terça-feira, 28 de outubro de 2014

Alegria, orgulho, alívio, nojo, horror

Flávio Aguiar  no site Carta Maior



Ao final desta eleição levo comigo um verdadeiro coquetel de sentimentos.

Em primeiro lugar, a alegria da vitória.

Vitória suada, na raça, como se diz em jogo de futebol, uma vitória de fortes emoções. Nunca vi uma eleição com tanta reviravolta, nem com tanto ódio disseminado. Terá a ver com a internet? É possível, tanto quanto com o ódio de classe que subiu no Brasil, cuja primeira grande manfestação foi a daquela corja de granfinos insultando a presidenta Dilma a partir do camarote do Itaú no Itaquerão.

É uma alegria derrotar esta escória social disfarçada de “élite” (assim, com sotaque francês) do país. Derrotar o seu ódio, o seu desprezo pelo próprio país que a alimenta.

Depois, há um sentimento de orgulho. Orgulho pela presidenta que temos. Sei que há muita gente que não gosta do seu estilo de governar. Tudo nesta vida é passível de críticas e melhoras. Mas deu orgulho ver seu jeito a um tempo sereno e firme de aguentar o repuxo, o ódio, as agressões, com a mesma têmepra e fibra com que aguentou a tortura e a repressão na juventude, ver seu estoicismo diante do destempero do camarote acima referido, ver suas respostas firmes e decididas, não recuando diante dos chutes dos adversários e ao mesmo tempo defendendo o direito do seu povo ter direitos. Deu orgulho também ver sua capacidade de no curso da eleição admitir erros, rever estilos, comprometer-se com mudanças de rumo que seu governo precisa, e com a defesa de valores positivos, como os da reforma política indispensável.

Foi um alívio: a Casa Grande brasileira saiu derrotada. Por pouco, mas derrotada. O que mostra que estamos assistindo o começo do fim da Senzala que a Casa Grande sempre sonha construir e reconstruir no Brasil. Este ano de 2014 foi muito duro. Assisti a verdadeira campanha de desmoralização do país promovida pela mídia conservadora dentro e fora do Brasil, bem como ouvi o coro dos abutres, coveiros e goiabas sobre o “não vai ter Copa”. Daria para plagiar a frase do Lacerda sobre o Getúlio: “não deve haver Copa; se houver, não pode dar certo; se der certo, a gente tem que desmentir que deu certo”. O último arranque desta campanha foi dado pela Fundação Henrich Böll (ligada ao Partido Verde alemão) e o Instituto Solidar (ligado ao Partido Social Democrata da Suíça), divulgando o relatório que afirmava que “o Brasil perdeu com a Copa”, arrepanhando todos os lugares comuns malhados pela direita e pelo movimento “Não Vai Ter Copa”, às vésperas do segundo turno. Deram uma mãozinha para o Aécio: se foi sem querer, pior ainda.

Depois veio a campanha propriamente dita, e com ela a sensação de nojo. A direita brasileira acusa os sucessivos governos liderados pelo PT de estarem transformando o país numa “Venezuela”. Mas quem começou de fato a transformar o Brasil numa “Venezuela” foi a direita, cada vez mais desesperada, cada vez mais dando voz a uma camada mais abastada da população que odeia ver pobre ou ex-pobre em aeroporto, na universidade, indo à Europa pela primeira vez, odeia não poder mais exigir que empregada doméstica use apenas o elevador de serviço e odeia ter de assinar carteira para ela. Esta direita confunde direitos com privilégios, e a campanha desta vez destilou este ódio e este ressentimento, fazendo de fato que fosse a campanha mais violenta que já presenciei em termos de insultos, acusações vazias, transformando-a numa tentativa de linchamento de uma mulher e de um partido. Ou seja, a “élite” brasileira assumiu o estilo de sua congênere venezuelana, uma das mais reacionárias do continente.

O horror vem da suspeita de que este estilo veio para ficar. E também de que ele fomentará as tentativas de paralisação ou até de deposição do governo que inevitavelmente virão. Os desejos de impeachment já relampeiam no horizonte de algumas declarações mais ressentidas.

Mas noves fora, ficam dominando a alegria, o orgulho, e o alívio.




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