sexta-feira, 17 de junho de 2011

A frágil recuperação americana

Luiz Gonzaga de Melo Belluzzo

07/06/2011
Os últimos dados sobre o desempenho econômico da economia americana lançam dúvidas a respeito do vigor e da solidez da recuperação da economia mais avançada do planeta. O economista Patrick Artus, redator do boletim econômico da consultoria Natikisis, lançou uma pergunta um tanto retórica: Estamos certos de que há realmente uma recuperação econômica?
Quase em uníssono, os economistas das consultorias e dos bancos antecipam uma retomada econômica nos Estados Unidos e na Europa, ainda que mais lenta nos próximos anos. Uma avaliação mais cuidadosa põe em dúvida tais prognósticos.
Sob o signo da incerteza, há que levantar questões nem sempre consideradas por analistas mais sanguíneos quando se trata da recuperação da economia dos Estados Unidos.
Como o leitor atilado desconfia, a 'Ciência Triste' figura no rol dos saberes precários. Precários os saberes, mas nem por isso menos imprescindíveis para a legitimação do status quo e de suas consequências para os povos submetidos às políticas recomendadas por sacerdotes ou consultores. Que digam os gregos submetidos às dores da crematística, a arte da ação ambiciosa deplorada por Aristóteles.
Nos Estados Unidos, desde 2010 até agora, a política fiscal expansionista sustenta o crescimento, enquanto a política monetária escorada no "quantitative easing" cuida de manter baixas as taxas de juro de longo prazo, aquela exibida pelos "treasuries" de dez anos. Apesar dos esforços do Federal Reserve e do Tesouro, a resposta do gasto privado tem sido pífia. O consumo das famílias e o investimento das empresas permanecem deprimidos e a redução do déficit externo não é suficiente para compensar a fragilidade dos supracitados componentes da demanda doméstica.
Em linguagem mais técnica, mas nem tanto: o multiplicador keynesiano está emperrado. As famílias não conseguem se desvencilhar de uma funesta combinação entre quatro encrencas: 1) o desemprego de 9,1%, o mais alto do período de pós recessão dos últimos trinta anos; 2) o elevado grau de endividamento; 3) a subida dos preços dos alimentos e dos combustíveis, o que corrói as remunerações estagnadas; e 4) a queda continuada dos valores das residências (ou, pior, a perda das moradias por inadimplemento).
Resumo das aflições que afetam a maioria das famílias americanas: rendimentos reais cadentes e estoque de riqueza idem. Diante disso, as empresas fogem do investimento. Afogadas em liquidez e com capacidade sobrante, as corporações não financeiras vislumbram o estreitamento das oportunidades de investimento.
Socorrido pelas ações tempestivas do Federal Reserve, os bancos e demais instituições financeiras agarram-se ao racionamento do crédito. As famílias não podem e as empresas não querem tomar novos empréstimos. As discussões sobre os limites do endividamento do governo e a perspectiva de suspensão do "quantitative easing" não ajudam a melhorar as expectativas do setor privado.
Os dados de maio dão conta da criação de 54 mil empregos, muito aquém dos 165 mil prognosticados pelos economistas ouvidos na pesquisa Bloomberg. Trata-se, é verdade, de cifras referentes a um mês apenas. Mas, não custa lembra: a absorção dos desempregados pela recessão e a criação de novos empregos para os que ingressam no mercado de trabalho supõe, nos próximos anos, a "invenção" de postos de trabalho num ritmo muito superior à média de 272 mil dos três meses anteriores (fevereiro, março e abril de 2011).
No livro "A Consciência de um Liberal", Paul Krugman fustiga os mandatos conservadores de Reagan, seguido das façanhas de Bush pai e filho. Foram 20 anos de celebração da desigualdade. Celebrada pela "economia da oferta", a desigualdade não se fez de rogada e invadiu a vida americana. Sem cerimônia, devastou a classe média, próspera e feliz nos anos 50 e 60 do século XX.
O ambiente social calou os dissidentes, produziu unanimidades tão daninhas quanto grotescas. Esse clima político aplastou as vozes discordantes, satanizou os sindicatos, reduzindo o seu poder de negociação. O número de sindicalizados minguou na mesma proporção em que cresceu a participação dos empregos em tempo parcial e a título precário. Para juntar ofensa à injúria, sobreveio a destruição dos postos de trabalho mais qualificados na indústria de transformação, sob o impacto da concorrência chinesa.
O líder do Partido Republicano, John Boehmer apresentou o diagnóstico conservador nas páginas do "Financial Times": "Nossa economia não esta criando empregos suficientes.. a responsabilidade por isso é do furor dos democratas em cobrar impostos, gastar, tomar empréstimos e regulamentar excessivamente (a economia)".
Declarações como essa permitiram ao articulista do "New York Times", Nicholas Kristof, lançar ataques virulentos contra os republicanos. Na edição de domingo, 5 de junho, Kristof admite que os republicanos têm razão quanto à necessidade de uma política fiscal de longo prazo capaz de reduzir o déficit (hoje em torno de 10% do PIB) e aplacar a evolução da dívida pública.
Dispara Kristof: "É claro que Sarah Palin ou John Boehmer não pretendem transformar Washington em Islamabad-sobre-o-Potomac. Mas a maioria dos republicanos quer 'matar por inanição a besta do governo', reduzir impostos, bloquear a regulamentação e cortar os serviços sociais - derrubar tudo, menos os gastos militares. Bem, esta é a marcha em direção ao Paquistão."
Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp e escreve mensalmente às terças-feiras.

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