sábado, 3 de março de 2012

O PAPA EM CUBA



Frei Betto  
Para desgosto e fracasso das pressões diplomáticas da  Casa Branca, o papa Bento XVI chega a Cuba dia 26 de março. Fica três dias na  Ilha, após entrar na América Latina pelo México. A 28 de março, celebra missa  na Praça da Revolução, em Havana.
Bento XVI celebrará, em Santiago de Cuba – histórica  cidade do Quartel Moncada, onde Fidel iniciou sua luta revolucionária, em 1953  – os 400 anos da aparição da Virgem da Caridade do Cobre.  
Em 1998, logo após o papa João Paulo II encerrar sua  visita a Cuba, participei de almoço oferecido por Fidel a um grupo de  teólogos. Em certo momento, um teólogo italiano manifestou, do alto de seu  esquerdismo, indignação pelo fato de o pontífice haver presenteado a Virgem da  Caridade com uma coroa de ouro.
Fidel não escondeu seu desconforto. E reagiu: “A  Virgem do Cobre não é apenas padroeira dos católicos de Cuba. É padroeira da  nação cubana.” E passou a relatar como sua mãe, Lina Ruz, católica devota, fez  ele e Raúl prometerem que, se saíssem vivos de Sierra Maestra, haveriam de  depositar suas armas junto ao santuário, para pagar a promessa que ela fizera.  Em 1983, ao visitar o santuário pela primeira vez, vi ali as  armas.
Por essas “cristoincidências” que só a fé  explica e as pesquisas elucidam, a Virgem da Caridade e Nossa Senhora  Aparecida têm tanto em comum quanto Cuba e Brasil. Como disse Inácio de Loyola  Brandão, “Cuba é uma Bahia que deu certo”. As duas imagens foram encontradas  durante a colonização: lá, em 1612, a espanhola; aqui, em 1717, a portuguesa.  As duas, na água. As duas achadas por três pescadores. Lá, no mar; aqui, no  rio Paraíba. As duas são negras.
O papa chega a Cuba no momento em que o país passa por  mudanças substanciais, sem, no entanto, abandonar seu projeto socialista. Há  um processo progressivo de desestatização, abertura à iniciativa privada, e  mais de 2 mil prisioneiros foram soltos nos últimos meses.  
Hoje, as relações entre governo e Igreja Católica  podem ser qualificadas de excelentes. Já não há na Ilha resquícios do clero de  origem espanhola e formação franquista, que tanto incrementou o anticomunismo  nos primeiros anos da Revolução, quando um padre promoveu a criminosa Operação  Peter Pan: convenceu os pais de 14 mil crianças de que haveriam de perder o  pátrio poder e que seus filhos passariam às mãos do Estado... Carregou as  crianças para Miami, sem pais e mães, e o resultado, como se pode imaginar,  foi catastrófico. A Revolução não foi derrotada pela invasão da Baía dos  Porcos, patrocinada pelo governo Kennedy, e nem  todas as crianças escaparam de um futuro de delinquência, drogas e  outros transtornos. Milhares jamais foram localizadas depois pelas  famílias.
Tanto o Vaticano quanto os bispos cubanos  são contrários ao bloqueio que os EUA impõem à Ilha. Pode-se discordar de  muitos aspectos do socialismo daquele país, mas ninguém jamais viu a foto de  uma criança cubana jogada na rua, famílias morando debaixo da ponte e máfias  de drogas. Em Havana, um outdoor exibe um menino sorridente com esta frase  abaixo da foto: “Esta noite 200 milhões de crianças dormirão nas ruas do  mundo. Nenhuma delas é cubana”.
Cuba tem muitos defeitos, mas não o de negar a 11  milhões de habitantes os direitos humanos fundamentais: alimentação, saúde,  educação, moradia, trabalho e arte (vide o cinema e o Buena Vista Social  Club). O que mereceu elogios de João Paulo II durante sua visita de sete  dias – uma das mais longas de seu pontificado.
Hoje, Cuba recebe, proporcionalmente, mais turistas  que o Brasil. O que é uma vergonha para nosso país de dimensões continentais e  com tantos atrativos. A diferença é que Cuba promove não apenas turismo de  lazer (suas praias são paradisíacas), mas também turismo científico, cultural,  artístico e desportivo.
A Revolução Cubana resiste há 54 anos, malgrado os  atos terroristas contra aquele país, descritos em detalhes no  best-seller de Fernando Morais, Os últimos cinco soldados da guerra  fria (Companhia das Letras, 2011). E o fato de suportar, no seu litoral, a  base estadunidense em Guantánamo, que lhe rouba parte do território, para  utilizá-lo como cárcere de supostos terroristas sequestrados mundo  afora.
Quem sabe a resistência cubana seja mais  um milagre da Virgem da Caridade...


Frei Betto é escritor, autor de “Sinfonia Universal –  a cosmovisão de Teilhard de Chardin” (Vozes), entre outros  livros. http://www.freibetto.org/>    twitter:@freibetto. 

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