*José
Álvaro de Lima Cardoso.
Os golpes fazem parte da história do
Brasil. Historicamente, sempre que o movimento popular e trabalhista, em
determinado período, conseguiu avançar um pouco nas suas condições de trabalho
e vida, ocorreu um golpe, interrompendo os avanços e fazendo-os retrocederem. Os
golpes, além de serem desferidos contra os direitos dos trabalhadores, regra
geral atingem também a soberania do pais e sua inserção internacional (que,
registre-se, mesmo em momentos democráticos, sempre deixaram muito a desejar).
O conjunto de medidas divulgado até o momento pelo governo
golpista visa a expropriação dos direitos dos trabalhadores, cortes nos
recursos das políticas sociais, privatização de empresas públicas e reinserção
subordinada do Brasil no cenário internacional. Como se sabe, o processo de
impeachment da presidente Dilma não é ato isolado, apenas por motivações domésticas,
internos ao Brasil. Há vários blocos de interesses, e é muito determinante o
interesse imperialista estadunidense. Neste quadro várias iniciativas do
governo interino ferem gravemente a soberania do Brasil.
O encaminhamento de um conjunto de
medidas que impedem o cumprimento de políticas sociais, a aplicação de direitos
trabalhistas, do acesso ao crédito, à escola, à moradia, no direito à segurança
alimentar, na recomposição do poder aquisitivo do salário mínimo, por si só,
representa grave risco para a soberania nacional. A chamada PEC do Golpe, a
241, que limita os gastos da despesa primária federal a partir de 2017 à
inflação, claramente atinge a soberania nacional, por exemplo. O congelamento
do gasto público, que valerá por 20 anos, tem o objetivo expresso de pagar ainda
mais juros e o principal da dívida pública, o que é uma subserviência absoluta
ao capital financeiro. Se esta PEC for aprovada, as despesas públicas deverão
decrescer a sua participação relativa no PIB, toda vez que houver crescimento
econômico. Em síntese, o Estado entraria em nova rota de decréscimo em relação
à economia nacional. A proposta não
aplica aos juros a mesma lógica de corrigi-los pela inflação, ou seja, o objetivo
é transferir recursos da sociedade para o setor financeiro. Por isso os juros
brasileiros são os mais elevados do mundo.
Essa PEC, que ao que se sabe, não foi praticada
em nenhum lugar do mundo, vai precarizar fortemente os serviços públicos
essenciais no meio da maior crise do sistema capitalista, que infelizmente,
não tem prazo para acabar. No meio da crise, muito terão que abandonar os
planos privados de saúde, por impossibilidade de pagamento. No entanto, o SUS,
por sua vez, está sendo deliberadamente desmontado pelo governo Temer pela
referida PEC. O mesmo deverá ocorrer no sistema público de Educação. É evidente
o risco de desagregação da sociedade nacional e a fragilização da soberania do
Estado brasileiro.
Um dos objetivos centrais do golpe, a
privatização de fatias do patrimônio público, com base no discurso de que as
empresas estão sucateadas, fere centralmente a soberania do Brasil, já que se
tratam de empresas estratégicas para o país, sob todos os pontos de vista. Os
integrantes da área econômica do governo golpista têm uma orientação de “privatizar
o que for possível”, incluindo Casa da Moeda, Correios, centrais elétricas
federais e, obviamente, a Petrobrás. Esse filme o povo brasileiro já assistiu
nos governos de Fernando Henrique
Cardoso e o rejeitou desde então em todas as eleições presidenciais. Boa
parte das ações anunciadas pelo governo golpista se baseia na falta de memória
da população, especialmente dos jovens. O processo de privatização no Brasil
foi um desastre e as pessoas esqueceram ou não sabem. A pressa dos golpistas, em
parte, se explica pelo fato de que, em função da crise, no mundo todo os ativos
públicos estão com seus preços depreciados. A ideia é liquidar os ativos
públicos na “bacia das almas”.
O objetivo das privatizações é aliviar,
para os grandes grupos econômicos, os efeitos da crise mundial, com a entrega
de patrimônio público. Dentre todos os ataques à soberania um dos mais sórdidos
é o ataque à Petrobrás, e a tentativa de disponibilizar a riqueza do Pré-sal à
predação das multinacionais do petróleo. Este pode ser considerado o golpe
dentro do golpe. O Projeto de Lei 4567/16, que retira a obrigatoriedade da
Petrobrás ser a operadora única de áreas sob regime de partilha de produção no Pré-sal
é um ataque frontal e cínico à soberania energética do pais, como tem sido
largamente denunciado pelos petroleiros e especialistas no setor. O projeto partiu
de José Serra, que em 2010 prometeu à Chevron acabar com o regime de partilha,
como está documentado[1].
Um dos objetivos centrais do golpe é
realinhar o Brasil com os interesses dos EUA e poucas coisas ferem mais a soberania
do pais do que este intuito. O Brasil nos últimos anos, como se sabe, fez
opções que desagradaram ao Império: aproximação com os vizinhos
latino-americanos, defesa do Mercosul, a entrada nos Brics, Lei de Partilha. Tudo
isso está sendo rapidamente destruído pelos golpistas. Conforme o eminente estudioso
de economia internacional e historiador Moniz Bandeira, desde o fim da Segunda
Guerra Mundial um objetivo estratégico do Pentágono é dominar a entrada no
Atlântico Sul. Por conta disso, neste momento os EUA estão negociando a
instalação de duas bases militares na Argentina. De olho no petróleo, nas
reservas minerais como um todo, e no maior manancial subterrâneo de água doce
no mundo o Aquífero Guarani, localizado em sua maior parte sob o Brasil.
O
conjunto destes projetos ferem a soberania do país, mas este é o objetivo.
Descobriremos daqui a alguns anos, que o projeto de congelamento dos gastos
públicos não resolveu o problema das contas públicas, mas já terá cumprido a
sua função: aumentar os montantes transferidos ao sistema financeiro e
privatizar o que tenha sido possível: Petrobrás, sistema elétrico, Banco do
Brasil, e assim por diante. Esse é o jogo.
*Economista.
[1] A Chevron, com sede nos Estados Unidos,
é uma das grandes empresas mundiais do ramo energético, especialmente do
petrolífero. Compõe o chamado Big Oil ( lobby da energia), que exerce grande
poder econômico e influência política no mundo todo. Segundo denúncia do site
WikiLeaks, em 2010, José Serra prometeu para Patricia Padral, diretora de
Desenvolvimento de Negócios e Relações com o governo, da Chevron, que iria
acabar com o regime de Partilha.
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