*José Álvaro de Lima Cardoso
A
situação econômica mundial está complicada, por uma série de razões. Uma das
principais, apontada por alguns analistas importantes, é a concentração da
renda ao nível mundial. A distância entre ricos e pobres vem aumentando e o 1%
mais rico detêm mais riqueza que os 99% restantes. Como apontou recente estudo
do Comitê de Oxford de Combate à Fome (Oxfam, na sigla em inglês), o sistema econômico está estruturado para favorecer quem já dispõe de
altos rendimentos, como demonstram os “paraísos fiscais”, que detêm no momento
US$ 7,6 trilhões, correspondentes ao PIB do Reino Unido e da Alemanha,
reunidos.
No centro da crise está também a queda
drástica do preço do petróleo, como se sabe. Os países que exportam petróleo
têm reduzido os gastos e os que importam o produto - e, portanto, ganham com o
menor preço - não necessariamente gastam os recursos poupados, por não saberem
se o ganho se manterá no longo prazo. Também por essa razão, é um total absurdo
a aprovação, no dia 24 de fevereiro, no Senado, do Substitutivo ao PLS 131 que
retira a obrigatoriedade da Petrobrás ser a operadora única do Pré-Sal, bem
como a garantia de participação mínima de 30% nos campos licitados, como prevê
a Lei 12.351/2010, que instituiu o regime de Partilha. O projeto vai claramente contra os interesses do Brasil e de seu
povo e interessa diretamente às petrolíferas estrangeiras. A Petrobrás tem
reservas garantidas de 14,5 bilhões de barris. Por isso é muito estranha a
pressa em fazer novos leilões, especialmente quando há petróleo sobrando no
mundo.
Com a recessão, o recuo do PIB per
capita no Brasil, em 2015 e 2016, pode alcançar 11%. A crise econômica, ao
tornar o cobertor da riqueza mais curto, ameaça retirar rapidamente os avanços
no campo da distribuição de renda, que o Brasil vinha galgando a duríssimas
penas na última década. O mais grave é que o debate público sobre as grandes
questões nacionais está dominado pela mediocridade e pelos interesses da
minoria. Não se consegue qualificar o nível da discussão. A situação econômica
é bastante difícil como se sabe, mas está longe de ser caótica. No entanto, a
crise é super dimensionada por interesses econômicos, numa espécie de “terrorismo
econômico” permanente (os exemplos são inúmeros, mas o tema sairia do foco
deste artigo).
Neste contexto, é
preocupante o conteúdo do documento divulgado em 19 fevereiro pelo Ministério
da Fazenda, intitulado Reforma Fiscal de
Longo Prazo. Segundo o documento, a proposta do governo é continuar neste
ano com a política de austeridade fiscal praticada em 2015, que fracassou
rotundamente. O documento do Ministério da Fazenda, em determinada altura diz
que o esforço de 2015 “não foi suficiente para gerar superávits primários nos
últimos anos devido à redução do nível de atividade econômica e à elevada
rigidez do gasto público”. Em outra passagem o documento explicita a intenção
de fazer a Reforma da Previdência: “para controlar o gasto obrigatório é necessário
reformar a Previdência, controlar o gasto público com pessoal e adotar um
limite global para o gasto primário da União”.
A
julgar pelo teor do documento, e de outras indicações, mudou o Ministro da
Fazenda, mas o diagnóstico permanece o mesmo. De fato, todos os cortes de
despesas do ano passado não foram suficientes para gerar superávit primário,
mas, como se sabe, o problema central no campo fiscal são os gastos com a
dívida pública. Estes chegaram a R$ 500 bilhões no ano passado, quase 18 vezes
os gastos com o Bolsa Família (que tira 55 milhões de brasileiros da fome). O
erro capital do governo em 2015 foi promover um ajuste fiscal, aprofundando
ainda mais a recessão, que já estava em curso. Há nos governos hoje uma espécie
de obsessão pela austeridade, mas penalizando os gastos sociais, salários e
aposentadorias, sem atacar o essencial, que são os gastos com a dívida pública.
O resultado deste tipo de política, como se observa no mundo, é o agravamento
da crise.
O
momento exige ações exatamente na direção oposta: aumentar os gastos dos
governos no social e na produção, investir em tecnologia, educação e
infraestrutura. Seria fundamental também tornar a estrutura tributária mais
justa, cobrando mais impostos de quem pode pagar mais, uma urgência no Brasil.
No Brasil, quem paga imposto são os pobres e assalariados, os ricos entram com
um volume ridículo, desproporcional à sua renda e patrimônio. A gravidade da
situação atual exige medidas ágeis e impactantes, que retirem o governo da
letargia, e que assegurem as conquistas da última década, como a melhoria dos
salários e da distribuição de renda. E tudo isso com muito sentido de urgência.
Nos últimos anos nada foi mais importante no Brasil do que a redução do
desemprego, a elevação da renda e as políticas sociais. Para o grosso da
população não existem medidas mais importantes do que essas. Superávit primário
baseado em cortes de gastos públicos interessam apenas à minoria de rentistas e
parasitas. Em todo o mundo, o que se verifica é que o desemprego é a verdadeira
causa da instabilidade social. Por isso o governo brasileiro tem que colocar a
geração de emprego e renda como o centro da política econômica.
*Economista e supervisor técnico do Dieese em Santa
Catarina.
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