quarta-feira, 15 de junho de 2011

Empresa antecipa recursos para projeto e aplica em juros

João Vilaverde, para o Valor Econômico de 10 de junho 


Para embolsar o diferencial de juros, escapar do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e ainda realizar um investimento produtivo, que justifique o não-recolhimento de IOF, empresas privadas estão praticando uma espécie de "arbitragem regulatória". Essa é a avaliação do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), que prepara estudo sobre o "boom" de endividamento externo recente, a que o Valor teve acesso. De acordo com o estudo, o país assiste a uma antecipação dos planos de investimentos das empresas. Os empréstimos inter-companhias, isso é, da matriz à subsidiária, estão livres da cobrança do IOF. Assim, as companhias antecipam a entrada de divisas que financiarão investimentos futuros e aplicam os recursos no mercado financeiro.
O endividamento externo brasileiro aumentou 42,4% entre janeiro de 2009 e abril deste ano, e, ainda que o total acumulado (US$ 282,4 bilhões) seja superado pelas reservas internacionais do Banco Central, causa alerta por sua composição - em sua maior parte, trata-se de dívida externa privada. No período, a participação dos bancos no total contraído com o exterior foi de 42,8%, enquanto das empresas de outros setores foi de 51,8%. "Como nesses grupos predominam agentes privados", diz o estudo, "pode-se afirmar que o endividamento externo pós-crise é um processo intenso e virtualmente todo ele privado, sob a liderança dos bancos".
A participação de bancos e empresas no total do endividamento externo aumentou em quase oito pontos percentuais no período, atingindo 76% em abril, dado mais recente do BC.
Quando o governo retomou as elevações na alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre a aplicação em títulos de renda fixa, em outubro de 2010, o fluxo de investimento estrangeiro direto fora de US$ 6,8 bilhões. Dois meses depois, em dezembro, já atingira US$ 15,4 bilhões e, nos primeiros quatro meses de 2011, ingressaram US$ 23 bilhões sob a forma de investimento.
"O veloz aumento no endividamento externo privado é muito preocupante", diz Júlio Sérgio Gomes de Almeida, consultor do Iedi e autor do estudo, "porque, neste ritmo, pode ultrapassar o patamar das reservas, que já crescem em uma toada menor". Para Almeida, que foi secretário de política econômica do Ministério da Fazenda, a "arbitragem regulatória" praticada por empresas e bancos para escapar do IOF está "revertendo todo o esforço recente do setor público em reduzir o endividamento externo".
Ao antecipar a internalização de recursos para investimentos, as companhias cumprem a regulação vigente, que livra de IOF o investimento estrangeiro direto. "É muito complexo, para o governo, fiscalizar o que as empresas fazem com o capital que tomam no exterior, seja com a matriz seja no sistema financeiro", diz Almeida. "A única coisa certa é que esse fluxo de recursos não vai durar para sempre, seja por uma aversão a risco quanto à elevação do endividamento externo, seja pela pressão sobre a taxa de câmbio, que pode atingir um piso de valorização a partir do qual o mercado comece a precificar uma desvalorização".
Segundo uma fonte consultada pelo Valor, o processo a que o Iedi denomina de "arbitragem regulatória" funciona da seguinte forma: em vez de disparar US$ 100 milhões para a subsidiária no Brasil investir em janeiro de 2012, a matriz estrangeira antecipa o envio de US$ 80 milhões, que são aplicados no mercado financeiro brasileiro até janeiro do ano que vem, quando o dinheiro é sacado e aplicado como investimento, seguindo o planejamento estratégico da companhia. "Esse modelo foi impulsionado pelo governo federal", diz a fonte, que atua na intermediação de empresas e mercado financeiro.
Para Almeida, uma saída seria a instituição do IOF para os empréstimos inter-companhia. "Apenas o investimento estrangeiro direto para participação em capital ficaria livre da taxação", avalia.

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