Por Haroldo
Lima
A
Petrobras faz mudanças, a regulação se modifica. Interessa a
todos examinar o
sentido dessas mudanças, seus efeitos e os interesses nacionais
envolvidos.
Nossa estatal enfrenta grave crise financeira. Houve queda dos
preços do
petróleo, variação cambial, venda de combustíveis abaixo dos
preços
internacionais e corrupção. Sua dívida, de R$ 100 bilhões no
final de 2011,
ultrapassou os R$ 500 bilhões ao terminar 2015. E seu valor de
mercado, que
chegara em 2008 a R$ 530 bilhões, despencou para R$ 100 bilhões.
Contudo,
os fundamentos da empresa continuam sólidos. Só no pré-sal tem
40 bilhões de
barris de óleo contratados, quase o dobro do que tem no mundo a
ExxonMobil. De
todo modo, vieram um novo plano de negócios e desinvestimentos.
O novo
plano é taxativo na retirada "integral" da companhia da produção
de
biocombustíveis, distribuição do gás de cozinha, fertilizantes e
petroquímica.
Prevê a venda de dutos, de campos produtores, de refinarias, de
parte da BR
Distribuidora. Planeja investimentos de US$ 74 bilhões para os
anos de
2017-2021, 82% em exploração e produção (E&P), 17% em refino
e gás natural
e, para os demais setores, 1%.
O
pré-sal, descoberto há dez anos, só viu um leilão e um único
contrato de
partilha firmado, Libra
O foco em
E&P é consensual, mas o afastamento radical de outros
setores, não.
Enfraquecerá a verticalização da empresa, levando-a a parecer
uma grande
"independente", que ganha pelo que produz na boca do poço. Se a
verticalização fica tópica e inexpressiva, a sua defesa, feita
pelo presidente
da empresa, fica formal. Sair integralmente da petroquímica, por
exemplo, é
abrir mão do setor que mais representa o futuro do petróleo.
Ademais,
mesmo em E&P, há problemas. A venda de Carcará é
injustificável, não pelo
preço, discutível, de US$ 2,5 bilhões, mas pela razão,
indiscutível, de ser um
campo no pré-sal onde a Petrobras já era operadora.
Isto nos
remete à recente polêmica sobre "a Petrobras como operadora
única do
pré-sal". Este objetivo, assim posto, nunca existiu.
O
polígono do pré-sal surgiu com a Lei da Partilha, em dezembro de
2010. Na
época, cerca de 40% de todo o pré-sal já estava contratado, com
a Petrobras, a
maior parte, e com algumas estrangeiras. A Anadarko, petroleira
americana,
operava e descobriu petróleo no BM-C-30, em 2008. A British
Petroleum também lá
operava, assim como a Repsol Sinopec e a Shell. Na zona central
do pré-sal, a
ampla maioria dos campos é operada pela Petrobras, mas aí a
ExxonMobil operava
em 2009 no BM-S-22. Tudo sob concessão.
O que a
Lei da Partilha estabelecia é que a Petrobras seria operadora
única nos novos
contratos de partilha, a serem celebrados nos 60% restantes do
pré-sal. Isto
foi feito para reforçar a estatal. Seu caixa podia arcar com os
30% mínimos dos
custos para ser operadora, e o petróleo, com elevada cotação,
gerava grandes
lucros. Mas tudo mudou. E o pré-sal, descoberto há dez anos, só
viu até hoje um
leilão e um único contrato de partilha firmado, o de Libra, que
ainda não
produz.
É quando
começa a tramitar no Senado o PLS 131/15, do senador José Serra,
propondo o fim
da obrigatoriedade da Petrobras ser operadora nos novos
contratos do pré-sal. O
projeto tinha um problema grave, deixava a Petrobras fora de
tudo, como uma
multinacional qualquer, sem nenhuma regalia por ser brasileira,
no pré-sal
brasileiro, por ela descoberto.
Nos
debates, essa distorção foi rejeitada e surgiu a ideia da
"operadora preferencial".
A Petrobras, longe de ficar fora de tudo, passava a poder
escolher o bloco onde
tinha interesse em operar. Era outro projeto. E é este que está
sendo aprovado
no Congresso. Paralelamente, ali tramitam proposições para
abolir a partilha da
produção. E aí as coisas se complicam.
Na
partilha, o óleo extraído por um consórcio é propriedade da
União,
diferentemente da concessão. O consórcio é administrado,
qualquer que seja o
operador, por um "Comitê Operacional" (art. 22 Lei 12.351), que
define os planos de produção, de trabalho, de investimento e
tudo que tem
importância. Metade dos integrantes desse Comitê, seu presidente
- com voto de
minerva e poder de veto - são indicados pela empresa Pré-sal
Petróleo S.A.
(PPSA), 100% estatal. Por isso, o pré-sal está sob controle.
A ameaça
de desindustrialização, decorrente da produção excessiva de um
único produto,
conhecida como "doença holandesa", poderia ser evitada.
Abolindo
a partilha da produção, perderíamos o controle do pré-sal.
Outras questões
também se colocam.
A
política de conteúdo local no setor petrolífero não é de nenhuma
empresa, mas
do governo. As obrigações quanto a esse conteúdo são detalhadas
nos contratos
da ANP e por ela fiscalizadas. As empresas, inclusive a
Petrobras, com
frequência preferem pagar multas do que comprar bens ou serviços
locais, por
razões que merecem mais linhas para outra análise.
Nos
desinvestimentos previstos, cogita-se a venda de campos de
produção. Ao que se
sabe, são campos secundários, vários marginais.
Pelo
interesse nacional, a Petrobras precisaria se engajar numa
política de vincular
desinvestimentos a investimentos, o que seria bom para ela e
melhor para o
Brasil. Campos em declínio, mas ainda com boas reservas, por
exemplo, na Bacia
de Campos, seriam vendidos a brasileiros interessados em
investir para
revitalizá-los, o que a Petrobras não pode fazer por causa do
pré-sal.
Alavancaríamos empresas nacionais "independentes" de petróleo,
de
pequeno ou médio porte, que não têm tido apoio no Brasil.
Por fim,
o Relatório de Administração da Petrobras, de 31 de dezembro de
2015, mostra a
composição do seu Capital Social. A nossa estatal continua com
51,3% de seu
capital privado, dos quais 36% estrangeiro. A parte estatal é de
48,7%, dos
quais a União tem 28,7%. A norueguesa Statoil, que comprou
Carcará, é 67%
estatal. Quando foi descoberto o pré-sal, a Petrobras era 39%
estatal. Pela
cessão onerosa, saltamos para os 48,7% atuais. Vai ficar só
nisso?
Haroldo
Lima, engenheiro, foi diretor-geral da Agência Nacional do
Petróleo, Gás
Natural e Biocombustíveis.
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