Jornalistas e ‘marronzinhos’ na imprensa
Por Luciano Martins Costa em 07/11/2014 na edição nº 823Comentário para o programa radiofônico do Observatório, 7/11/2014
A semana que se encerra marcou uma mudança interessante na agenda da
imprensa brasileira: reduziu-se o predomínio do tema corrupção, houve
uma tentativa de emplacar na temática geral uma suposta tendência do
governo petista para o estilo bolivariano de fazer política e,
lentamente, equilibra-se o noticiário sobre economia.
O leitor e a leitora educados na arte de interpretar o discurso
jornalístico se dão conta de que a mídia tradicional parece se dividir
em dois blocos. Num deles, mais ruidoso e favorecido na composição das
primeiras páginas, pontificam os pitbulls, a versão contemporânea
dos “marronzinhos”, marionetes manipuladas pelo núcleo de opinião dos
jornais para vocalizar a mensagem do dono. Para quem não se lembra ou
não sabia, Marronzinho era o codinome de um jornalista de Osasco, na
região metropolitana de São Paulo, financiado por candidatos
conservadores para atacar oponentes nas campanhas eleitorais nos anos
1980. Os colunistas destemperados de hoje são os herdeiros desse
jornalismo panfletário.
No outro bloco aparecem jornalistas especializados, economistas e
outros profissionais que se dedicam a destrinchar a realidade nacional
sob o ponto de vista de suas peculiaridades. De modo geral, o que
distingue os dois grupos é o fato de que os pitbulls falam de
tudo, com uma linguagem desabrida, quase sempre ofensiva e grosseira,
enquanto os integrantes do grupo dos especialistas tratam exclusivamente
de seu ramo profissional.
A tentativa de emplacar a tese de que o próximo mandato da presidente
Dilma Rousseff teria aspectos do conflituoso estilo venezuelano de
governar foi levada até a entrevista coletiva concedida por ela e
publicada pelos diários de papel nas edições de sexta-feira (7/11).
Na resposta a uma pergunta provocativa sobre o mote que a imprensa
tentou emplacar nos debates políticos, a presidente ridicularizou a
ideia de um “bolivarianismo brasileiro” e elogiou um texto do
correspondente da Folha de S.Paulo em Caracas, Samy Adghirni (ver aqui), um repórter jovem com vasta experiência em conflitos como a Primavera Árabe e crises humanitárias.
Um crise estranha
O correspondente da Folha personifica, como alguns poucos, o
tipo de jornalista que ainda pode reverter o processo de deterioração da
imprensa no Brasil. No lado oposto, o campo dos arruaceiros da mídia,
também se encontram profissionais de todo tipo, inclusive economistas,
sociólogos, supostos filósofos e até um astrólogo. Algumas demissões
ocorridas na Folha de S. Paulo nesta semana parecem abater uma
parte desse contingente, o que pode significar muito ou nada, se
imaginarmos que o diário paulista está preocupado em melhorar sua
credibilidade e não apenas cortar custos.
A leitura crítica de qualquer um dos jornais de circulação nacional, na
sexta-feira (7), pode induzir o cidadão ou a cidadã a concluir que a
imprensa está sob um surto de esquizofrenia: de um lado, colunistas que
repetem o discurso do catastrofismo; de outro, articulistas que
demonstram não haver descontrole ou uma crise grave na economia
brasileira. Entre um e outro grupo, algumas reportagens ajudam a
refletir sobre onde estaria a verdade objetiva.
Descartando-se a exploração de dados parciais sobre o combate à
miséria, que não sobreviveu à divulgação de indicadores do IBGE, o que
temos é o seguinte: o desemprego caiu de 7% para 6,8% no segundo
trimestre deste ano, mesmo com o crescimento da população ocupada. Na
projeção de alguns especialistas ouvidos pela imprensa, o Brasil está
muito próximo do pleno emprego. Também é interessante observar que dois
terços das vagas foram criadas no Nordeste, onde também cresceu muito a
formalização do emprego.
O leitor vira algumas páginas e se dá conta de que uma das maiores
gestoras de finanças dos Estados Unidos levantou mais de US$ 2 bilhões
para investimento na América Latina. Cerca de 60% desse montante será
destinado ao Brasil, para aplicação nos setores de saúde, educação,
infraestrutura logística e portuária, varejo, consumo e lazer. Outros
fundos gigantes estão seguindo a mesma estratégia, apostando em projetos
de longo prazo no Brasil e em outros países da região – entre os quais
aqueles que a mídia brasileira chama de “bolivarianos”.
É possível que os ativos brasileiros estejam depreciados, o que atrai o
investidor estrangeiro, mas o dinheiro real não parece contaminado pelo
pessimismo das manchetes.
O irônico da história é que os pitbulls pessimistas agem contra os interesses do capital produtivo, que gera empregos e movimenta a economia.
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