sábado, 13 de agosto de 2016

O golpe é principalmente contra a soberania do Brasil



*José Álvaro de Lima Cardoso.
       

        Os golpes fazem parte da história do Brasil. Historicamente, sempre que o movimento popular e trabalhista, em determinado período, conseguiu avançar um pouco nas suas condições de trabalho e vida, ocorreu um golpe, interrompendo os avanços e fazendo-os retrocederem. Os golpes, além de serem desferidos contra os direitos dos trabalhadores, regra geral atingem também a soberania do pais e sua inserção internacional (que, registre-se, mesmo em momentos democráticos, sempre deixaram muito a desejar).
     O conjunto de medidas divulgado até o momento pelo governo golpista visa a expropriação dos direitos dos trabalhadores, cortes nos recursos das políticas sociais, privatização de empresas públicas e reinserção subordinada do Brasil no cenário internacional. Como se sabe, o processo de impeachment da presidente Dilma não é ato isolado, apenas por motivações domésticas, internos ao Brasil. Há vários blocos de interesses, e é muito determinante o interesse imperialista estadunidense. Neste quadro várias iniciativas do governo interino ferem gravemente a soberania do Brasil.
        O encaminhamento de um conjunto de medidas que impedem o cumprimento de políticas sociais, a aplicação de direitos trabalhistas, do acesso ao crédito, à escola, à moradia, no direito à segurança alimentar, na recomposição do poder aquisitivo do salário mínimo, por si só, representa grave risco para a soberania nacional. A chamada PEC do Golpe, a 241, que limita os gastos da despesa primária federal a partir de 2017 à inflação, claramente atinge a soberania nacional, por exemplo. O congelamento do gasto público, que valerá por 20 anos, tem o objetivo expresso de pagar ainda mais juros e o principal da dívida pública, o que é uma subserviência absoluta ao capital financeiro. Se esta PEC for aprovada, as despesas públicas deverão decrescer a sua participação relativa no PIB, toda vez que houver crescimento econômico. Em síntese, o Estado entraria em nova rota de decréscimo em relação à economia nacional.  A proposta não aplica aos juros a mesma lógica de corrigi-los pela inflação, ou seja, o objetivo é transferir recursos da sociedade para o setor financeiro. Por isso os juros brasileiros são os mais elevados do mundo.
        Essa PEC, que ao que se sabe, não foi praticada em nenhum lugar do mundo, vai precarizar fortemente os serviços públicos essenciais no meio da maior crise do sistema capitalista, que infelizmente, não tem prazo para acabar. No meio da crise, muito terão que abandonar os planos privados de saúde, por impossibilidade de pagamento. No entanto, o SUS, por sua vez, está sendo deliberadamente desmontado pelo governo Temer pela referida PEC. O mesmo deverá ocorrer no sistema público de Educação. É evidente o risco de desagregação da sociedade nacional e a fragilização da soberania do Estado brasileiro.
        Um dos objetivos centrais do golpe, a privatização de fatias do patrimônio público, com base no discurso de que as empresas estão sucateadas, fere centralmente a soberania do Brasil, já que se tratam de empresas estratégicas para o país, sob todos os pontos de vista. Os integrantes da área econômica do governo golpista têm uma orientação de “privatizar o que for possível”, incluindo Casa da Moeda, Correios, centrais elétricas federais e, obviamente, a Petrobrás. Esse filme o povo brasileiro já assistiu nos governos de Fernando Henrique Cardoso e o rejeitou desde então em todas as eleições presidenciais. Boa parte das ações anunciadas pelo governo golpista se baseia na falta de memória da população, especialmente dos jovens. O processo de privatização no Brasil foi um desastre e as pessoas esqueceram ou não sabem. A pressa dos golpistas, em parte, se explica pelo fato de que, em função da crise, no mundo todo os ativos públicos estão com seus preços depreciados. A ideia é liquidar os ativos públicos na “bacia das almas”.
      O objetivo das privatizações é aliviar, para os grandes grupos econômicos, os efeitos da crise mundial, com a entrega de patrimônio público. Dentre todos os ataques à soberania um dos mais sórdidos é o ataque à Petrobrás, e a tentativa de disponibilizar a riqueza do Pré-sal à predação das multinacionais do petróleo. Este pode ser considerado o golpe dentro do golpe. O Projeto de Lei 4567/16, que retira a obrigatoriedade da Petrobrás ser a operadora única de áreas sob regime de partilha de produção no Pré-sal é um ataque frontal e cínico à soberania energética do pais, como tem sido largamente denunciado pelos petroleiros e especialistas no setor. O projeto partiu de José Serra, que em 2010 prometeu à Chevron acabar com o regime de partilha, como está documentado[1].
        Um dos objetivos centrais do golpe é realinhar o Brasil com os interesses dos EUA e poucas coisas ferem mais a soberania do pais do que este intuito. O Brasil nos últimos anos, como se sabe, fez opções que desagradaram ao Império: aproximação com os vizinhos latino-americanos, defesa do Mercosul, a entrada nos Brics, Lei de Partilha. Tudo isso está sendo rapidamente destruído pelos golpistas. Conforme o eminente estudioso de economia internacional e historiador Moniz Bandeira, desde o fim da Segunda Guerra Mundial um objetivo estratégico do Pentágono é dominar a entrada no Atlântico Sul. Por conta disso, neste momento os EUA estão negociando a instalação de duas bases militares na Argentina. De olho no petróleo, nas reservas minerais como um todo, e no maior manancial subterrâneo de água doce no mundo o Aquífero Guarani, localizado em sua maior parte sob o Brasil.
        O conjunto destes projetos ferem a soberania do país, mas este é o objetivo. Descobriremos daqui a alguns anos, que o projeto de congelamento dos gastos públicos não resolveu o problema das contas públicas, mas já terá cumprido a sua função: aumentar os montantes transferidos ao sistema financeiro e privatizar o que tenha sido possível: Petrobrás, sistema elétrico, Banco do Brasil, e assim por diante. Esse é o jogo.
                                                                                                  *Economista.


[1] A Chevron, com sede nos Estados Unidos, é uma das grandes empresas mundiais do ramo energético, especialmente do petrolífero. Compõe o chamado Big Oil ( lobby da energia), que exerce grande poder econômico e influência política no mundo todo. Segundo denúncia do site WikiLeaks, em 2010, José Serra prometeu para Patricia Padral, diretora de Desenvolvimento de Negócios e Relações com o governo, da Chevron, que iria acabar com o regime de Partilha.

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