Rogério Cezar de Cerqueira Leite
A inesperada candidatura da sra. Marina Silva à Presidência da
República deixa perplexos tanto a população como a opinião pública,
inclusive os mais avisados. Todos reconhecem sua honestidade e
inquestionável obstinação pelo progresso do homem brasileiro. Mas, por
que então esse embaraço? Essa inquietação? Detecto, em casos extremos,
cidadãos bem-intencionados que dizem que votarão em Marina, mas que,
consciente ou inconscientemente, preferem que ela perca. Por que essa
ambivalência?
Não é por causa de seu apego a questões
ecológicas, certamente, pois percebemos que as circunstâncias e as
necessidades materiais imporão limites realistas a eventuais ações nesse
campo. Não é por medo de inadequação em gestão, pois sua equipe,
principalmente aquela que a assistia quando montava o seu partido, a
Rede, inclui executivos, economistas e intelectuais reconhecidamente
competentes.
Resta considerar suas crenças mais íntimas,
inclusive religiosas, por que não? Minha convicção é a de que o
comentarista não tem o direito de especular sobre a religião das pessoas
que analisa. Todavia, há exceções quando se suspeita que essas crenças
possam ter influência no bem-estar do povo. É o caso de
fundamentalismos, inclusive o criacionismo. Marina Silva, no passado,
admitiu essa sua convicção. Ultimamente, evita discussões sobre o
problema.
Pois bem, não me sinto confortável em ter como
presidente uma pessoa que acredita concretamente que o Universo foi
criado em sete dias há apenas 4.000 anos, aproximadamente.
Pois, para isso, é preciso ignorar a montanha de dados cientificamente
incontornáveis e todo o patrimônio intelectual que a humanidade acumulou
durante séculos. Percebo no fundamentalista cristão uma arrogância
incomensurável, que apenas pode ser entendida como uma perversão
intelectual, que não pode deixar de impor tendências cujos limites são
imprevisíveis.
Muitos de seus seguidores vão perguntar qual
seria a explicação para o fato de que tantos intelectuais (ou seriam
pseudointelectuais) tivessem se integrado à Rede? Pois bem, Marina é um
tesouro eleitoral, arrasta com ela uma multidão de eleitores
bem-intencionados. Teria sido pelas suas ideias que esses economistas e
intelectuais aderiram à Rede ou seria por causa do caudal aurífero
eleitoral que, na sua liderança, perceberam?
Outros vão
interpor contestações subjetivas como aquelas relacionadas às suas
incontestáveis qualidades, tais como articulação oral, capacidade como
debatedora, eloquência etc. Ora, o fenômeno que foi chamado
originariamente "idiot–savant" (savantismo) é hoje universalmente
aceito.
A ciência reconhece que o cidadão pode atuar de maneira
coerente em um campo, ser mesmo genial, enquanto em outras áreas do
comportamento mostra-se incapaz, por vezes incontrolável. Ou seja, pior
ainda. O fundamentalismo de Marina Silva não decorre da ignorância, mas
de um defeito de percepção. Os especialistas chamam essa condição de
desordem do desenvolvimento neural.
Essa é a razão por que espero que Marina não ganhe esta eleição.
ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE, 83, físico, é professor emérito da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e membro do Conselho
Nacional de Ciência e Tecnologia e do Conselho Editorial da Folha
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