quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Vamos perder também a maior reserva de água pura do mundo?



                                                           *José Álvaro de Lima Cardoso.
        Há alguns dias Michel Temer e alguns ministros foram aos EUA “vender” o novo programa de infraestrutura do governo, tendo se encontrado com vários representantes de empresas norte-americanas. Conversaram com analistas de mercado, diretores de bancos e representantes de agências de classificação de risco. Entre vários acenos do governo brasileiro aos investidores, feitos antes da mencionada reunião, o novo embaixador do Brasil nos EUA, Sérgio Amaral, afirmou que o objetivo do encontro era “atrair investimentos e ver se há mudanças que podemos fazer em nosso sistema regulatório para trazer esses investimentos”. O embaixador vem ressaltando que o novo governo abandonou a política externa baseada, conforme sua definição, “por orientações ideológicas e partidárias”.
        Conforme tem sido destacado por alguns analistas internacionais, o golpe no Brasil faz parte de um projeto de recolonização continental dos Estados Unidos, que dependem cada vez mais dos recursos naturais existentes na América Latina, como minerais estratégicos, petróleo e toda a biodiversidade da Amazônia. Neste contexto, um dos interesses centrais dos EUA, e das grandes corporações mundiais de bebidas e alimentação (Nestlé, Danone, Coca Cola), são as colossais reservas de água existentes na região. Não deve ser por acaso que o governo dos Estados Unidos negocia, neste momento, com o governo Macri a instalação de bases militares na Argentina, uma em Ushuaia (na Terra do Fogo) e a outra localizada na Tríplice Fronteira (Argentina, Brasil e Paraguai). O grande interesse da instalação destas bases, ao que tudo indica, são os aquíferos localizados na Região, especialmente o Guarani. É conhecido que EUA e a Europa enfrentam grave problema da falta de água, pois a maioria dos rios dos EUA e do Velho Continente estão contaminados.
         A mídia já noticiou que o Aquífero Guarani, deverá constar na lista de bens públicos privatizáveis, juntamente com as reservas do pré-sal, empresas elétricas, etc. O Aquífero, maior reserva de água pura do mundo, é desconhecido da maioria da população e muito cobiçado pelos grandes grupos econômicos. O interesse das multinacionais sobre essa reserva de água possui bases muito objetivas. Resultado de uma formação rochosa com mais de 250 milhões de anos, o Aquífero tem mais de 1 milhão e 200 mil km2 e capacidade de abastecer o mundo por 300 anos. Dois terços da reserva estão em território brasileiro, no subsolo dos Estados de Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
       Segundo o geólogo e professor Luiz Fernando Scheibe, da UFSC, acima do aquífero Guarani tem um outro, o Serra Geral, e ambos são fundamentais para o abastecimento do Sul do Brasil e também do Estado de São Paulo. Segundo o professor, estudioso do assunto, as grandes empresas em todo o mundo, vêm operando políticas para privatizar os recursos hídricos. Um dos métodos utilizados é a venda de água engarrafada. A Nestlé, por exemplo, maior corporação mundial de produtos alimentícios, responde por mais de 50% de toda a água engarrafada, comercializada no Brasil. A partir das evidências das grandes reservas de água na Região, ainda na primeira década dos anos 2000, segundo o professor Scheibe, empresas como Nestlé e Coca-Cola começaram a adquirir fontes de água localizadas nas áreas de recarga e afloramento do Aqüífero Guarani.
        O presidente da Nestlé defende, sem cerimônias, políticas de privatização das fontes de água. Para Peter Brabeck-Letmathe, a privatização do fornecimento da água seria a fórmula para que a sociedade tomasse consciência da importância desse bem. Detalhe importante: o defensor de tais ideias é o presidente da líder mundial na venda de água engarrafada, setor que representa 8% do faturamento da empresa. As declarações do executivo estão longe de serem casuais ou espontâneas, como se pode constatar pelos dados. O grupo presidido por ele, junto com mais três ou quatro empresas (Coca Cola, Pepsi Cola, Danone) controlam uma espécie de oligopólio no engarrafamento de água, dominando um setor cada vez mais estratégico no mundo. Segundo os estudiosos do assunto, muitas vezes a água engarrafada é coletada na rede pública pelas empresas, que se limitam a acrescentar um pacote de minerais, criando assim “água mineral”. Com essa operação o preço da garrafa sobe, muitas vezes, em até mil por cento, tornando-se um dos negócios mais lucrativos do mundo, num ambiente de inexistência ou debilidade na regulação social da atividade.
         Sob o pretexto de enxugar gastos estatais, o objetivo central das privatizações no Brasil, e em outros países do globo, é aliviar, para os grandes grupos econômicos, os efeitos da crise mundial, com a entrega de patrimônio público. Nessa esteira estão a entrega do pré-sal e o enfraquecimento da Petrobrás, privatização do que restou do sistema elétrico público, do Banco do Brasil. Enfim, entrega do que o setor público dispõe de mais rentável e eficiente, deixando é claro, a “carne de pescoço” para o Estado.
        A ganância das multinacionais sobre o Aquífero Guarani representa mais um degrau na escalada golpista. Se o golpe não for interrompido, descobriremos daqui a alguns anos, que o projeto de congelamento dos gastos públicos (contido na PEC 241) não resolveu o problema das contas públicas, mas já terá cumprido a sua função: distrair o movimento social e sindical, enquanto somas absurdas são transferidos ao sistema financeiro e são privatizadas empresas públicas e reservas estratégicas, incluindo o maior manancial subterrâneo de água pura do mundo.  
                                                                         *Economista.


                                                        

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