quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

O principal problema do governo Bolsonaro


*José Álvaro de Lima Cardoso 
      Há quem considere que o governo Bolsonaro é insustentável pelas suas contradições internas, que realmente são muitas em função de ser, dentre outras, um governo de improvisação, já que este não era o candidato preferencial dos coordenadores do golpe de Estado no Brasil. Desde o início já se sabia que o governo enfrentaria muitos problemas, até pela incompetência de boa parte dos quadros do governo, que em alguns casos beira o surreal. Mas desde o início se sabia que o governo poderia se sustentar se atendesse a duas questões simultaneamente:
1ª) colocar em prática um programa que garanta os lucros do capital financeiro internacional, um dos objetivos centrais do golpe. O que significa privatizações, fim da previdência social, redução de transferências sociais do governo, fim dos subsídios à indústria, etc. Na prática se colocar em operação o desmonte do Estado e da economia;
2º) garantir que essas políticas, que massacram a população, não conduzam a uma explosão social incontrolável.
     É uma equação extremamente difícil. Ajudar os grandes capitais a enfrentar a queda de seus lucros e a crise mundial do capitalismo, implica, ao mesmo tempo, aumentar muito a política de guerra contra o povo. Elevar muito o grau de exploração num país onde o salário médio está em torno de R$ 1.500,00 (setor privado), e onde quase cinquenta milhões de brasileiros dependem do Bolsa Família para não passar fome, não é brincadeira.
     Bolsonaro, aos trancos e barrancos, e mesmo crivado de suspeitas de tudo quanto é tipo, vem conseguindo impor o programa de guerra à população, que é a missão para a qual foi escalado. Lembremos as principais medidas que conseguiram aprovar, aprofundando as ações do primeiro governo golpista, de Temer:
1.Destruição da previdência pública
2.Enfraquecimento e tentativa de destruição dos Sindicatos
3.Entrega do pré-sal e desmonte da Petrobrás
4.Entrega da base de Alcântara
5.Privatização da Eletrobrás (prevista para o ano que vem)
6.Desmonte do SUS (em andamento)
7.Privatização do acesso à água (em andamento)
8. PECs de desmonte do Estado brasileiro (Plano Mais Brasil)
9.Desmonte das universidades públicas
10. Medida Provisória nº 905, de 11.11.2019, que implanta carteira verde e amarela e desmantela direitos
    A lista de estragos é imensa. Acima estão apenas parte das questões centrais. É inclusive difícil acompanhar a “política de choque” que estão colocando em prática. O problema do governo golpista do Bolsonaro, na realidade, é resolver a segunda parte da equação, que é evitar uma explosão social, mesmo implantando políticas que arrancam o couro da população. Esta tarefa ficou especialmente difícil, com o desencadeamento das mobilizações sociais em toda a América do Sul, exatamente contra as políticas anti povo e anti país que Bolsonaro vem aprofundando.
     Como se sabe, a partir do golpe, o Brasil está sofrendo os efeitos de uma explosão da desigualdade de renda, jamais identificada pelo IBGE, desde 1960, quando o Instituto passou a captar informações acerca do rendimento da população nos censos demográficos. Há uma piora de todos os indicadores de perfil de distribuição de renda, como já demonstramos em outros artigos.
     Há pouco dias, o IBGE divulgou os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – Contínua (Pnad Contínua).  A taxa de desemprego no país no terceiro trimestre deste ano, ficou em 11,8%, representando 12,5 milhões de desocupados. Destes, cerca de 3,2 milhões de pessoas, 25,2% do total, estão à procura de emprego há dois anos ou mais no Brasil. Em alguns estados a pesquisa mostra taxas de desemprego assustadoras, como Bahia (16,8%), Amapá (16,7%) e Pernambuco (15,8%). A taxa composta de subutilização da força de trabalho, ou seja, o percentual de pessoas desocupadas ou subocupadas por insuficiência de horas trabalhadas chegou a 24% no país. Sendo que no Maranhão é de 41,6% e no Piauí chega a 41,1%. O número de pessoas desalentadas, ou seja, que desistiram de procurar emprego, alcançou 4,7 milhões de pessoas no terceiro trimestre.
     Sabe-se que as contingências políticas e econômicas mudaram o humor dos EUA em relação à América Latina, por isso promoveram golpes em toda a região. Não se trata deste ou daquele presidente, os golpes são política de Estado dos EUA. O problema não está ligado especificamente à Donald Trump, quando ocorreu o golpe no Brasil o presidente dos EUA era Barack Obama. Os golpes estão ligados fundamentalmente à crise internacional do capitalismo e ao esforço dos EUA para recuperarem terreno na América Latina, que tratam e consideram como o seu “quintal”.  
     É difícil imaginar que, em algum momento, a sociedade brasileira não reaja com muita força a todos os ataques, como já fez em outros momentos da história. Até em função do que está acontecendo em toda a América Latina, onde as vigorosas manifestações têm o traço comum de serem contra as políticas neoliberais. O nível de repressão no Chile e no Equador, o golpe na Bolívia, e a destruição de direitos no Brasil em escala industrial, são fatos interligados, que revelam que não devemos esperar saídas fáceis e tranquilas. A crise mundial não é bolinho, e os países imperialistas estão firmemente determinados a descarregar os seus impactos sobre as nossas cabeças.

                                                                                                    *Economista (04.12.19)

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