sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

Legitimidade, viabilidade e importância da reivindicação dos pisos em Santa Catarina: algumas notas


                                 
                                                  *José Álvaro de Lima Cardoso
     A reivindicação dos trabalhadores catarinenses, que desejam igualar os pisos do Estado aos do Paraná, o que significa reajustes entre 10% e 15%, é legítima, viável e importante. Nesse debate, alguns elementos devem ser considerados:
1.Ao destruir direitos em escala industrial e entregar a soberania, Bolsonaro está destruindo o país. A serviço de potências estrangeiras. Do ponto de vista dos interesses da população, isso não vai dar certo, porque não deu certo em nenhum país do mundo;
2.O que pode quebrar o empresário catarinense é a política suicida do Bolsonaro/Guedes e não um aumento de 10% nos salários para comprar feijão, arroz, batata e leite. Até porque na indústria, segundo a Pesquisa Industrial Anual do IBGE, o peso dos gastos de pessoal no custo total industrial está em torno dos 13%, incluindo salários e encargos sociais. É o custo do trabalho. Os problemas das indústrias, assim como das empresas em geral, estão localizados nos demais custos, como matéria-prima, câmbio, taxa de juros, etc.;
3.A tentativa que Bolsonaro está fazendo, por orientação dos EUA, de destruição do Mercosul, está dando muito mais prejuízo para o empresariado catarinense e brasileiro em geral, do que qualquer aumento moderado de salários, que só iria beneficiar o mercado consumidor interno;
4.Estamos falando em aumentar o custo da força de trabalho (no custo total industrial) em 1,3% ou 2%, exatamente na parte do custo empresarial que produz valor novo. Máquinas e equipamentos não produzem valor, apenas o transferem. Estamos querendo proporcionar cerca de R$ 100 mensais, para quem produz toda a riqueza do País e do estado;  
5.Força de trabalho essa, que depois irá consumir a maioria dos bens produzidos. Os trabalhadores são fundamentais na produção e no consumo. Quem vive do seu trabalho alcança a cifra no Brasil, por baixo, de 90% da população. Porque o País está há cinco anos ou em recessão ou estagnado? Porque, dentre outras coisas, o mercado consumidor está sendo destruído pelo golpe de Estado de 2016;
6. Os empresários bem informados sabem que destruição de direitos e de salários nunca levou a crescimento econômico em país nenhum. Pelo contrário. Se o mercado consumidor interno é destruído, aumenta a dependência do país de mercados externos. Que neste momento de crise mundial estão sendo disputados à bala no mundo todo. Vejam o anúncio de Trump, em 02 de dezembro, de que elevará as tarifas de importação de alumínio e aço da Argentina e do Brasil. Por acaso adiantou alguma coisa Bolsonaro se humilhar para o presidente dos EUA?
7.O período mais longo de desenvolvimento do capitalismo foi justamente o que distribuiu um pouco a riqueza, no segundo pós-guerra, mais ou menos entre 1947 e 1973. Esse período, conhecido como a Era de Ouro do sistema capitalista, se caracterizava por um pouco de distribuição da riqueza, uma parte dos trabalhadores nos países centrais atingiram um padrão de vida bastante razoável, o que caracterizou o chamado Estado de bem-estar social;
8.O que ocorre entre os nossos vizinhos latino americano (Haiti, Honduras Equador, Chile, Bolívia, Peru, Colômbia), é o mesmo processo brasileiro, a matriz é a mesma. Esse movimento pode chegar no Brasil, porque o que esses movimentos têm em comum é a luta contra a miséria e a destruição imposta por políticas tipo a que Bolsonaro e Paulo Guedes estão implantando no Brasil. (por ironia, o Chile era o mais citado como modelo, pelos neoliberais, a começar por Paulo Guedes);
9.A tendência de mobilizações históricas tem caráter mundial, e praticamente nenhum país fica de fora na Região. O Brasil está totalmente dentro desta tendência. Como é o mais importante país de toda a América Latina e o mais complexo (e também o mais industrializado), custa mais a pegar fogo, porém quando isso acontecer, será mais difícil esfriar, também;
10.Porque o Brasil ainda não explodiu? Porque é o país mais rico da América Latina. Tem, portanto, condições de retardar a explosão. O tamanho da economia brasileira serve como amortecedor da crise no Brasil. Mas essa gordura está acabando. Claro que a explosão social no Brasil, seria muito mais grave do que no Haiti – ou em outros países da região - que tem população pequena, classe trabalhadora pequena, e assim por diante;  
11.Estamos tratando da América Latina, mas o fenômeno é mundial. Vejam o que está acontecendo na França. No dia 05 de dezembro, assistimos a uma gigantesca manifestação (estimada em 1 milhão de trabalhares) contra a contrarreforma da previdência, e desta vez, coordenado pelos setores mais organizados dos trabalhadores, isto é, os sindicatos. Diferentemente do movimento dos coletes amarelos, os trabalhadores organizados em sindicatos, foram quem está comandando o atual processo de mobilização na França: ferroviários, à frente, setor fundamental no mundo todo, onde tem ferrovias. Pararam também portuários, indústrias, professores, trabalhadores públicos, petroleiros. Maior manifestação pelo menos dos últimos 24 ou 25 anos. Um milhão de manifestantes na França, que tem população de 67 milhões, é como colocar 3,5 milhões ou 4 milhões nas ruas no Brasil numa manifestação;
12.Há pouco mais de um mês, ainda em outubro, o Rio de Janeiro foi testemunha de cenas impressionantes, que não se viam há bastante tempo no país. Um caminhão de carne, que circulava distraidamente com as portas abertas, foi saqueado por populares na Feira do Acari, no Rio de Janeiro. Cenas assim, como a do saque das carnes do caminhão que, distraidamente, passava no local com a portas abertas, costumavam acontecer com certa frequência, durante o governo de FHC. Tais cenas tinham acabado durante um período, mas retornam agora;
13.A base do fenômeno é objetiva: todos os indicadores de desigualdade no Brasil voltaram a piorar após o golpe. O índice de Gini[1] saltou de 0,49, em 2014, para 0,63, em 2019 e nesse período a economia decresceu 0,8% anualmente e o PIB per capita caiu em média de 1,5% ao ano. No mesmo período a taxa de pobreza cresceu ao ritmo de 10,4% ao ano, enquanto a taxa de desemprego aumentou 20,1% ao ano, na média dos anos de 2015 a 2019. A evolução dos dados, fato impressionante, nos dá uma pista (mas apenas uma pista) do sofrimento que os trabalhadores mais pobres têm passado nos últimos anos;
14.O governo Bolsonaro fará um corte no programa Bolsa Família, de 7,8% para o ano que vem, o que representa, estimativamente, que 400 mil famílias deixarão de ser atendidas em 2020. O governo não está garantindo nem mesmo a manutenção das atuais 13,2 milhões de famílias contempladas pelo Bolsa Família, que representa algo em torno de 45 milhões de pessoas. O chamado “celeiro do mundo” não alimenta a sua população. Não por questões técnicas, mas por escolha política. O Banco Itaú tem perdão de bilhões em impostos, mas os miseráveis ficarão sem os trocados do Bolsa Família para não morrer de fome;   
15.Pode dar certo uma política econômica que faz explodir a desigualdade e retornar a fome de forma epidêmica, a ponto de começar a ter saques de comida novamente no país? Pode dar certo uma política econômica que implode direitos trabalhistas conseguidos em luta dura de pelo menos um século?
16.Vejam o que é a MP 905/2019, que destrói direitos em escala industrial. Essa política, além de desumana, é tola. Segundo estudo interno feito por técnicos da Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Economia[2], o custo mensal do programa, que criou a carteira verde e amarela com o suposto objetivo de gerar empregos para jovens de 18 a 29 anos, com menos direitos e rendimento mensal limitado a R$ 1.497,00, é mais alto do que o próprio salário médio que os trabalhadores e trabalhadoras que forem contratados, receberão;
17.Pesquisa do DIEESE, divulgada dia 06.12: em novembro, Florianópolis registrou o maior preço médio da cesta básica entre as 17 capitais pesquisadas no país[3]. O preço médio da cesta de alimentos foi de R$ 478,68, sendo que a variação do preço da cesta, em 12 meses, foi de 5,23%.  Em 12 meses, os seis itens que mais acumularam foram: carne de primeira (30,81%), batata (18,65%), banana (18,58%), óleo (12,61%), feijão (11,31%), manteiga (7,13%).  O custo da cesta em Florianópolis comprometeu 52,13% do salário mínimo líquido (após os descontos previdenciários), em novembro;
18.O salário mínimo necessário do DIEESE, que neste mês foi calculado com a cesta de Florianópolis, para uma família de 4 pessoas, está calculado em R$ 4.021, 39. Quatro vezes o valor do salário mínimo nacional de R$ 998,00;
19.É neste contexto que se coloca a reivindicação dos trabalhadores na campanha 2019/2020, ou seja, a equiparação dos valores dos pisos de Santa Catarina aos praticados no Paraná. Os 10% ou 15% de melhoria salarial é um pleito justo e viável, até pelo baixo patamar em que se encontra a inflação;
20.Apesar dos preços terem variado relativamente pouco, os pisos, como os salários em geral, são muito baixos. Os valores dos pisos são de sobrevivência, para o trabalhador não morrer de fome. E a alimentação aumentou muito acima da inflação. Nestes casos, a inflação dos mais pobres é mais elevada do que a média;
21.A negociação dos pisos, no fundo, é uma negociação por COMIDA. Os valores dos pisos que estamos negociando nesta campanha são de sobrevivência. Na prática, nesta negociação se acerta o direito do trabalhador, e sua família, poderem se alimentar em 2019. Com este valor de salário, o trabalhador não consegue fazer mais nada do que repor sua capacidade de comprar alimentos no mês;
22.Diferentemente do empresário, o trabalhador não dispõe de reservas financeiras. Quem recebe piso ou o salário médio em Santa Catarina, em muitos meses tem que escolher qual conta deixará de pagar. Vivem mesmo na margem da sobrevivência, daí a importância de um ganho real, ainda que modesto;
23.Acreditamos que não precisamos esperar que as contradições sociais façam o país explodir, como no Chile e Equador, ou França, para a partir daí melhorar um pouco a vida dos trabalhadores. Em todos esses 10 anos, essa é a mais importante campanha dos pisos estaduais, porque está sendo desenvolvida em um contexto em que a renda e os direitos dos trabalhadores estão sendo dizimados.  
                                                                                                              *Economista.


[1] Instrumento matemático utilizado para medir a desigualdade social de um determinado país, unidade federativa ou município. Quanto menor é o valor numérico do coeficiente de Gini, menos desigual é um país ou localidade.
[2]Programa Verde Amarelo tem custo superior a de salário e pode reduzir produtividade, diz secretaria da Economia, Reuters”, 09.12.19.
[3] São 17 capitais pesquisadas. Porém em novembro, por problemas na coleta, excepcionalmente os dados de Brasília não foram calculados.

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