domingo, 1 de dezembro de 2019

O preço da cesta básica e o custo da injustiça


                               
                                                    *José Álvaro de Lima Cardoso
    Segundo o DIEESE, em outubro o preço médio da cesta de alimentos em Florianópolis alcançou R$ 458,28. Um aumento de 0,73% no mês, e de 1,76% em 12 meses, tendo ficado abaixo da inflação apurada no mesmo período. Detalhe crucial: este é o custo da cesta básica suficiente para alimentar 1 adulto ao longo de um mês, não uma família. Entre as 17 capitais pesquisadas, Florianópolis ficou como a quarta cesta mais cara, mais ou menos a posição que, historicamente, tem mantido a capital catarinense. Mais importante que a variação em um ano (1,76%), abaixo da inflação, é o valor absoluto da cesta, que corresponde à metade do salário mínimo líquido (isto é, após o desconto previdenciário).
     Para o trabalhador que está comprando o seu alimento, pouco importa a variação percentual no mês, ou nos últimos 10 anos. Informações estas que, em regra, ele muitas vezes nem entende direito. O fundamental é quanto custa a cesta básica, quanto o trabalhador terá que desembolsar dos seus minguados recursos para levar para casa produtos imprescindíveis à vida de sua família. Para termos uma ideia do peso que os alimentos têm no orçamento dos trabalhadores, no mês de outubro, um trabalhador de salário mínimo, em Florianópolis, destinou 101 horas da sua jornada mensal de trabalho, para a aquisição dos 13 produtos da cesta básica.
     Em outubro, em meio à variação de preços dos produtos que compõe a cesta básica pesquisada pelo DIEESE, chamou atenção a variação do preço da carne (6,16%). É que a carne, além de ser essencial, representa mais de 36% do custo total da cesta, em Florianópolis. Segundo dados do setor produtivo o aumento do preço da carne deverá se manter nos próximos meses, pressionando o custo total da cesta de alimentos. O fenômeno está ligado ao aumento das exportações de carne para a China, cujo rebanho suíno foi atacado pela peste suína africana, que matou 7,5 milhões de animais em toda a Ásia. Além das exportações de carne terem aumentado significativamente para a China, elas também cresceram muito para a Rússia e Emirados Árabes, quando se compara com as realizadas no mesmo período no ano passado.
     A redução da oferta de carne para o mercado interno – e consequentemente o seu aumento de preços – levou à uma elevação de preços, também, de outras fontes de proteína como carne suína, de frango e ovos, na medida em que aumentou também o consumo destes produtos. Na elevação dos preços destes produtos há, é claro, um forte movimento especulativo, no qual os grandes comerciantes, ao disporem de alternativa externa para venda de seus produtos, impõem os seus preços ao mercado interno. Este movimento é facilitado pela diminuição da oferta de gado bovino, em função de estratégia adotada pelo setor, de retardamento da engorda dos animais, aguardando a melhoria dos preços. Os produtores atrasaram o período de confinamento dos animais, mantendo-os nos pastos, onde o custo é menor, retardando estrategicamente o envio para o abate. 
     A alta dos preços da carne foi também alavancada pela desvalorização do real, que fez a cotação do dólar bater recorde, chegando ao final de novembro em R$ 4,26 (28.11). Essa desvalorização da moeda nacional (com base na qual são calculados os custos de produção do setor) em relação ao dólar (que garante a receita de vendas do exportador) torna o mercado externo extremamente atraente. Especialmente quando puxado por governantes chineses, preocupados com a segurança alimentar de sua população e abarrotados de dólares.
   Para termos uma ideia do que pode ocorrer no varejo de carnes nos próximos dois meses: segundo dados do CEPEA (centro de pesquisas econômicas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ), da USP), a média da arroba (15 kg) do boi até meados do ano, paga aos pecuaristas, estava entre R$ 150 e R$ 160. Em novembro, já com mais frigoríficos autorizados a exportar para a China, este valor passou dos R$ 220. Essa alta de preços no atacado da carne, representa um aumento, em pouco tempo, de quase 47% (em relação aos R$ 150), que tendem a serem repassados ao varejo neste final de ano. A maior oferta de animais para o abate no começo de 2020, deve fazer os preços recuarem. Mas, segundo previsões do setor, estes não retornarão aos patamares anteriores.
     A disparada do preço da carne coincidiu com o anúncio, do governo federal, de que, na primeira etapa da reforma tributária que enviará ao Congresso Nacional ainda neste ano, pretende acabar totalmente com a isenção de produtos da cesta básica. Em São Paulo, onde no mês de outubro, o DIEESE apurou a cesta básica mais cara do pais, de R$ 473,59, a desoneração desses produtos é de quase 100%. Há um cálculo preliminar do IBTP (Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação), que indica que, se os tributos hoje isentos na cesta básica retornarem, o valor desta subiria para R$ 581,00.
     A intenção de aumentar os impostos incidentes sobre os produtos da cesta básica nos fornece a medida exata do governo Bolsonaro. O Brasil é o segundo maior produtor de carne bovina e o país que mais exporta o produto em todo o mundo. Com a destruição das estruturas de combate à fome, feita a partir do governo Temer e aprofundadas por Bolsonaro, a fome voltou a aterrar o Brasil. Dadas as condições naturais e tecnológicas do país, a comida deveria ser quase de graça para a maioria da população, que tem renda muito baixa. Ao que se sabe, em boa parte dos países, não há incidência de tributação sobre os alimentos básicos. Por suas condições de produção (naturais e tecnológicas), que lhe dá o potencial de ser o “celeiro do mundo”, o Brasil deveria isentar 100% dos impostos sobre tais alimentos.
     No Brasil, proporcionalmente os pobres pagam muito mais impostos, porque a incidência do tributo é majoritariamente indireta, ou seja, está embutida nos preços das mercadorias e serviços. Enquanto os mais pobres são penalizados, dividendos distribuídos para os acionistas de empresas não estão sujeitos à incidência de Imposto de Renda. O sistema tributário brasileiro representa uma máquina de geração e manutenção de desigualdade social e pobreza. Essa deveria ser uma preocupação fundamental, porque, segundo dados da Cepal (Comissão Econômica para América Latina e Caribe), a pobreza extrema aumentou 11,5% desde 2014 em toda a Região (Panorama Social de América Latina 2019). Mas não há nenhuma surpresa no fato de que o governo Bolsonaro encaminhe planos para aumentar a injustiça tributária e aumentar o fome de parcela mais pobre da população no Brasil.  
                                                                                                  *Economista. 29.11.19

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