Quem, ainda dotado de um resquício de
espírito crítico embora dado à autoflagelação, se dispôs a assistir às
sessões de segunda 29 e terça 30, derradeiros quadros do ato da farsa
trágica intitulado Impeachment, o segundo, provavelmente, terá de cair
em depressão profunda.
O conjunto da obra imposto ao País,
desde a eclosão do escândalo da Petrobras até os dias de hoje ao longo
de um enredo tortuoso e apavorante na sua insensatez, levará aquele
cidadão, peculiar em relação à maioria, a se render à evidência: o maior
problema do Brasil, muito antes do desequilíbrio social e da corrupção,
é o quociente de inteligência baixo, baixíssimo. Um país que se permite
um golpe desta natureza carece de saúde mental.
No palco o espetáculo engloba a plateia
por inteiro, mesmo que muitos se suponham meros espectadores, e
representa um povo primitivo, da cúspide da pirâmide à base. Cordial não
é certamente, como sinônimo de alegre, bonachão, malemolente. E a
pirâmide, a bem da verdade, é mais um estranhíssimo contubérnio com um
cone, ponta de agulha em vez da cúspide e uma base imensa e compacta. Um
Frankenstein geométrico e social.
A resignação na base explica-se ao
evocar três séculos e meio de escravidão, que deixaram a marca da
chibata no lombo de dezenas de milhões de cidadãos privados da
consciência da cidadania e geraram um preconceito feroz, conquanto
hipocritamente negado até por quem, a despeito do “pé na cozinha”,
agregou-se, ao enricar, a uma aristocracia de fancaria.
A resignação do povão merece pena em
lugar de tolas interpretações. Ao cidadão ainda em condições de exercer o
espírito crítico há de doer entre o fígado e a alma a forma pela qual a
prepotência vinga e o cenário se aquieta, como se a farsa trágica em
andamento fosse obra dos fados, gregos, obviamente.
Está claro, de todo modo, que o golpe
de 2016 é infinitamente mais grave do que o de 1964. Este provocou
reações fortes, criou uma resistência e até uma luta armada, além do
anseio de democracia autêntica, como jamais se dera até então, passível
de ser atingida tão logo se fossem os ditadores.
Se falo por mim, a ditadura me levou ao
entendimento da real serventia do jornalismo e me reteve no País graças
a esse entendimento, destinado a oferecer motivação a um cético
convicto ao excitar seu otimismo na ação.
O golpe destes dias devolve o Brasil
aos tempos mais remotos e demole inexoravelmente todos os avanços
ocorridos depois de 1985. Não foram demolidas a casa-grande e a senzala,
mas avanços se deram, e o maior deles está na eleição de Luiz Inácio
Lula da Silva em 2002.
Foi divisor de águas na história
brasileira tornar um ex-metalúrgico o primeiro mandatário. Aquele
momento aparentou ser a prova provada da habilitação do Brasil à prática
da democracia.
Lula teve méritos inegáveis, já
apontados largamente por CartaCapital e reconhecidos mundialmente. Hoje o
vemos perseguido por razões inconsistentes e até ridículas, com a
pronta colaboração de uma polícia que se presta ao serviço outrora
entregue pela casa-grande a capatazes e jagunços, e o beneplácito de uma
Justiça de mão única.
Imaginar que a farsa trágica se encerra
com o impeachment é ilusão ou parvoíce. Não faltam escribas para outro
ato, o terceiro, grand finale, e nele Lula é excluído à força da disputa
presidencial de 2018.
Cabe uma pergunta a quem ainda trava
diálogos com seus botões: se houver eleições presidenciais em 2018, de
que feitio serão? O golpe, ao rasgar a Constituição, manda às favas o
presidencialismo republicano para substituí-lo pela lei do mais forte.
Que surgirá dos escombros? E os eleitores, acreditarão na validade do
pleito se a pesquisa de opinião e a prepotência de uma gangue sinistra
que age a mando da casa-grande anulam o voto popular? Mais: se o
candidato favorito é excluído ao sabor de falsas acusações?
Botões atentos responderão que a prisão
de Lula é perfeitamente possível, se não provável, já que a quadrilha
manda, a mesma que precipita o impeachment de Dilma Rousseff sem prova
de crime de responsabilidade. A presidenta impedida defendeu-se em
plenário com os argumentos justos e irretocáveis como se dirigisse a uma
Câmara Alta digna da contemporaneidade do mundo e da confiança dos
eleitores, e horas e horas a fio os defendeu com empenho e elegância.
Aos meus botões pergunto, contudo, se não teria sido melhor dirigir-se
ao povo brasileiro para ler, pacatamente, mas sem retoques, a ficha
criminal daqueles que se arvoraram a julgá-la.
Sempre tive admiração pela figura de
Sansão, ele disse no lance final da sua aventura bíblica, “morra,
Sansão, com todos os filisteus”, e pontualmente executou a ameaça. Dilma
não dispõe da musculatura de Sansão, tampouco da mentalidade do
“perdido, perdido e meio”, apesar da coragem que soube mostrar em
situações diversas. Não lhe faltou energia para aguentar dois dias de
uma pantomima celebrada para tornar a decisão tomada faz meses, e
prolongada conforme um ritual ibérico, tão inútil quão humilhante.
Dilma teve de suportar situações
deploráveis, recheadas pela retórica mais hipócrita, pelas lacunas
culturais dos interrogadores, frequentemente pela lida difícil com o
vernáculo, e pela aterradora atuação do presidente do STF, Ricardo
Lewandowski, avalista do desastre.
Pergunta Aécio Neves algo assim como “a
senhora não se sente responsável pela alta do desemprego?” Dilma
responde com uma aula sobre as origens e os desenvolvimentos da crise
econômica mundial em vez de desancar o torquemadinha mineiro. Será que
querem puni-la por causa do desemprego?
De todos, mais deplorável e revelador, o
víscido desempenho do senador Cristovam Buarque. Sim, ele reconhece,
Dilma é uma mulher honesta e lhe merece muita simpatia, mas as
“pedaladas” são criminosas e ele tem de se render às suas
responsabilidades de cidadão e de parlamentar para cumprir a missão de
condená-la.
Abjeta tentativa de se mostrar como
varão de Plutarco, enquanto participa de um crime, este sim irrefutável.
Honra ao mérito, em contrapartida, aos digníssimos senadores Roberto
Requião e Lindbergh Farias.
Buarque prefere apostar no QI baixo, ao
rés do chão, e nesta confiança não se diferencia dos demais golpistas.
Parlamentares, juízes, promotores, policiais, empresários rentistas,
barões midiáticos e seus sabujos. Muitos, entre estes, também não primam
pelo brilho da mente. Umas dúvidas me assaltam em relação ao juiz
Sergio Moro. Será que acredita no que diz ao afirmar a semelhança entre a
Lava Jato e a Mani Pulite?
Com inefável candura, continua a
afirmar que os vazamentos para a mídia foram uma arma eficaz da operação
italiana. Saberá ele que a mídia peninsular está nas antípodas da
nativa, no sentido de que se abre em leque em sintonia com ideologias e
tendências políticas a representar todos os estratos da nação?
Como sabemos, a mídia nativa é do
pensamento único, na linha do vento a soprar das alturas da casa-grande,
mesmo porque seus patrões são inquilinos cativos da mansão senhorial.
Moro já percebeu isso tudo e sabe que a Suprema Corte da Itália costuma
agir como sentinela da lei e da sua aplicação, bem ao contrário do nosso
altamente politizado STF?
Mani Pulite não pretendeu alvejar um
partido e os seus líderes, e sim um sistema corrupto. Da investida
escapou tranquilamente o Partido Comunista de conduta irrepreensível, em
um país onde a Constituição permanece a mesma desde 1948.
A respeito do QI baixo de inúmeras
personagens da farsa trágica, não tenho dúvida, bem como de uma classe A
e B1 (adoto as terminologias correntes) nunca alcançada pelas lições do
Iluminismo, estupidamente exibicionista, ignorante até a medula,
arrogante e vulgar. Não são melhores os seus aspirantes, os brasileiros
sequiosos de chegar lá, e mesmo aqueles que estão longe disso e se
antecipam ao comungar com idênticas, parvas pretensões.
Com este gênero de brasileiros, um diálogo baseado na razão e na lógica é simplesmente impossível. Sabem tudo de antemão, nutridos pela torpe narrativa midiática, ou de ouvidos postos no que sai da boca dos graúdos.
Inúteis esperanças foram as de quem
pretendeu trafegar pela realpolitik e, embora de esquerda e
desenvolvimentista, tentou agradar aos senhores e fez genuflexão ao deus
mercado. Como se deu com a própria Dilma, ao chamar Joaquim Levy para a
Fazenda.
Em sua defesa da presidenta afastada,
dia 25 de agosto, o professor Belluzzo não deixou de apontar o erro
grave, e nem por isso passível de punição pelo impeachment. Sem contar
que Joaquim Levy jamais será tido como inimigo dos golpistas. Aliás,
quem imagina ser possível um entendimento com a casa-grande comete um
erro fatal: no Brasil, conciliação só das elites.
Diálogo equilibrado deste lado é também
inviável, e buscá-lo exibe um QI frágil. No poder o PT enredou-se nas
suas próprias carências, entre elas a ausência de crenças arraigadas por
parte até de alguns de seus líderes, e portou-se como todas as demais
agremiações políticas, melhor, clubes recreativos.
Muitos dos comportamentos de uma
esquerda tão distante das consignas iniciais revelam, a seu modo, o QI
baixo. Sem excluir os jovens revolucionários de tempos idos, tão
desnutridos de leituras e de ideias, radicais extremados em nome da moda
passageira.
Não tenho conhecimento suficiente para
dissertar a respeito do exato significado de inteligência. Sei apenas
que cada qual ao nascer recebe a sua horta de neurônios, cujo tamanho
depende de uma série de fatores, a começar pelo DNA. Para dar frutos, a
horta precisa ser cultivada, pelo estudo, pela leitura, pela busca do
conhecimento. Nem todos têm a chance de cumprir a tarefa.
No Brasil de um Estado desinteressado
da saúde mental e física do povo, certamente muito poucos. Não há como
apurar quantos gênios são desperdiçados em um país onde o povo é valor
descontável, quando é, de verdade, um tesouro inexplorado.
E esta também, e sobretudo, é prova de
um quociente de inteligência baixo, baixíssimo. A gritaria e os fogos
ouvidos no encerramento do segundo ato da farsa trágica são próprios da
festa da pobreza de espírito.
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