quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Crescem críticas às regalias da elite política na China

Uma noite no início deste ano, uma Ferrari vermelha parou na porta da residência do embaixador americano em Pequim. Quem saiu do carro foi o filho de um dos principais líderes chineses, trajando um smoking.
Bo Guagua, de 23 anos, era esperado. Ele tinha um jantar marcado com a filha do então embaixador, Jon Huntsman.
O carro, porém, foi uma surpresa. O pai do rapaz, Bo Xilai, estava em meio a uma polêmica campanha para reviver o espírito de Mao Tsetung, fazendo as pessoas cantarem os velhos hinos revolucionários, o chamado "canto vermelho". Havia ordenado que alunos e funcionários públicos trabalhassem em fazendas durante certos períodos, para se reconectarem com a vida no campo. Seu filho, enquanto isso, estava dirigindo um carro que custa centenas de milhares de dólares, vermelho como a bandeira chinesa, em um país onde a renda familiar média anual foi de cerca de US$ 3.300 no ano passado.
TKtk
Em 2008, Bo Guagua (esq.) convidou Jackie Chan para dar palestra em Oxford, e cantou com ele no palco
O episódio, relatado por várias pessoas familiarizadas com ele, é sintomático do desafio que se coloca ao Partido Comunista Chinês, enquanto tenta manter a sua legitimidade em uma sociedade cada vez mais diversificada, bem informada e exigente. Os filhos dos líderes do Partido, muitas vezes chamados de "príncipes", estão se tornando mais visíveis, tanto por seus crescentes interesses comerciais como por seu evidente apetite pelo luxo, em um momento em que a aumenta a indignação pública devido a denúncias de corrupção das autoridades e abuso de poder.
Segundo os meios de comunicação do país, que são estatais, os líderes chineses vivem de acordo com os austeros valores comunistas que defendem publicamente. Mas à medida que os descendentes da aristocracia política conseguem papéis lucrativos no mundo dos negócios e adotam as manifestações conspícuas de riqueza, sua visibilidade crescente levanta questões incômodas para um partido que justifica seu monopólio sobre o poder apontando para suas origens como um movimento de operários e camponeses.
Essa visibilidade tem especial ressonância agora que o país se prepara para uma mudança nos quadros da liderança no próximo ano, algo que só ocorre uma vez a cada década, quando vários "príncipes" mais velhos devem assumir cargos altos do Partido Comunista. Essa perspectiva levou algumas pessoas nos círculos empresariais e políticos chineses a se perguntarem se o Partido será dominado, durante a próxima década, por um grupo de famílias de elite que já controla grandes segmentos da segunda maior economia mundial e exerce influência considerável sobre as forças armadas.
"Não há ambiguidade — a tendência se tornou tão clara", disse Cheng Li, especialista em política da elite chinesa na Brookings Institution, em Washington. "Os príncipes nunca foram populares, mas agora que se tornaram tão poderosos politicamente, há séria preocupação sobre a legitimidade dessa 'Nobreza Vermelha'. O público chinês se ressente, especialmente, de que os 'príncipes' controlem tanto o poder político como a riqueza econômica."
A atual liderança inclui alguns príncipes, mas isso é contrabalançado por um grupo rival não hereditário, que inclui o presidente Hu Jintao, que também é o chefe do partido, e o primeiro-ministro Wen Jiabao. Espera-se, porém, que o sucessor de Hu seja Xi Jinping, o atual vice-presidente, que é filho de um herói da revolução e seria o primeiro príncipe a assumir o principal cargo do país. Muitos especialistas em política chinesa julgam que ele forjou uma aliança informal com vários outros príncipes que são candidatos a promoções.
Entre eles está o pai de Bo, que também é filho de um líder revolucionário. Ele costuma falar sobre seus estreitos laços com a família Xi, segundo duas pessoas que costumam encontrá-lo regularmente. A filha de Xi atualmente estuda em Harvard, onde o filho de Bo faz pós-graduação na Faculdade de Governo Kennedy.
Já participante do Politburo, que tem 25 membros, Bo Xilai é um favorito para a promoção ao órgão decisório superior, o Comitê Permanente. Ele não respondeu a um pedido de comentário por meio do seu gabinete, e seu filho não respondeu a pedidos por e-mail e por intermédio de amigos.
Supõe-se que os principais líderes chineses não devam ter riquezas herdadas, nem uma carreira nos negócios para complementar seus modestos salários, que aparentemente giram em torno de 140.000 yuans (US$ 22.000) por ano para um ministro. Seus parentes têm autorização para fazer negócios, desde que não lucrem com suas conexões políticas. Na prática, a origem da riqueza das famílias é, de modo geral, impossível de se rastrear.
No ano passado, chineses ficaram sabendo, através da internet, que o filho de um ex-vice presidente do país — e neto de um ex-comandante do Exército Vermelho — tinha comprado uma mansão de US$ 32,4 milhões na Austrália, de frente para o porto. Ele pediu permissão para demolir o casarão secular e ali construir uma nova residência, com duas piscinas interligadas por uma cachoeira.
Muitos príncipes realizam negócios legítimos, mas há uma percepção generalizada na China de que eles levam uma vantagem injusta em um sistema econômico que, apesar da adoção do capitalismo, continua dominado pelo Estado e não permite nenhum exame público significativo dos processos de tomada de decisão.
O Estado é proprietário de todas as terras urbanas e de todas as indústrias estratégicas, assim como dos bancos, que distribuem empréstimos favorecendo, esmagadoramente, as empresas estatais. Assim, os maiores prêmios vão para os que estão dentro dos círculos políticos, que podem utilizar suas conexões pessoais e o prestígio de suas famílias para garantirem recursos, e então mobilizar as mesmas redes de contatos para protegê-los.
O "Diário do Povo", porta-voz do Partido, reconheceu o problema no ano passado, com uma pesquisa mostrando que 91% dos entrevistados acreditavam que todas as famílias ricas na China vinham da política. Um ex-auditor geral, Li Jinhua, escreveu em um fórum on-line que a riqueza dos familiares das autoridades "é a principal causa de insatisfação do público".
Uma princesa contesta a ideia de que ela e seus colegas se beneficiam de suas origens. "Pertencer a uma família famosa do governo não me proporciona um aluguel mais barato, nem um empréstimo bancário especial, nem contratos governamentais", disse em um e-mail Ye Mingzi, de 32 anos, designer de moda e neta de um dos fundadores do Exército Vermelho. "Na realidade", diz ela, "os filhos das famílias importantes do governo são observados rigorosamente. A maioria toma muito cuidado para evitar até mesmo a aparência de um favoritismo indevido".
Durante as primeiras décadas após a revolução de Mao de 1949, os filhos dos chefes comunistas ficaram, de modo geral, fora das vistas da população, vivendo em residências muradas e frequentando escolas de elite.
Nas décadas de 1980 e 90, muitos príncipes foram fazer pós-graduação no exterior, e na volta entravam em empresas estatais ou agências governamentais chinesas, ou bancos estrangeiros de investimento. Mas, de modo geral, mantinham um estilo de vida discreto.
Agora as famílias dos líderes chineses mandam seus filhos para o exterior em idade cada vez mais tenra, com frequência para as melhores escolas particulares dos Estados Unidos, Grã-Bretanha ou Suíça, para ter certeza de que mais tarde entrarão nas melhores universidades do Ocidente. Príncipes na casa dos 20, 30 e 40 anos ocupam cada vez mais posições de destaque nos negócios, especialmente em private equity, o que lhes permite maximizar seus lucros e também os põe em contato regular com a elite empresarial chinesa e internacional.
Os príncipes mais jovens são vistos com frequência em meio a modelos, atores e astros do esporte que se reúnem em uma rua cheia de boates e discotecas perto do Estádio dos Trabalhadores, em Pequim, para exibir suas Ferraris, Lamborghinis e Maseratis. Outros já foram vistos falando de negócios em meio a charutos e bebidas chinesas de boa safra, em locais exclusivos como o Clube Maotai, em uma casa histórica perto da Cidade Proibida.
Recentemente, em um novo clube de pólo nos arredores de Pequim, aberto pelo neto de um ex-vice-premier, jogadores argentinos em pôneis importados fizeram uma partida de exibição para possíveis novos sócios. "Estamos trazendo o pólo para o público. Bem, não exatamente o público", disse um funiconário. "Aquele ali é filho de um general do exército. O avô daquele outro foi prefeito de Pequim."
O custo da educação é um tema muito quente entre os membros da classe média chinesa, muitos deles insatisfeitos com a qualidade do ensino no país. Mas só os relativamente ricos podem mandar os filhos estudar no exterior.
Para outros, porém, o que é polêmico é um estilo de vida de liberdade e prazer. Fotos de Bo Guagua em eventos sociais em Oxford, na Inglaterra, já circularam muito na internet.
Em 2008, Bo ajudou a organizar um evento chamado Baile da Rota da Seda, que incluiu uma performance de artes marciais com monges do templo chinês Shaolin, segundo amigos de Bo. Ele também convidou Jackie Chan, astro dos filmes chineses de kung-fu, para dar palestra em Oxford, e em dado momento subiu no palco para cantar com ele.
Este ano, circularam fotos na internet mostrando Bo em férias no Tibete com uma princesa, Chen Xiaodan, filha do diretor do Banco de Desenvolvimento da China e neta de um conhecido revolucionário. O resultado foi uma enxurrada de fofocas, bem como críticas on-line dirigidas aos dois por viajarem, evidentemente, com escolta policial. Chen não respondeu aos pedidos de comentários enviados por e-mail e no Facebook.
Questionado sobre o aparente romance de seu filho em uma entrevista coletiva durante a reunião do Parlamento este ano, Bo Xilai respondeu, enigmaticamente: "Creio que o negócio da terceira geração — não estamos falando em democracia agora?"
Não está claro o que Bo vai fazer depois de se formar, e se conseguirá manter um perfil público tão visível se seu pai for promovido, segundo amigos. Ele disse, em um discurso na Universidade de Pequim em 2009, que queria "servir o povo" nas áreas da cultura e educação, segundo o jornal chinês "Semanário do Sul".
Ele descartou a possibilidade de carreira política, mas mostrou um pouco do carisma e das contradições de seu pai ao responder às perguntas dos estudantes, segundo o jornal. Indagado sobre as fotos que o mostram em festas em Oxford, ele respondeu que uma vez Mao disse: "Deve-se ter um lado sério e um lado vivaz", e passou a discutir o que significa pertencer à nova nobreza da China.
"Coisas como dirigir um carro esporte. Sei que os aristocratas britânicos não são tão arrogantes", disse ele. "Os aristocratas de verdade não fazem isso, em absoluto, mas são relativamente discretos."
(Colaborou Dinny McMahon.)

Nenhum comentário:

Postar um comentário