domingo, 5 de agosto de 2018

Meirelles investe a fundo perdido

Por Tereza Cruvinel, no Jornal do Brasil:

O mundo não se divide entre os que gostam ou não gostam de Lula ou de Temer, e sim entre os que trabalham ou não pelo Brasil, quando o país precisa. 

Não foi só com esta frase, aqui fora de aspas, que Henrique Meirelles tratou ontem, ao ser crismado candidato pelo MDB, de descolar-se de Temer e de tentar se aproximar do eleitorado lulista. 

Lembrou mais de uma vez que presidiu o Banco Central nos oito anos do governo Lula, uma forma de declarar-se corresponsável pelo que houve de bom naquele tempo. 

Mas foi nos jingles de campanha que o esforço foi escancarado. O PT tudo anotou e não chiou: acha que Meirelles não tira voto de ninguém e que, falando bem dos anos Lula, ajudará o candidato do PT.

Um dos jingles tocados na convenção gira em torno do mote “chama, chama, chama o Meirelles, que ele tem a solução”, intercalado por dísticos em rimas pobres mas sintomáticas. 

“Quando se quer a esperança de volta, chama o Meirelles que ela bate à sua porta”. 

A “esperança de volta” ecoa um dos motes da campanha de Lula, “para o Brasil ser feliz de novo”. 

Em outro, o candidato da continuidade admite em versos a necessidade de mudança. 

“Tem honestidade e coragem, e tem pulso para mudar a direção”. 

O candidato do governo pode rasgar dinheiro, mas não comete a estupidez de insistir na continuidade sem acenar com mudanças. Segundo a última pesquisa Datafolha, 82% dos brasileiros rejeitam Temer, 92% não votariam em candidato por ele indicado e 72% acham que com ele a vida piorou.

Rico, Meirelles dispõe-se a gastar até R$ 70 milhões (limite legal para o gasto numa campanha presidencial) para realizar um sonho. 

Entrou na disputa sabendo que seu investimento será a fundo perdido. 

Mesmo tendo apenas 1% nas pesquisas, sua candidatura foi aprovada por 85% dos convencionais do MDB. Ele sabe que isso não significa que o partido vai suar a camisa para lhe conseguir votos. 

O que vimos ontem, na convenção, foi a assinatura pública de um contrato de mútuo. 

O MDB lhe deu a legenda para que ele persiga o sonho. 

Meirelles, assumindo os custos com sua campanha, deixará ao partido a totalidade de seus R$ 240 milhões do Fundo Eleitoral para investir na eleição de governadores, deputados e senadores. 

O MDB sempre viveu de vender apoio, mas este ano, com a impopularidade de Temer, candidatos de outros partidos não o quiseram como aliado. 

Alguns protestaram em vão, como Renan Calheiros e Roberto Requião, mas prevaleceu o casamento de conveniência. Que não foi o único da temporada, é claro.

Acenos a Ciro
PT e PSB agora administram as reações ao acordo firmado. 

O recurso de Marília Arraes e apoiadores pernambucanos contra o sacrifício da candidatura dela deve ser hoje examinado e negado pelo Diretório Nacional. 

O PSB também baixará o tacão em Minas, enquadrando Márcio Lacerda, que insiste na candidatura desautorizada. 

Como tem dito o líder Júlio, foi ele que inviabilizou o acordo com o PDT, negando-se a ser vice de Ciro Gomes.

O esperneio bilateral era esperado, assim como a reação de Ciro Gomes, que se sente apunhalado pelo PT, que lhe tirou a última possibilidade de aliança. 

Alguns petistas já lhe fazem acenos pacificadores, como o vice-presidente Márcio Macedo, quando diz: 

“O acordo com o PSB não foi uma ação contra Ciro e sua candidatura, que sempre respeitamos. Embora passe por acordos eleitorais nos estados, o entendimento com o PSB foi ditado pela prioridade nacional. Ele restabeleceu a chance de unidade da esquerda, para vencermos a eleição e revertermos os retrocessos trazidos pelo golpe. Queremos continuar dialogando com o PC do B, com o PDT e com Ciro”. 

Há 15 dias, o PT chegou a oferecer a vice de Lula a Ciro, mas a oferta foi considerada tardia. 

A evolução do quadro nas próximas semanas, dizem alguns petistas, poderá permitir o reexame desta hipótese. Não antes, certamente, da decisão sobre a inelegibilidade de Lula.

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