quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Ajuste fiscal e o rosário de maldades



                                                                                José Álvaro de Lima Cardoso*
        O DIEESE divulgou recentemente Nota Técnica intitulada "O Novo Regime Fiscal". Ótima opção de leitura. Passagem importante do texto:
"A observação dos dados parece ir contra a ideia de que tem havido um descontrole das despesas, mas sim de que o problema fiscal está associado à estagnação econômica de 2014, seguida pela crise, e ao ajuste recessivo adotado em 2015. As despesas primárias, como se disse, tiveram um comportamento compatível com o aumento das receitas até 2012. Essas últimas aumentaram por efeito do ciclo de crescimento e da maior formalização da economia, como se evidencia pela estabilidade da carga tributária como percentual do PIB na casa dos 33%. Foi em 2014 e em 2015, sob efeito da crise internacional e da perda de dinamismo interno, aliado ao ajuste recessivo adotado em 2015, que as receitas se deprimiram comprometendo o equilíbrio fiscal" (p.6).
        Essa ideia, em contraposição à visão do governo, de que o problema são os gastos primários decorrentes dos direitos da Constituição Federal de 1988, sintetiza boa parte da disputa de interpretação da conjuntura nos dias que correm.  Esta narrativa do governo, que é a do golpe, permeia propostas como a famigerada Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, que congela gastos sociais do governo por 20 anos. Como a referida Nota Técnica demonstra, a piora da questão fiscal no Brasil está relacionada à estagnação econômica de 2014, seguida da recessão nos dois anos subsequentes, esta agravada pelo tipo de ajuste operado em 2015.
        A PEC 241, e outras medidas, querem passar a impressão de que o governo federal está firmemente empenhado em alcançar a austeridade fiscal. Mas este é um jogo para a plateia (leia-se mercado). O encaminhamento da proposta do governo de ampliar a previsão de déficit para 2016, para R$ 170,5 bilhões, praticamente o dobro do valor proposto pelo governo anterior, revelou que não há compromisso com o controle das contas públicas. O que existe é o compromisso de fazer o ajuste fiscal com o sacrifício dos direitos trabalhistas e sociais, duramente obtidos ao longo de décadas de luta e debate da sociedade brasileira.    
      Além do congelamento por 20 anos das despesas correntes e dos investimentos da União, com exceção das despesas decorrentes da dívida pública, previsto pela PEC 241, o governo está preparando um conjunto de maldades, que afetarão profundamente a vida dos brasileiros. É a prevalência do negociado sobre a legislado, privatização radical de todo o patrimônio público e natural do país, entrega do pré-sal, venda de terras para os estrangeiros, entrega do Aquífero Guarani. E por aí afora.
       Mas, do conjunto da obra que os golpistas estão encaminhando, uma das mais graves propostas, se relaciona à reforma da Previdência Social. Querem aumentar o tempo de contribuição e a idade mínima, e desvincular os benefícios e a aposentadoria do salário mínimo. A valorização do salário mínimo acima da inflação nos últimos anos, inédita na história, tem sido fundamental na melhoria do perfil de distribuição de renda e vital para a dignidade da maioria das famílias, residentes em mais de 60% dos pequenos municípios, e alguns municípios médios, no país. A previdência social no Brasil tem um papel distributivo, que é estratégico para os interesses nacionais e para a coesão social. Implodir o sistema da Previdência Social hoje, da forma como estão pretendendo, é de uma gravidade social e política incalculáveis.
        O mais grave é que tais medidas não estão sendo propostas por qualquer objetivo nacional ou desenvolvimentista, ou para equilibrar as contas públicas. Elas estão sendo encaminhadas por razões inconfessáveis, porque isso faz parte dos compromissos dos golpistas com um dos blocos de interesse do golpe, a chamada plutocracia. Tais medidas estão encaminhadas para levar ainda mais dinheiro para os bolsos dos rentistas, que absolutamente não estão interessados em projeto de desenvolvimento ou melhoria da vida da maioria dos brasileiros. Resta saber se a população, que provou por alguns poucos anos o gosto da melhoria de vida e da emergência social, irá aceitar passivamente o rosário de maldades que lhe está sendo reservado.
                                                                                                                      *Economista.                                                                                                                                                                                                                          

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