evidentemente para o Brasil continuar
comprando gasolina e óleo diesel delas.
As “três irmãs” bancavam a imprensa brasileira da época com gordos
anúncios. O melhor exemplo disso é o Repórter Esso, uma espécie de
porta-voz da UDN, que foi ao ar pela primeira vez em 28 de agosto de
1941 (uma versão norte-americana de "Your Esso Reporter").
Ao criar a
Petrobras, Vargas desafiou o conluio de petroleiras e imprensa. O ódio
da imprensa da época veio imediatamente destilado em manchetes garrafais
contra ele. Entre os inúmeros ataques, o jornal O Estado de São Paulo
guarda em seus arquivos um memorável editorial, radicalmente contra a
criação da estatal.
Vargas, que nunca ostentou riqueza, foi
bombardeado dia e noite com acusações de corrupção. Seu governo era
chamado pelos jornais e rádios da época de "mar de lama". Acuado pelos
ataques da UDN, de seu líder maior, Carlos Lacerda, da imprensa que
servia a ela, e dos militares, arrasado moralmente pelo massacre de
notícias levianas, Vargas se matou.
As mesmas forças que o levaram ao
suicídio tentaram, em seguida, impedir a posse de Juscelino Kubitschek,
mas foram frustradas pela operação comandada pelo general Henrique
Lott, que garantiu a cerimônia. JK retomou o projeto desenvolvimentista
de Vargas com o Plano de Metas “50 anos em 5”.
Com JK, o Brasil,
que era uma grande fazenda, de agricultura, na sua grande extensão,
ainda rudimentar, onde fazendeiros de Goiás se divertiam nos finais de
semana cassando índios, atirando só para ver o tombo, cresceu,
deslanchou a industrialização, expandiu a malha rodoviária, elétrica e
telefônica, e construiu Brasília, como parte da “Marcha para o Oeste”.
No
governo dele, a cultura floresceu com o Cinema Novo, o teatro, a
literatura, o futebol, com a vitória do Brasil na Copa de 1958. Tudo
isso embalado pela Bossa Nova elevou a autoestima dos brasileiros,
projetou o Brasil no mundo e proporcionou um sentimento de futuro
promissor.
Mas, mesmo assim JK comeu o pão que o diabo amassou.
Durante seu mandato, as mesmas forças políticas juntamente com a
imprensa familiar que servia a elas, atacou JK diuturnamente com
acusações de corrupção dizendo ser “o governo mais corrupto da história
do Brasil”. JK sofreu duas tentativas de golpe, apoiadas por setores
conservadores. Morreu num controvertido acidente de carro em agosto de
1976, durante a ditadura militar.
O massacre midiático com
acusações de corrupção a JK criou o ambiente para a candidatura do
desengonçado gramático Jânio Quadros. Jânio foi lançado como o grande
salvador da pátria, o homem que iria varrer a corrupção do Brasil. O
símbolo da campanha dele era uma vassoura. Mas apenas varreu a sujeira
para debaixo do tapete.
Jânio foi uma marionete nas mãos dos
conservadores para barrar as forças políticas progressistas lideradas
por Leonel Brizola e outros políticos ligados à reforma social. Sete
meses depois da posse, Jânio renunciou.
Com a renúncia de Jânio, o
vice João Goulart, ex-ministro do trabalho de Getúlio Vargas, assume a
Presidência da República. João Goulart, o Jango, resgata o projeto de
desenvolvimento de Vargas e JK, amplia os direitos sociais, dobra o
salário mínimo e tenta governar aliado aos trabalhadores.
Jango
quis fazer as reformas de base, políticas públicas para inclusão social
centradas na educação, na saúde, na reforma agrária, e em outras áreas,
que ajudaria o Brasil a superar as injustiças principalmente com as
populações afrodescendentes e indígenas, escravizadas e vilipendiadas
desde o período colonial.
Em 1964, o Brasil pulsava, vivia um
raro momento de liberdade e de criatividade na música, no teatro, no
cinema, na literatura, nas artes plásticas, nas universidades, na
política e na vida social.
Os conservadores reagiram a isso e
começaram a atacar Jango barbaramente da mesma forma que Getúlio e JK
foram atacados, acusado pela imprensa familiar de corrupção e de querer
implantar no Brasil uma “República Sindicalista”.
Durante todo o
seu curto governo foi vítima de uma cruzada da imprensa devastadora e
finalmente deposto pelo golpe militar articulado no Congresso juntamente
com a Embaixada dos EUA, com a participação da CIA, como mostram
documentários produzidos recentemente. Em seguida, o Brasil entra para o
calvário em 21 anos de uma ditadura torturadora.
João Goulart
morreu em sua fazenda, na Argentina, também de forma suspeita, com
versões controvertidas sobre sua morte. Ele era um dos nomes de
políticos, vigiados por militares brasileiros, constante da lista da
“Operação Condor” para ser eliminado, segundo depoimentos prestados na
Comissão da Verdade e em livros publicados sobre o caso. A Operação
Condor era formada por militares e policiais de ditaduras da América do
Sul, coordenada pela CIA, para eliminar líderes opositores aos regimes
ditatoriais.
Com o fim do regime militar e a volta das eleições
diretas, setores conservadores, com forte apoio da imprensa familiar,
inventaram a candidatura de Fernando Collor, nos mesmos moldes da
candidatura Jânio Quadros, a fim de barrar as candidaturas de Lula e de
Brizola, que despontavam como alternativas da esquerda com forte
respaldo nos movimentos sociais. Movimentos organizados, que fizeram a
campanha por eleições diretas, participaram dos debates no Congresso
Constituinte, além de outras coisas, ampliaram direitos para
consolidação da democracia e da cidadania.
Collor, vendido à
opinião pública como “moderno”, declarou guerra à "Era Vargas", ao
Estado e aos direitos sociais e trabalhistas.
Empolgado com as
ideias neoliberais dos governos de Margareth Thatcher, da Inglaterra, e
Ronald Reagan, dos EUA, Collor queria reduzir o Estado ao mínimo com
privatização irrestrita de empresas públicas e reformar a CLT. Eleito
como "caçador de marajás", o homem que também iria varrer a corrupção no
País, por ironia da história, acabou impedido por corrupção.
Fernando
Henrique Cardoso foi outro presidente obstinado pelo fim da "Era
Vargas". Determinado a levar a cabo o que Collor começou, Fernando
Henrique deu continuidade à redução do Estado com a venda de empresas
estatais, que ficou conhecida como “privataria tucana” tendo em vista a
promiscuidade entre governo e mercado na formação dos consórcios
compradores.
Além disso, tinha a ideia fixa de que o “mercado”
resolveria os problemas do Brasil. Investiu contra conquistas sociais
dos trabalhadores, mas os trabalhadores organizados não permitiram que o
estrago fosse maior.
Lula e Dilma fizeram exatamente o inverso
dos governos Collor e Fernando Henrique. Colocaram o Estado como indutor
do projeto de desenvolvimento sustentável com inclusão social e redução
das desigualdades sociais e regionais. Fizeram governos democráticos,
de diálogo, aberto à participação de trabalhadores e empresários. O
famoso “Conselhão” e outras instâncias foram criados para isso.
O
fato é que, com essa estratégia o Brasil passou de 13ª maior economia
do mundo, em 2002, para a 7ª posição. O PIB que era R$ 1,55 trilhão, em
2003, saltou para R$ 4,84 trilhões em 2013. Outros robustos indicadores
demonstram melhoria generalizada em muitas outras áreas, principalmente
em relação à inclusão social e à superação da pobreza.
Ocorre
que os governos Lula e Dilma, de caráter desenvolvimentista e de
inclusão social, têm sofrido as mesmas perseguições que os governos
Vargas, JK e Jango. Sobreviveram, desde 2003, a ataques quotidianos,
impiedosos, com o mesmo ranço golpista que caracterizaram momentos
históricos passados. Como se o Brasil não pudesse tornar-se uma potência
econômica desenvolvida. As informações sobre os feitos do governo têm
sido deliberadamente bloqueadas pela velha imprensa familiar e em seu
lugar, ataques incessantes. Mesmo no limite da indignação, em nenhum
momento a liberdade de imprensa foi violada.
Isso ficou claro nas
eleições deste ano com a transformação de publicações semanais e
telejornais em verdadeiros panfletos eleitorais em favor do candidato da
oposição. Destilaram ódio e preconceitos à exaustão, de forma
subliminar, na disputa eleitoral, jogando o povo contra o governo de
forma irresponsável. O candidato Aécio Neves dizia que iria “varrer” o
PT do governo, como se o Estado fosse uma propriedade da elite, como se o
PT estivesse usurpando o poder. Um verdadeiro ralhado da Casa Grande à
Senzala.
Lá no fundo da história, revirado pelo vale-tudo para
ganhar a eleição a qualquer custo, estava o atraso, mergulhado no
pântano da intolerância, dos preconceitos de todo tipo, sobretudo se
alimentando do ódio de classe. Aécio Neves não teve o menor pudor de
trazê-lo de volta à tona.
Andou de braços dados durante toda a
campanha eleitoral com setores mais atrasados do País, que o processo de
democratização se encarregou de colocá-los no ostracismo. Hoje o atraso
brada contra a democracia, se espraia pela internet e pelas ruas em
ondas de intolerância, principalmente entre jovens vulneráveis a seus
apelos. O atraso está por aí, vociferante, atacando cidadãos.
Quem
deu voz e trouxe a extrema direita para o centro da política
brasileira, e flerta com ela, foi o PSDB, um partido que assumiu a
ideologia da velha UDN. Isso não começou agora. O candidato Alkmin com
sua Opus Dei, o candidato Serra se valendo do extremo conservadorismo, o
candidato Aécio com Bolsonaro, o ex-presidente Fernando Henrique
escrevendo contra o diálogo proposto pela Presidenta Dilma, e o Líder do
PSDB, Carlos Sampaio, com ação na justiça pedindo recontagem de votos
digitais, todos alimentando o ranço golpista, são os verdadeiros
responsáveis pelo retrocesso na política, pelas ameaças à democracia e
aos governos de desenvolvimento sustentável e inclusão social.
(*) Laurez Cerqueira é autor, entre outros trabalhos, de Florestan Fernandes – vida e obra; e O Outro Lado do Real.
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