quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

O que o FMI deveria dizer à Europa

O Fundo Monetário Internacional (FMI) pode salvar a região do euro? Não, mas pode ajudar. O mundo, cujos interesses são representados pelo FMI, tem interesses em jogo e isso dá ao fundo o direito de agir. A questão é como.
O mundo chegou a um estágio novo e potencialmente ainda mais devastador que a crise que emergiu nos países avançados no verão setentrional de 2007. Seu epicentro é a região do euro. Os líderes da região, pouco dispostos a concentrar-se no paciente gravemente doente à sua frente, gastam seu tempo elaborando um regime de exercícios para que ele nunca volte a ter outro ataque cardíaco. É uma atividade inócua.
Na visão de muitas autoridades fora de região, "eles simplesmente não estão entendendo". Seus membros, principalmente a Alemanha, o agente mais importante, parecem paralisados pela política doméstica. Isso não é surpreendente, já que a política continua sendo algo nacional. Também sugere, no entanto, que o projeto, na melhor hipótese, foi prematuro e, na pior, impraticável. O panorama econômico mais recente da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) traça um quadro sombrio. Mesmo se o pior for evitado, prevê-se que a economia da região ficará estagnada em 2012. A organização, contudo, avisa que "persistem sérios riscos de queda". Além disso, "um grande evento negativo (...) muito provavelmente jogaria a área da OCDE como um todo em uma recessão, com declínios acentuados nos EUA e Japão e recessão profunda e prolongada na área do euro". Até os mercados emergentes sofreriam.
A OCDE explora um cenário negativo que se inicia a partir de um calote soberano desordenado na região. Os resultados de tal evento são imprevisíveis, mas o default de um país significativamente avançado provavelmente seria um fortíssimo golpe na confiança.
Até que ponto a situação pode ficar ruim? A OCDE explora um cenário negativo que se inicia a partir de um calote soberano desordenado na região do euro. Os resultados de tal evento são imprevisíveis, mas o calote de um país significativamente avançado provavelmente seria um fortíssimo golpe à confiança. Os efeitos adversos seriam sentidos diretamente - e por meio de contágio - tanto na esfera soberana como nos mercados e nas instituições financeiras. Outros países poderiam ser afetados, diretamente, pela necessidade de resgate de seus bancos. À medida que as economias se enfraquecessem, as posições fiscais ficariam sob pressão ainda maior em todos os lugares Poderia surgir uma espiral negativa viciosa na confiança e atividade, com resultados que iriam bem além da própria região do euro.
Um calote soberano não seria necessariamente seguido por uma saída da região do euro, mas tal resultado não poderia ser descartado. A OCDE vale-se de linguagem apocalíptica: "[A] repercussão política seria dramática e as pressões para uma saída da região do euro poderiam ser intensas [...] Tais turbulências na Europa, com destruição maciça de riqueza, falências e o colapso da confiança na integração e cooperação europeia muito provavelmente resultariam em uma depressão profunda tanto nos países que saíssem como nos que ficassem na área do euro, assim como na economia mundial."
Então, o que fazer?
Primeiro, precisa-se de um compromisso confiável de interrupção do contágio, para países, bancos e mercados. Uma possibilidade seria garantir financiamento para a rolagem de dívidas públicas e déficits fiscais da Itália, Espanha e Bélgica para 2012 e 2013. Isso custaria até €1 trilhão, embora mesmo essa quantia pudesse ser insuficiente para interromper o contágio, dada sua atual extensão. Os recursos necessários poderiam vir da alavancagem do Fundo Europeu de Estabilização Financeira (EFSF, na sigla em inglês) ou vir do Banco Central Europeu (BCE) ou de ambos, com o primeiro assumindo o risco de prejuízo e a autoridade monetária oferecendo liquidez. No longo prazo, um eurobônus condicional poderia ser uma resposta viável, como John Muelbauer, do Nuffield College, Oxford, argumentou.
Segundo, a região do euro precisa ter políticas de ajuste e de crescimento econômico. Além disso, elas não podem ser baseadas apenas no lado da oferta. A região do euro sofre hoje, claramente, de demanda agregada deficiente. E, além disso, os países mais vulneráveis serão incapazes de recuperar-se sem restaurar sua competitividade externa. Sem isso, estão destinados a uma espiral descendente de austeridade fiscal, enfraquecimento da demanda, aumento no desemprego, resultados fiscais fracos e, então, mais austeridade fiscal. Nos anos anteriores à crise, os superávits financeiros das famílias da região do euro foram absorvidos pelos déficits não financeiros das empresas e, em menor grau, pelos governos. Depois da crise, os déficits das empresas desapareceram, deixando sobre os governos o fardo de sustentar a demanda. Para que os déficits fiscais desapareçam, as famílias e empresas precisam gastar mais. A política econômica precisa contribuir para que isso ocorra.
Terceiro, a região do euro também precisa de reformas de longo prazo para resolver seu verdadeiro ponto fraco, mas isso fracassará se a Alemanha insistir que a disciplina fiscal é tudo o que importa. Não foi a indisciplina fiscal o que causou a crise. A indisciplina dos setores privado e financeiro, incluindo as instituições de crédito dos países centrais, foi ainda mais relevante. A confiança retornaria, se a região do euro adotasse reformas para funcionar bem melhor no futuro, em vez de continuar como se fosse uma máquina de gerar insolvências financeiras e fiscais nos países mais enfraquecidos.
Que papel o FMI pode desempenhar? Nada muito grande. Carece do poder de fogo necessário: seus recursos disponíveis totais não comprometidos são de apenas US$ 440 bilhões. Certamente, poderia levantar mais dinheiro de países externos interessados. Não pode ter a esperança, entretanto, de ter como compensar a relutância dos principais atores na região do euro em fornecer o apoio necessário. Mesmo se tivesse os recursos, programas voltados a países individualmente certamente fracassariam. O único programa que faria sentido seria um para toda a região do euro, já que os programas para países problemáticos teriam de incluir perspectivas razoáveis de maior demanda agregada na região do euro. Sem isso, há poucas chances de sucesso, por exemplo, na Itália ou Espanha. A Irlanda, por ser uma economia pequena e aberta, poderia ajustar-se deslocando a produção comercializável para outros lugares, quando necessário. Se a Itália e Espanha tentassem fazer isso, estariam empenhando-se em esforços custosos e provavelmente infrutíferos de "empobrecer os vizinhos": custosos, porque a principal forma de fazê-lo seria derrubar os salários por meio de desemprego ainda maior; e infrutífero, porque a vantagem competitiva da Alemanha é muito forte.
Então, como o FMI poderia ajudar? Chegou a impiedosa hora de contar a verdade, como a chamou John Maynard Keynes. E qual é a verdade? É que a região do euro tem de escolher entre a alternativa ruim e a calamitosa. A ruim é adotar políticas radicais para promover ajustes, enquanto impede uma onda de reestruturações de dívidas soberanas, crises financeiras e verdadeiras depressões. A calamitosa é essa depressão, paralela ao desmembramento do projeto do euro. O FMI poderia falar em nome dos interesses do mundo no cenário menos ruim. Só a região do euro pode fazer a escolha. (Tradução de Sabino Ahumada)
Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT.

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