quinta-feira, 14 de novembro de 2019

No quadro atual da América Latina ilusões não são boas conselheiras


                                                                                   *José Álvaro de Lima Cardoso
     A crise mundial da economia tornou muito difícil a melhoria de vida nos países subdesenvolvidos. Tornou difícil também a melhoria de vida dentro dos países desenvolvidos, claro, mas na periferia capitalista é ainda pior. Por exemplo, um dos primeiros alvos dos golpistas no Brasil foi a seguridade social, que está sendo desmontada, a partir da aprovação da contrarreforma da previdência. Outras medidas estão sendo  tomadas na mesma direção, pois a seguridade social se tornou um “luxo” para os países subdesenvolvidos. Direitos sociais tornaram-se um luxo até mesmo para o centro capitalista, os países imperialistas, que para manter o padrão de vida de parte de suas populações exploram o mundo todo.
     As contingências políticas e econômicas mudaram o humor dos EUA para governos progressistas e nacionalistas em toda a América Latina. Não se trata deste ou daquele presidente, os golpes são política de Estado dos EUA. O problema não está ligado especificamente à Donald Trump, quando ocorreu o golpe no Brasil o presidente dos EUA era Barack Obama. Os golpes estão ligados fundamentalmente à crise internacional do capitalismo e ao esforço dos EUA para recuperarem terreno na América Latina, que tratam como seu “quintal”.
     Os que denunciavam a participação dos EUA no golpe no Brasil, em 2015/2016nos, eram acusados de serem adeptos da “teoria da conspiração”. Mas agora, com o que ocorreu na Bolívia, onde os EUA financiaram e organizaram um sórdido golpe contra um governo eleito em primeiro turno na Bolívia, irão também dizer que a denúncia do golpe é teoria da conspiração? Na realidade é a própria conspiração, que é muito superior à qualquer teorização sobre o assunto. Os EUA não se detêm por nada: segundo o cientista social estadunidense, Noam Chomsky, em comunicado divulgado no dia 09.11, antes da “renúncia” de Evo Morales, o centro de operações da embaixada dos EUA em La Paz revelou dois planos no país sul-americano: “o ‘plano A’, um golpe de estado e o ‘plano B’, o assassinato de Ivo Morales ”).
     Sob grave crise do sistema, e disputa dramática por apropriação de fontes de matérias primas, os golpistas não irão se deter por pouca coisa. No caso boliviano, pesou muito no golpe (ao que parece), o fato de que o país detém 50% de todo o lítio existente no planeta. Um dos elementos presentes nos golpes de Estado, e no caso dos golpes recentes na América Latina isso é decisivo, é a busca por fontes de energia. Os países imperialistas sabem que não existe nação sem energia, especialmente países que exploram o mundo todo para manter sua economia e poder político. O lítio, um metal volátil e fundamental para as novas tecnologias, está concentrado principalmente no Chile, Bolívia e Argentina (juntos, estes três países possuem 75% das reservas mundiais). A maior reserva do mundo de lítio, está localizada no salar de Uyuni, um deserto branco de sal de 12 mil quilômetros quadrados, situado no sul da Bolívia.
     Nós brasileiros temos uma experiência recente (e amarga) de como o Império trata na prática as reservas estratégicas de matérias-primas existentes no mundo. Apenas alguns anos após o anúncio da maior jazida de petróleo descoberta no milênio (pré-sal) e a aprovação de uma lei que retinha a renda petroleira no país (lei de Partilha), ocorreu o golpe de Estado. Sendo que uma das primeiras medidas foi o fim da lei de Partilha, baseado inclusive, num projeto de José Serra que, quando candidato a presidente da República, havia prometido, em diálogo secreto, à representante da Chevron, acabar com a referida lei.
    O nível de repressão no Chile e no Equador, o golpe na Bolívia (que conta com a reação heroica de parte expressiva do povo), e a destruição de direitos no Brasil em escala industrial, são fatos interligados, que revelam que as ilusões com saídas fáceis não são boas conselheiras. Mostram inclusive, que não tem fundamento o excesso de euforia com a vitória das forças populares na Argentina. Especialmente num quadro de grave crise mundial, cujos efeitos procuram descarregar sobre nossas cabeças.   
                                                                                                                                              *Economista.
                                                                                                                                  (14.11.19)

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