O Sensor publica artigo de Janio de Freitas, da Folha, extraído do blog Conversa Afiada.
Para os jornais daqui e de fora, o Brasil seria incapaz de realizar a Olimpíada
Para os jornais daqui e de fora, o Brasil seria incapaz de realizar a Olimpíada
Ainda que as palavras não levem a
consequências práticas entre os filiados à Associação Nacional de
Jornais, seu novo presidente justificou a posse com alguns conceitos
apropriados a vários aspectos das transtornadas circunstâncias atuais.
Marcelo Rech tratava das relações entre imprensa e internet, e para isso
falou dos jornais:
"Devemos ser, os jornais, muito mais
que transmissores de notícias. Devemos ser os certificadores
profissionais da realidade. Em meio ao caos da abundância desinformativa
[da internet], temos o desafio de sermos [...] aqueles que, graças a
conceitos éticos e técnicas profissionais, oferecem os atestados de
veracidade para a história".
Pois não façam cerimônia. É isso mesmo
que esperam receber os que pagam por um jornal. A prova de que não
recebem, ou mais uma, está no que o novo mandatário achou necessário
dizer. E em termos ainda de um "desafio", de uma resposta em suspenso.
Despido do cuidado político conveniente
à plateia, o que Rech formulou fica simples e direto: jornais precisam
fazer jornalismo. Se não fosse essa a sua natureza, precisam fazê-lo
porque jornalismo é algo essencial que os internautas só podem receber
em parte. Por sinal, pequena em comparação com as redes de amadorismo
pouco ou nada confiável, mais conduzido por interesses que por
seriedade.
A Olimpíada deixa um bom exemplo da
situação do jornalismo nos jornais, dispensando discutir o tão notório
facciosismo político que deu substância e propagação à crise política,
em especial à derrubada de Dilma Rousseff. Por todo o período de
organização dos Jogos e da cidade para recebê-los, a campanha de
desmoralização não deu trégua. Nenhuma obra ficaria pronta a tempo. O
resultado dos trabalhos de organização seria o caos. Os projetos de
mobilidade estavam errados e haveria problemas graves de transporte. O
Brasil era incapaz de realizar a Olimpíada, e o Rio, muito mais.
Na ocasião da candidatura a sediar os
jogos, porém, os jornalistas e os jornais com restrições à iniciativa
foram pouquíssimos. Àquela altura, os críticos posteriores apoiavam ou
estavam no muro: o governo Lula colhia êxitos e não era esperto ser do
contra. O mesmo na fase ainda saudável do governo Dilma.
O sensacionalismo, degradação retomada,
que leva as empresas editoras mais sérias a cometerem edições com cara
dos "Diários da Noite" de Assis Chateaubriand, projetou-se para o
exterior. Os jornais europeus e dos EUA sem interesses, hoje em dia, no
Brasil, desancaram o país. As águas da Guanabara, segundo "pesquisa" sem
precedente da Associated Press, intoxicariam os velejadores. O lixo
quebraria barcos. As águas da lagoa Rodrigo de Freitas eram
inutilizáveis, de tão fétidas. E os estrangeiros, coitados, não teriam
como viver na cidade em que ninguém fala língua de civilizado.
Os de casa passaram as duas últimas
semanas ciscando uma coisinha aqui, o pontinho ruim ali, em um
provincianismo ciumento ou na tentativa inútil de se confirmar. Os de
fora se esbaldaram em escrachar o país do assalto aos americanos. Até
provar-se que são nadadores por esforço e desordeiros por vocação -e o
jornalismo de lá dedicou-se, quase por unanimidade, a disfarçar a
correção, atribuindo-a só a declarações policiais.
Nenhum evento civil no mundo tem a complexidade e a dimensão de uma Olimpíada. As obras e as disputas que se mostram são uma insignificância em comparação com o que as faz acontecerem.
Nenhum evento civil no mundo tem a complexidade e a dimensão de uma Olimpíada. As obras e as disputas que se mostram são uma insignificância em comparação com o que as faz acontecerem.
É uma quantidade assoberbante de
planejamento e de execução dos milhões de pormenores que se conjugam, em
escolha e treinamento de milhares de pessoas, coordenação de tempos e
ações para que tudo seja feito no seu momento, nas competições
simultâneas e em lugares diferentes. O abastecimento alimentar dá uma
ideia do gigantismo geral: o COB (Comitê Olímpico do Brasil) informa que
em um só dia foram servidas quase 70 mil refeições no Parque Olímpico.
Foi, este, um desafio com resposta.
Escrevo a 48 horas do encerramento,
logo mais. Já se pode ter certeza de que, por sua beleza e organização, a
Olimpíada brasileira recompôs muito do que o Brasil perdeu no mundo,
nestes tempos de crise. Os jornais correram atrás.
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