sexta-feira, 24 de junho de 2011

É o Barça que faz Messi melhor


Clóvis Rossi | Para o Valor, de São Paulo
24/06/2011
    

Reuters
A celebração da vitória na Liga dos Campeões da Europa, no dia 28: Guardiola entendeu que dar total liberdade ao jogador argentino e fazer a equipe atuar em função dele era a melhor tática
É relativamente simples explicar o que parece um mistério, o fato de Lionel Messi não conseguir ser, com a seleção argentina, o melhor jogador do mundo que vem sendo com a camisa do Barcelona, há dois anos consecutivos.
A explicação está em La Masía, o centro de formação de jogadores do Barça, uma usina de craques.
La Masía modela seus jogadores não com uma tática nem mesmo com uma estratégia, mas com uma cultura de jogar o futebol até aqui inimitável. O princípio básico é elementar: ficar com a posse de bola o maior tempo possível. Por definição, quem está com a bola não pode sofrer gol e é proprietário do único instrumento capaz de produzi-los, a bola, naturalmente.
É claro que ter a bola apenas não basta. É igualmente essencial tratá-la com sumo carinho, arte em que os meninos de La Masía são educados literalmente desde criancinhas (o próprio Messi chegou ao Barça com apenas 13 para 14 anos).
É essa meninada, alguns já não tão meninos, e é essa cultura que cercam Messi e lhe oferecem as condições ideais para que seu talento natural apareça.
Toda a espinha dorsal do Barça é formada em La Masía, do goleiro Victor Valdés ao atacante Pedro Rodríguez, passando pelos zagueiros Carles Puyol e Gerard Piqué, pelo meio-campista Sérgio Busquets e chegando ao coração, pulmões e alma da equipe, Xavi Hernández e Andrés Iniesta.
Com esse, digamos, círculo íntimo, fica mais fácil brilhar. Já na seleção argentina dos anos Messi não há nem remotamente uma orquestra parecida. Basta uma comparação para entender a diferença: Javier Mascherano é titular do meio de campo da Argentina, mas, no Barça, é irremediável reserva. Só se tornou titular no fim da temporada 2010/11 como zagueiro e, assim mesmo, porque Puyol se machucou.
Não é apenas a ilustre companhia que facilita a vida de Messi no Barça, mas não na seleção argentina. Pesa também o fato de que o técnico Josep Guardiola - de resto outro produto de La Masía, primeiro como jogador e depois como treinador do Barcelona B - entendeu que dar total liberdade ao jogador argentino e fazer a equipe atuar em função dele era a melhor tática.
É impossível definir a posição de Messi no Barcelona de acordo com os códigos tradicionais no futebol. Nem é ponta-direita (ou esquerda) nem é centroavante nem é meia. É tudo isso ao mesmo tempo, além de não ter o pudor que muito craque tem de recuar para ajudar a defender.
A reverência a um jogador fora de série ficou ainda mais nítida na definição do prêmio de melhor jogador do mundo. Uma lei não escrita diz que o prêmio vai para um jogador campeão do mundo de seleções, em anos em que se disputa a Copa do Mundo. Em 2010, houve Copa, a Espanha levou e, por isso, os candidatos naturais ao troféu eram Andrés Inieste, autor do gol que deu o título aos espanhóis, e Xavi Hernández, o motor também da seleção.
Contrariando a prática usual, Messi levou o troféu, mas não houve muxoxos entre os companheiros derrotados do Barcelona. Todo o grupo sabe que Messi é, com ou sem o título oficial, o melhor do mundo, pelo menos quando se veste de "blau-grana" (azul e grená, as cores do Barça).
Não há essa reverência na seleção argentina. Nem mesmo de parte da torcida. O normal é que o torcedor tenha mais carinho por jogadores de seu clube, mesmo quando está na equipe nacional. O fanático do Boca Juniors ou o do River Plate - os dois clubes mais tradicionais do futebol argentino - valoriza mais quem veste ou já vestiu a camisa de seu clube.
Messi vestiu apenas a do Newell's Old Boys, da cidade de Rosário, e assim mesmo como infanto-juvenil (saiu para a Espanha com apenas 14 anos, lembre-se).
Se no Barça encontra companheiros, alguns desde criança, na seleção argentina encontra adversários. Seu companheiro habitual no ataque chama-se Gonzalo Higuaín, que, na Espanha, joga pelo Real Madrid, o mais feroz adversário do Barça. No Barça, Messi encontra vizinhos de uma cidade relativamente pequena. Já a seleção é uma coleção de gente vinda dos mais diferentes pontos, até da Argentina.
Formar uma equipe nessas circunstâncias é incomparavelmente mais difícil, o que significa que a seleção argentina não pode conseguir jogar ao nível do Barça. Posto de outra forma, não é apenas Messi que não joga na Argentina como o faz no Barça; é a Argentina que não joga, nunca, como o Barça o faz quase sempre.
A culpa, pois, se culpa há, não é do jogador, mas dos fatos da vida pura e simplesmente.
Clóvis Rossi é jornalista da "Folha de S. Paulo" e feliz torcedor do Barça

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